Por Gustavo Fernandes.
Nos anos 1980, o cinema de Taiwan viu a ascensão de uma nova modalidade cinematográfica que logo passaria a ter considerável repercussão internacional. Na contramão dos filmes produzidos na ilha ao longo das décadas anteriores, que geralmente eram filmes de ação, a nova onda do cinema taiwanês foi marcada pela ascensão do realismo e da contemplação do cotidiano, viabilizando também a experimentação dentro da maleabilidade dos dramas mais comedidos que passariam a ser realizados ali.
O marco inicial do movimento de revitalização identitária do cinema taiwanês é considerado, por muitos, como sendo o filme In Our Time (1982), obra coletiva realizada por Edward Yang, Yi Chang, Ko I-Chen e Tao Te-Chen – alguns dos nomes, inclusive, passariam a ter grande relevância para a continuidade da nouvelle vague taiwanesa. O filme propõe, de modo geral, reflexões sobre o amadurecimento inevitável frente a passagem do tempo.
Em História de Taipei (1986), Edward Yang narra delicadamente os anseios de uma mulher de Taipei sobre seu futuro e sobre as possibilidades advindas dele. Dissecando as relações pessoais da personagem e suas expectativas para si, o diretor realiza pacientemente a exposição emocional de seus personagens em meio às mais diversas possibilidades de vida dentro e fora da capital da ilha, lugar repleto de frieza e indiferença. Passado e futuro se relacionam com estranhamento no longa-metragem, viabilizando, acima de tudo, o surgimento inevitável da desolação característica do mundo globalizado.
A solidão e a incomunicabilidade dialogam com os processos de autodescoberta em Vive L’Amour (1994), longa-metragem do cineasta malaio Tsai Ming-Liang realizado em Taiwan – assim como boa parte de sua obra. O filme narra o cotidiano de três pessoas distintas que compartilham casualmente um apartamento em Taipei. A obra expõe as fragilidades de seus personagens de forma delicada e vagarosa, imergindo pacientemente o público nos complexos universos interiores de cada integrante do elenco. Marco da segunda fase da nouvelle vague taiwanesa, o filme faz uso consideravelmente enxuto dos instrumentos de linguagem cinematográfica: são poucos diálogos e longos planos observacionais. Tais traços viriam a ser marca registrada da extensa obra de Tsai Ming-Liang, assim como a ênfase na complexidade emocional de seus personagens.
Em Millenium Mambo (2001), Hou Hsiao-Hsien reflete sobre a chegada do novo milênio e sobre as inseguranças diante do futuro vindouro. Não apenas sobre o futuro em si, mas principalmente sobre a finitude do presente e sobre a brevidade dos momentos. Trata-se de uma obra sobre o que foi, mas que também sempre será. Ao término, o filme assume a forma de vívida lembrança, assim como sua própria configuração natural para a protagonista – responsável por narrar o filme dez anos após os acontecimentos retratados.
Em Adeus, Dragon Inn (2004), Tsai Ming-Liang retoma a reflexão sobre a relação dos seres humanos com os espaços que habitam momentaneamente. Agora, no entanto, o cenário dissecado pelo cineasta é um antigo cinema de Taipei. Cinema que é abrigo de muita coisa: de pessoas que buscam escapismo, de pessoas que não sabem o que buscam e de pessoas que não buscam nada em específico. Trata-se de uma poderosa reflexão sobre a transitoriedade do ser humano e das marcas deixadas por ele no mundo: nas pessoas e nos espaços.
Abordagens cinematográficas distintas permeiam a nouvelle vague taiwanesa, extenso movimento artístico que conferiu identidade e frescor às produções da ilha. Acima de tudo, um traço característico compartilhado pelas diferentes produções é a contemplação: de si, do outro ou mesmo dos mais diversos espaços que compõem a ilha. É possível dizer que, em contexto geral, o movimento reforçou a perspectiva cinematográfica reflexiva taiwanesa. Por meio da introspecção, as diversas obras dialogam, principalmente, sobre os anseios frente a inevitável passagem do tempo.
Gustavo Fernandes é monitor do CCM e graduando em Cinema e Audiovisual pela PUC Minas.