Charles Bukowski, Notas de um velho safado

Por Davi Tufic

“Um intelectual é um homem que diz uma coisa simples de uma maneira difícil; um artista é um homem que diz uma coisa difícil de uma maneira simples.”

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No livro “Notas de um velho safado”, podemos observar que Bukowski não se preocupa em delimitar um contexto ou até mesmo um sentido para todos os seus textos. O livro é uma coletânea das colunas e histórias de Charles Bukowski em um jornal chamado: “Open City”. No prefácio do livro, em suas palavras, ele descreve a experiência em: “com estas notas, é sentar com a cerveja e bater a máquina numa sexta ou no sábado ou no domingo e, por volta de quarta-feira, a coisa já está circulando por toda cidade”. É clara a total despreocupação com regras e narrativas socioculturais, por parte do autor. Bukowski e sua obra são uma representação da efervescência pela qual passava os Estados Unidos na década de 60 e principalmente Los Angeles, onde ele viveu grande parte da vida e onde morreu. Justamente no ano de publicação, 1969, ocorreu um dos maiores festivais da história, o Festival de Rock de Woodstock, que marcou uma geração conectada aos ideais do movimento hippie e do rock’n’roll, movimentos ligados à contracultura muito forte na época. Ideais que são questionados, justificados e citados ao longo de trechos do livro.

No livro, podemos encontrar claramente visões diferentes de mundo como críticas a um certo discurso intelectual, no qual há trechos em que ele diz: “Então, por favor, tenha cuidado com seus líderes, pois existem muitos nas suas fileiras que prefeririam ser presidente da General Motors do que incendiar o Posto Shell da esquina. Mas, como eles não podem ter um, eles pegam outro. São esses ratos humanos que, por séculos, nos têm mantido onde nos encontramos.” (A pontuação está de acordo com a que ele opta por usar.) Ele não se preocupa com questões sociais mais do que um trabalhador normal que não tem nem tempo de respirar depois de um dia pesado de trabalho, usa palavras de cunho racista, sexista e machista durante o livro e isso obviamente não o torna um ídolo ou exemplo de cidadão de valor, mas o que acho interessante sobre a leitura desse livro é enxergar o quanto mudamos e o quanto existem processos para serem superados antes de nos tornarmos o que desejamos.

Dentro desse universo nojento e tenebroso, onde ele se coloca muitas vezes com traços autobiográficos, vemos como Charles fala abertamente sobre sua relação com o sexo descontrolado, prostitutas, drogas e o seu alcoolismo avançado. Nesse contexto, me pego lendo um dos autores mais malditos de todos os tempos, e me vejo entendendo seus terrores, não por compaixão ou por identificação, mas por uma simples tendência a gostar de uma escrita tão fora do convencional. Ele se perde e se encontra em questão de linhas, mas por várias vezes não nos permite acompanhar, não somos nunca convidados a entender o que se passa em sua cabeça, parece (para mim) que a todo momento ele se distancia de nós e precisamos fazer um esforço para o reencontrar, ali naquele canto escuro e assustador que ele chama de mente. É um convite a se encontrar justamente onde ele se perde, de não ter discriminações contra nada nem ninguém e concomitantemente reconhecer que temos inúmeros preconceitos enraizados. Parece um paradoxo, mas é nitidamente esse o caso enquanto lemos esse homem tão complexo e simples ao mesmo tempo.  Caso sobreviva a uma escrita tão ferozmente grossa, sem querer dizer: “Esse homem é uma besta!”, acho que no final você vai perceber que todos nós somos bestas. Portanto, citando Dostoiéski: ´´É, se não puder escrever eu vou morrer´´, acho que era isso que sentia o autor quando escreveu Notas de um velho safado, Charles sabia o quanto precisava daquela liberdade sem preceitos ou limitações, numa época em que muitos lutavam por mudanças e revoluções, Bukowski só queria liberdade para se livrar daquela imensidão de respostas sem pergunta que tinha.

Por fim, concluo, assim como diz na contracapa, o quanto é difícil ler um livro de tamanha ignorância ao mundo real e não sair dele com uma nova leitura da irrealidade em que vivemos enquanto seres errantes e preconceituosos. É necessário questionar todo tipo de discurso, por mais difícil e desconfortável que seja uma conversa, e Bukowski talvez entendesse isso, ou talvez simplesmente precisasse de algo para aliviar os ânimos. De qualquer maneira, somos sua audiência e vale a pena ouvir o que ele tinha a dizer.

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