Análise do filme “O EXORCISTA” (1973)

 Por Fernanda T. Bordignon 

O filme O Exorcista (1973), dirigido por William Friedkin, é uma das obras mais marcantes do cinema de horror, que vai muito além de apenas um filme de possessão demoníaca e exorcismo.  Sendo um dos mais importantes do gênero, ele não só impressiona por suas cenas perturbadoras e ambientação sombria, mas também pode ser como sendo uma metáfora para temas muito mais profundos e relevantes da atualidade. 

A história gira em torno de Regan, uma jovem que, após tentar se comunicar com um suposto espírito através de um tabuleiro Ouija, é possuída por uma entidade demoníaca. A partir desse momento, uma série de eventos perturbadores começam a ocorrer, enquanto Regan passa a exibir comportamentos cada vez mais autodestrutivos e uma mudança drástica em sua personalidade. Sua mãe, Chris, desesperada, busca ajuda médica para entender e salvar sua filha, mas os médicos afirmam que não há nada de errado com ela. Sem alternativas, Chris decide buscar ajuda de um padre para realizar um exorcismo, na esperança de que esse último recurso possa trazer sua filha de volta ao normal.,

A ambientação, o trabalho de maquiagem e as atuações são marcantes, com destaque para Linda Blair, que, aos 12 anos, deu vida a uma das personagens mais icônicas e assustadoras do cinema de horror. A trilha sonora é outro ponto forte: suas músicas inesquecíveis intensificam a tensão e permanecem até hoje como algumas das mais impactantes do gênero.

Entretanto, o aspecto mais interessante de O Exorcista vai além da possessão demoníaca. O filme pode ser visto como uma alegoria para as transformações femininas, especialmente as da puberdade. Regan, uma menina de 12 anos, de repente exibe comportamentos violentos, impulsivos e autodestrutivos, acompanhados de uma sexualidade emergente e linguagem obscena. Mais do que uma manifestação maligna, esses traços simbolizam a intensidade das mudanças hormonais e psicológicas características dessa fase. Enquanto a puberdade dos meninos é frequentemente menos turbulenta, as meninas enfrentam transformações físicas e emocionais intensas, como a menstruação e o desenvolvimento sexual, que podem ser dolorosas e confusas.

O comportamento extremo de Regan é interpretado pela sociedade como algo tão fora do comum que médicos e aqueles ao seu redor recorrem à ideia de possessão, refletindo o medo histórico das transformações femininas e das expressões de autonomia das mulheres. Essas mudanças, antes rotuladas como “loucura” ou histeria, foram estigmatizadas a ponto de serem associadas ao sobrenatural, como se a mulher estivesse “possuída” e fora de si. Em O Exorcista, mesmo que de forma não intencional, essas questões aparecem como uma crítica à demonização das experiências naturais femininas, revelando o desconforto social com o tema.

Filmes como Possessão (1981), de Andrzej Żuławski, e Garota Infernal (2009), de Karyn Kusama, também abordam igualmente a sexualidade e os desejos femininos de forma visceral, usando a possessão demoníaca como uma metáfora para as mudanças psicológicas e comportamentais das mulheres. Em ambos os filmes, assim como em O Exorcista, a liberdade sexual e a mudança de comportamento das personagens são tratadas como algo quase monstruoso, reforçando a ideia de que a liberdade feminina, especialmente a sexual, é algo a ser controlado ou até temido.

Essa abordagem em O Exorcista e em outros filmes similares sugere como o cinema de horror pode servir de espelho para questões sociais e psicológicas profundas, abordando o medo da sociedade em relação à autonomia e às transformações das mulheres, especialmente na juventude. O filme desafia o espectador a enxergar a possessão não apenas como um fenômeno sobrenatural, mas também como uma metáfora para o desconforto e a repressão associados à emancipação feminina.

Assim, O Exorcista não é apenas uma obra aterrorizante por suas cenas icônicas e sombrias, mas também um retrato das complexas transições da adolescência feminina, revelando o horror que a sociedade projeta sobre as mudanças e os desejos das mulheres.

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