Análise, o grande catalisador – Da onde vem tanto ódio?

Por Davi Tufic B. F. Matny

Ultimamente se tornou frequente a disseminação de vídeos conhecidos como “conteúdo redpill”, em que influenciadores ditos “coaches” ou “guias” de masculinidade buscam pregar um enaltecimento do homem e um desprezo direcionado ao tratamento com as mulheres e ao seu papel na sociedade.

Também são frequentes os casos de grupos de supremacia branca. Esses grupos apoiam ideais eugenistas, misóginos, sexistas e até mesmo neonazistas que defendem uma superioridade genética da população branca, branqueamento populacional e extermínio de outras raças – consideradas por eles inferiores – e, em alguns casos mais específicos, ainda tentativa da subtração de políticas de diversidade, instauradas para proteger e dar direitos aos mais diversos grupos socioculturais, etnias e povos.

No entretenimento, para abrir esse debate, temos o exemplo recente da série Adolescência, inspirada em casos de violência contra mulheres jovens na Inglaterra e com a disseminação de discursos de ódio. Durante a série, em um dos episódios, o nome de Andrew Tate, influenciador digital e ex-atleta de kickboxing, é citado em referência ao conceito ´´machosfera´´. De acordo com o Google: ´´A “machosfera” (também conhecida como “manosfera” ou “comunidade masculinista”) é uma subcultura online que se concentra em homens e promove o desenvolvimento da masculinidade, com foco em questões como crítica ao feminismo e a busca por autonomia masculina. Ela é caracterizada por uma variedade de ideias, desde aquelas que defendem a autonomia masculina até as que se alinham com ideologias mais extremas e misóginas´´. Andrew Tate é uma das figuras entre tantas outras que apoiam, sustentam e motivam discursos de ódio contra as mulheres. Tate foi acusado na Romênia de estupro, tráfico de pessoas e formação de um grupo criminoso para exploração sexual de mulheres.

Seguindo esse raciocínio, se tornou cotidiano a presença de manchetes como: “Grupo de ódio no Discord: ‘violência é tratada como forma de entretenimento’, diz delegada que evitou ataque a morador de rua”, reportagem do jornal O Globo de 21/04/2025, ou “Três adolescentes são acusados de abuso sexual após seguirem ´´trend´´ do TikTok, na Argentina”, também do mesmo jornal, apenas 20 dias antes. E por aí seguimos numa ladeira grotesca da desumanização dos jovens.

Além disso, o que falar sobre os jovens adultos aliciando menores, como nesse mesmo caso de tentativa de violência contra o morador de rua? Um dos presos, de acordo com a reportagem do O Globo, teria iniciado esse crime com intenção de “subir de cargo” na organização criminosa…

Em que momento homens e mulheres “formados” cognitivamente e até mesmo academicamente acharam de bom tom apoiar discursos extremistas de todo tipo, sem sequer se atentar à lógica e à razão?

Tornou-se frequente o discurso da direita sobre conservadorismo e retorno a tradições religiosas e/ou a regulação das redes, as PECs urgentes e o receio insurgente pelo apocalipse ambiental da esquerda.

Tudo isso parece ter emergido de repente sem nenhum motivo aparente ou comum, porém cada vez mais deixam de ser exceções e passam a ser assuntos frequentes em nossa sociedade.

O grande catalisador tem endereço de IP, mas também carne e osso.

A internet proporcionou um movimento catalisador, que acelerou e exacerbou todas as nossas práticas e hábitos como indivíduos sociais, sejam esses movimentos positivos para nós ou péssimos para a nossa evolução enquanto sociedade moderna avançada. A internet é uma das ferramentas do capitalismo, ou se tornou ao menos, e ela também é responsável pela polarização, pela desinformação, e também pelo aumento do desemprego.

A disseminação em massa de discursos de ódio é só um dos exemplos do adoecimento provocado pela internet, já que a internet é nova, mas o discurso sempre existiu. E assim como a internet proporcionou a todos nós a capacidade de expor coisas importantes, desimportantes e até mesmo interessantes para nós mesmos, ela também deu voz a todos que já desprezavam os direitos humanos e tinham intenção de aumentar o seu alcance.

Me arrisco a sugerir que isso não é novo, essa remodelação mundial existe desde o fim da Segunda Guerra, quando, mesmo que tímidos, os neonazistas iniciaram um processo de reagrupamento, buscando novas formas de se organizar. Não só eles, como diversos outros grupos derivados de supremacia, de extremismo político ou de pura e simplesmente violência de minorias fantasiada de grupos de bate-papo, viram no crescimento da internet o local apropriado para suas reuniões.

Os casos de grupos aliciando menores para crimes de violência no Discord não são desse ano ou do ano passado, de acordo com a reportagem do SBT “Discord: conheça o aplicativo usado para crimes contra adolescentes” de outubro de 2023, que já avisava sobre os perigos da rede que permite canais de extrema violência digital em setores privados da rede.

