Por José Victor Fantoni e Juliana Gusman
O Centro de Crítica da Mídia (CCM), articulado ao grupo de pesquisa Mídia e Narrativa e em parceria com os cursos de Cinema, Jornalismo e Publicidade e Propaganda, realizou, nos dias 24, 25 e 26 de abril, seu II Seminário. O evento, que aconteceu no campus do Coração Eucarístico, somou, ao todo, doze conferências, com a participação de convidados de diversas regiões do Brasil, reunindo pesquisadores, profissionais, estudantes e demais interessados em refletir e debater as relações entre mídia e sociedade. As palestras foram ministradas por nomes importantes da área como o professor Rogério Christofoletti, do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS), o crítico de cinema Pablo Villaça, a cineasta Alice Riff, diretora do filme “Meu corpo é político”, e o ensaísta Francisco Bosco, autor de “A vítima tem sempre razão?”. O evento discutiu temas como espaço público, redes sociais, representatividade, manipulação midiática e o atual cenário político brasileiro.
Dia 24 de abril
Na conferência de abertura, o crítico Pablo Villaça falou sobre a relação entre cinema e sociedade. Para ele, a sétima arte tem o potencial de desencadear debates com importantes implicações políticas para a esfera social. “O cinema, ao contrário do que muita gente pensa, não existe dentro de um vácuo. Ele está em constante interação com o resto do mundo”. O cinema é, afirma Villaça, “político por natureza”.
Reverberações de práticas culturais em na configuração social vigente foi tema em pauta, também, da segunda atividade do dia. Os jornalistas esportivos Cândido Henrique, do jornal O Tempo, e Marcelo Carvalho, diretor-executivo do Observatório de Discriminação Racial no Futebol, discutiram o papel da mídia – do jornalismo ao entretenimento – no combate a preconceitos socialmente arraigados e estimulados nas relações suscitadas pelo esporte. Marcelo Carvalho acredita que o racismo continua sendo uma questão central a ser enfrentada, assim como o sexismo. Em sua fala, Cândido Henrique reforçou que “o futebol não é um mundo à parte em que vale tudo. A mídia e os clubes são essenciais para colocar fim nesse pensamento comum no torcedor brasileiro”.
Na parte da tarde, Rogério Christofolleti, professor da UFSC, que ministrou a conferência “Ética e Crítica da Mídia”, trouxe, em sua exposição, a questão da manipulação da informação, evidenciando, através de diversos exemplos extraídos dos principais jornais do país, como os meios de comunicação hegemônicos utilizam diversas táticas para distorcer informações e acabam, de certa forma, praticando um noticiário falseado. O pesquisador acredita que o trabalho crítico produzido pela academia é de extrema importância para o combate a esse tipo de prática, mascarada, geralmente, pela defesa de uma perspectiva supostamente imparcial. Observatórios como o objETHOS, coordenado por Christofolleti, pretendem, justamente, atuar na denúncia dessas estratégias discursivas. A última conferência do dia, inclusive, reforçou a importância de iniciativas como essa. As pesquisadoras Paula Simões (GrisLab -UFMG), Daniela Lopes e Eliara Santana (ambas do Mid – PUC Minas) e o pesquisador Ercio Sena (CCM – PUC Minas) apresentaram suas respectivas experiências de crítica midiática em seus grupos de pesquisa.
Dia 25 de abril
A primeira conferência, “Luta por Reconhecimento e Crítica da Mídia”, do ensaísta Francisco Bosco, teve grande repercussão. A discussão se deu, principalmente, quando Bosco foi confrontado por estudantes de comunicação a respeito do seu livro mais recente, “A vítima tem sempre razão? ”. A obra discute o que Bosco chama de “novo espaço público brasileiro”, inaugurado a partir das manifestações de 2013, onde movimentos identitários vão insurgir e se fortalecer. Questionando alguns modos de atuação desses movimentos, pouco preocupados, segundo o autor, em estabelecer articulações políticas com outros segmentos sociais potencialmente aliados, Bosco defende que uma vítima estrutural – como mulheres, negros, a comunidade LGBT etc. – nem sempre tem razão em contextos particulares. “Essa premissa, ‘a vítima tem sempre razão’ conquistou muita adesão porque existe uma tradição que silencia e nega a palavra da mulher. Parte dos movimentos identitários inverteram a premissa, afirmando que a vítima tem sempre razão. É uma falsa alternativa”, pontuou. De acordo com o ensaísta, é necessário refletir sobre essas duas dimensões da figura da vítima – a particular e a estrutural – para pensarmos, com mais precisão, os fenômenos sociais de nosso tempo. O escritor foi questionado pelas alunas, por reproduzir em seu livro, segundo elas, clichês de classe e tentar traçar limites para a atuação de minorias nas redes. Entre polêmicas, o debate se mostrou instigador. Já o segundo convidado do dia, Bruno Pompeu, conversou sobre “Rituais de Consumo midiatizados”. Para o publicitário, hoje em dia, as pessoas não consomem apenas produtos, e, sim, significados. “O sentido da vida de ninguém precisa estar no consumo, mas o consumo enche a vida de sentidos”, afirma.
As atividades da tarde começaram mais cedo, com a exibição do filme “Meu corpo é político”, da cineasta Alice Riff, que, após a sessão, conversou com estudantes sobre a obra. Seu trabalho – que retrata o cotidiano de quatro militantes LGBT na periferia de São Paulo – busca ir contra narrativas hegemônicas, que são narrativas que excluem e que estereotipam as pessoas, principalmente aquelas que vivem em situação de marginalidade, cada vez mais. A documentarista supõe que, para produzir outro tipo de abordagem sobre essas vidas, é preciso deixar a própria personagem ser especialista de si e contar sua própria história. Segundo Riff, que acredita na importância da representatividade na arte, “as narrativas estão em disputa”. E provoca: “A gente tem armas e ferramentas na mão. A gente posiciona essa câmera do lado de quem? ”. Na última mesa, os pesquisadores Mozahir Salomão, Bruna Santos e Graziela Cruz, da PUC Minas, debateram sobre “Música e Memória: construções biográficas no cinema e na mídia”. A discussão foi pautada por temas como: o papel do jornalista na construção das biografias, a construção das cinebiografias e celebrização e indústria cultural.
Dia 26 de abril
Mônica Ferrari, pesquisadora da ESPM-SP, iniciou as atividades do último dia do Seminário com a conferência “Memória, consumo e práticas lúdicas: Cosplay, medievalismo e steampunk”. A conferencista, que trabalha a relação entre memória, afeto e a criação de laços culturais, revelou que essas práticas extrapolam a esfera do “fã” e da admiração por um determinado personagem, mas refletem a cultura como memória. Tornam-se, em verdade, uma forma de pertencimento e de reconhecimento em espaços públicos e eventos. Em seguida, Clotilde Perez, da USP, encerrou o turno da manhã com a palestra “Semiótica aplicada à Publicidade”.
A professora da UFF Beatriz Polivanov abriu as palestras tarde discutindo dinâmicas identitárias nas redes digitais. Para ela, “é preciso levar em conta que não existe um público homogêneo, e que cada um de nós se apropria e faz uso das plataformas digitais de maneiras diferentes”. A professora também reiterou que “ao relacionar a identidade com a tecnologia, o olhar muitas vezes acaba sendo marcado pela dualidade entre medo e fascínio”. Para encerrar o evento, o professor da FUMEC Rodrigo Fonseca falou sobre os desafios gerados pelas plataformas de streaming musical, processos de curadoria musical e direito dos autores.