Bons diálogos também se constroem sem script

Foto: Divulgação Canal Brasil

Por Carlos Eduardo Noronha.

“Muitos anos depois, diante de um pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de pau-a-pique e telhados de sapé, construídas na beira de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e, para mencioná-las, era preciso apontar com o dedo.”

Poderia o parágrafo acima apresentar-se como o primoroso início do texto que tens diante de si, caro leitor, mas seria pretensão demais, monstruoso engano. Trata-se de um trecho do romance Cem Anos de Solidão, escrito pelo colombiano Gabriel García Márquez e publicado em 1967. Foi recitado por Aguinaldo Silva, um dos maiores nomes da teledramaturgia brasileira, durante episódio de A Arte do Encontro, série exibida pelo Canal Brasil entre 2016 e 2019. Durante a conversa, Aguinaldo justificou a escolha relatando que, durante o tempo em que esteve preso por intermédio da Ditadura Militar (1964-1985), a obra de Gabo tornou-se sua principal e fundamental companhia. “Foram os primeiros passos que dei para fora da prisão” (SILVA, 2018). 

Apresentado por Tony Ramos e Barbara Paz, A Arte do Encontro não é um mero tradicional programa de entrevistas. O cenário é minimalista, composto por uma pequena mesa amadeirada, repleta de livros, onde apresentador e personalidade se encaram nos olhos. O fundo é escuro e a iluminação, fraca. Cria-se um clima intimista e envolvente. Os convidados são conduzidos por diálogos sensíveis que, aos poucos, revelam a parte mais íntima do ser artista, do ser humano. E o público embarca como se estivesse hipnotizado. 

Quem é Deus? E o silêncio, o que é? Como você enfrenta as adversidades da vida? Representar é uma maneira de sobrevivência? Como você vê a passagem do tempo? Você tem medo da dúvida? A arte existe porque a vida não basta? Tais assuntos, recorrentes ao longo de 104 episódios – com, aproximadamente, 20 minutos de duração – são permeados por trechos de romances, roteiros cinematográficos, peças de teatro, letras de música e poesias inteiras. A falta de um script previamente estipulado desencadeia respostas naturais e espontâneas que, atreladas à beleza interpretativa das leituras, aguçam os sentidos. 

Em entrevista a Daniel Castro, do site Notícias da TV, Barbara Paz comenta sobre a essência do programa: 

Acho que não é um programa de entrevistas, e sim de encontros. Não tem pauta, [mas] tem algumas perguntas que se repetem para todos os convidados. Sou eu, Barbara, sentada para conversar sobre poesia, teatro, música, arte. Cada novo episódio não se parece com outro, pois o programa fala de existência, do ser ou não ser… São os convidados que dão o clima. A voz deles é que comanda essa autoanálise. (PAZ, 2017)

Dirigida pelo cineasta Felipe Nepomuceno, a série A Arte do Encontro foi encerrada depois de quatro temporadas de vinte e seis episódios disponíveis no Globoplay, Globosatplay e YouTube. Quatro temporadas de encontros marcantes com grandes nomes da música, cinema, televisão e cenário político, como Ney Matogrosso, Silvio de Abreu, Cássia Kis, Selton Melo, Pedro Bial, Laura Cardoso, Milton Gonçalves, Jorge Furtado, Marjorie Estiano, Petra Costa e Fernando Haddad. 

Bibliografia: 

https://pt-br.facebook.com/pg/artedoencontrotv/about/?ref=page_internal

https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/televisao/barbara-paz-faz-analise-com-convidados-na-reestreia-como-apresentadora-17435

https://www.youtube.com/playlist?list=PLYk-IqwD7HUa7TS48MNku1Y2E8IjXNke6

https://canaisglobo.globo.com/assistir/canal-brasil/a-arte-do-encontro/t/ZzbdjQGh7m/

https://globoplay.globo.com/a-arte-do-encontro/t/P5VNwj22Bv/

Carlos Eduardo Noronha é monitor do CCM e graduando em Jornalismo pela PUC Minas.

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