No documentário “Rede antissocial: dos memes ao caos´´, podemos ver um dos desdobramentos negativos da internet ainda no seu começo. Vemos como ela proporcionou um projeto de descentralização quando abrigou a rede dos Anonymous, um grupo que de início tinha aspectos positivos ligados a movimentos ativistas por direitos humanos, mas acabou se dividindo em duas vertentes, e mais tarde uma das vertentes iria propagar discursos de ódio. O que reforça a ideia de que a internet, depois de catalisada, traz tanto movimentos positivos para o debate público quanto a manifestação de discursos de ódio.

Nesse sentido, é urgente o entendimento do papel das redes na contemporaneidade. Além dos discursos de ódio e até mesmo da desinformação, ela trouxe a facilidade na comunicação, aproximou relações comerciais, facilitou o trabalho remoto e proporcionou um aumento da produtividade nas empresas, mas a que custo?

A geração das doenças mentais: depressão, ansiedade e TDAH. Uma geração imersa no digital, a primeira que passou por todas as fases da vida em contato com a tecnologia e principalmente a internet. A piora desse processo de imersão veio na pandemia com diversas vertentes preocupantes: a educação precária em todas as classes, o isolamento social extremo e ainda a crise na saúde mais diretamente.

A geração com os corpos mais esculturais, da vida fitness e das rotinas perfeitas, mas a que faz menos sexo de todas. Pesquisas apontam que a geração dos apps de relacionamento e da quebra de tabus sexuais faz menos sexo que a anterior. No Portal Drauzio Varella, na reportagem ‘Os Gen Z transam menos que as gerações anteriores?’ encontramos um dado interessante que aponta que a geração Z tem quase a metade de parceiros que a geração anterior. Outras pesquisas ainda são feitas para apontar os motivos diretos, mas algumas das hipóteses refletem sobre alta exposição ao digital, que também alimenta uma cultura presa aos quartos individuais sem contato real e, por fim, o consumo facilitado de pornografia.

A geração que não consegue ler mais que as legendas de um post. No Brasil, quase metade dos brasileiros já não lê, o que vem influenciando uma desvalorização da literatura e da educação convencional básica, sem falar do movimento ´´coaching´´, que vou falar mais aprofundado em seguida.

Vendedores de Cursos mirins

É disso que vamos falar agora, os vendedores de cursos mirins, que estão tomando conta da internet ostentando celulares, dinheiro fácil e liberdade. No entanto, com um discurso um tanto quanto meritocrático e contra o sistema de ensino convencional.

“É um caso gravíssimo porque as crianças que divulgam e as que assistem a isso são as verdadeiras vítimas.” E o mais preocupante é como isso vem influenciando outras crianças a desvalorizar os estudos”, diz Denise Auad, da comissão dos direitos da criança e do adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB SP), para reportagem ´´ Menores desdenham da educação e dizem ganhar mais do que médico vendendo curso para ser influencer´´ atualizada do G1 em 23/11/2024.

Crianças estão sendo motivadas a trabalhar na internet com promessas de dinheiro rápido e fácil, da mesma maneira que vendem cursos que prometem um alto lucro com pouco tempo e investimento baixo, o que, na maioria dos casos, não se concretiza. Esses e mais dezenas de casos são vistos diariamente nas redes sociais, uma busca incessante por melhoras rápidas de vida sem nenhuma preocupação com a educação, muito menos saúde, dessas crianças que muitas vezes recebem até mesmo garrafas de champanhe, de acordo com a reportagem do G1 já citada no primeiro parágrafo.

O que todos esses casos têm em comum? A falta de regulamentação das redes e fiscalização do Estado, além da falta de preocupação em promover um ensino completo, em que situações como essa não sejam vistas como normais. Crianças não devem ser motivadas a largar os estudos com promessas enganosas.

Apelo direto aos leitores

Os aspectos positivos e negativos são dos mais diversos, mas acredito que acima da constatação desses aspectos é necessária uma preocupação maior entre os jovens em busca de se informar, conscientizar e principalmente de se manter crítico perante a internet. Estamos perdendo o nosso maior poder enquanto cidadãos, o direito de pensar por si só.

Além das questões que tocam o ceticismo essencial, esse descontrole exponencial perante as redes em geral pode causar problemas ainda nunca experienciados por nenhuma outra geração, comparando as revoluções industriais e a globalização, essa revolução é mais contínua, podemos dizer a grosso modo. E estamos nos permitindo ser carregados por uma cultura de ódio, separação e polarização.

E acredito que exista um grande motivo para sua sensação constante de fim do mundo. Sabe aquela sensação de que somos os últimos humanos a viver nessa terra, de que o apocalipse está encaminhado? Então, a internet e a sua cultura do “live” podem ser a grande resposta para isso…Tudo se tornou ao vivo, tudo vive no agora, nesse minuto, nesse segundo, quando não é premeditado, ao mesmo tempo que acontece, você fica sabendo. Dentro desse contexto, a comunicação deu um pulo das cartas, telégrafos e telefones fixos para a plataformização de tudo e todos, tudo na distância de um toque na sua tela fabricada pelas mãos de um trabalhador mal pago na China.

O Tarifaço, as publicidades intermináveis, os streams de cada cor, forma, jeito e conteúdo, o medo de não ser produtivo o suficiente e de não ter um emprego que pague as contas. Todas essas questões residem na velocidade com que a internet movimentou e revolucionou o nosso cotidiano. Por isso, a internet é um grande catalisador.

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