A crônica “As Enchentes” de Lima Barreto e os problemas centenários da chuva no Rio de Janeiro

POR: JOÃO VICTOR PLÁ

Desde o começo de 2024, cerca de 20 pessoas foram mortas em decorrência das chuvas no estado do Rio de Janeiro e mais de 100 mil moradores foram atingidos de alguma forma. No entanto, essas tragédias não assolaram o Rio exclusivamente este ano. Ao longo de toda história do estado fluminense, desastres, como o deste ano, são registrados continuamente. 

Em 1915, o escritor, cronista, romancista e carioca Afonso Henriques de Lima Barreto, mais conhecido como Lima Barreto, escreveu em “Vida Urbana” a crônica “As Enchentes”, que retrata bem o que acontece todos os anos no Rio. Na curta crônica, o escritor é claro e objetivo. Ele expõe, logo de início, problemas que acontecem até os dias atuais.

“As chuvaradas de verão, quase todos os anos, causam no nosso Rio de Janeiro, inundações desastrosas. Além da suspensão do tráfego, (…) essas inundações causam desastres pessoais lamentáveis, muitas perdas de haveres e destruição de imóveis.” 

No decurso da narrativa, ele evidencia o descaso de políticas públicas para a construção de uma solução aos problemas provenientes das chuvas. “De há muito que a nossa engenharia municipal se devia ter compenetrado do dever de evitar tais acidentes” contesta o autor. É de nosso saber que, por sua geografia, o estado do Rio está suscetível à chuvas todos os anos. Em 1575 o padre José Anchieta já relatava: “Choveu tanto que se encheu e rebentaram as fontes.” Me vem à mente, portanto, a seguinte questão: se as tempestades são registradas há quase 500 anos, por que até hoje não existe uma solução para evitar tais tragédias? O descaso das políticas públicas se fez presente em 1915 e se faz presente em 2024.

No final da crônica, Barreto faz uma crítica ao prefeito Pereira Passos, que promoveu uma grande reforma urbanística na cidade e deixou os problemas crônicos do Rio, como as enchentes, de lado. “O prefeito Passos, que tanto se interessou pelo embelezamento da cidade, descurou completamente de solucionar esse defeito (as enchentes) do nosso Rio.” Nesse viés, pode – se  observar, inclusive, a existência de um racismo ambiental já presente naquela época, tendo em vista que, as tragédias decorrentes das chuva aconteciam majoritariamente nas periferias e não nas áreas mais ricas da cidade. Configura-se racismo ambiental toda discriminação que povos periféricos sofrem por meio da degradação ambiental. Alagamentos, deslizamentos e desabamentos são frequentes nas periferias, tragédias que podem ser evitadas caso haja um planejamento, o que não acontece. Lima Barreto, em suas crônicas e artigos, sempre teve um senso crítico aguçado e dessa maneira, ele expõe, de forma simples, as injustiças e as dificuldades que o povo suburbano enfrenta diariamente.

Os moradores da periferia sempre dependeram da ajuda de vizinhos, familiares e amigos para sobreviver e se reerguer após enchentes e outros desastres, uma vez que, o Estado não soluciona os problemas e não faz questão de solucionar. Marcos Vinicius, morador da Baixada Fluminense, salvou a vida de duas crianças e da mãe delas durante a tempestade do dia 22 de fevereiro. Ele relata: “a gente aprende a conviver com essa realidade, mas não se acostuma.” Esse relato não é só dele, mas da maioria dos moradores da Baixada e das periferias do Brasil. E como o autor da obra centenária – mas atual – diz na última frase da crônica: “Infelizmente, porém, nos preocupamos muito com os aspectos externos, com as fachadas, e não com o que há de essencial nos problemas da nossa vida urbana, econômica, financeira e social.”

A obra de Lima Barreto é extremamente atual e é digna de estudos, pesquisas e reflexões. O autor vivenciou e criticou os problemas existentes há anos no subúrbio. Sua vida e suas obras são fundamentais para a história do país.

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