Pecadores (2025) — Blues, vampiros e um espetáculo para não esquecer

Por Bernardo Carvalho Marujo

Quando se ouve sobre um filme novo do Ryan Coogler, ambientado nos anos 30 americanos e tematizado ao redor de vampiros, é normal levantar uma sobrancelha. Só pela premissa, Pecadores já se distancia bastante dos outros trabalhos do diretor, que geralmente têm foco maior na ação e no drama — características que o trailer enfatiza bastante, dando a impressão de um produto completamente diferente do que vi no cinema: um espetáculo de música, cinematografia e atuações impecáveis.

É raro encontrar um primeiro ato tão perfeitamente construído quanto o de Pecadores. Conhecemos os personagens, suas principais características, conflitos e relações de forma natural e em um ritmo ideal. Smoke (um dos dois personagens vividos por Michael B. Jordan) por exemplo, pouco após ser formalmente introduzido a audiência, atira em dois homens que tentam roubá-lo — inclusive um jovem — e, depois, garante com o próprio dinheiro o tratamento médico das vítimas.

Instantaneamente aprendemos muito sobre o personagem: seus dois lados, a impiedade e o cuidado com seu povo. Vários desses pequenos momentos povoam o início do filme, nos imergindo tanto nesse mundo que, às vezes, esquecemos que isso é, de fato, um filme de vampiro.

Tirando uma pequena cena que introduz os vilões e um breve prólogo, a primeira metade do filme não se compromete com o terror ou o sobrenatural, remetendo bastante a Um Drink no Inferno (1996) em sua estrutura. Mas o que torna a transição tão efetiva — e muito menos abrupta do que talvez soe — é uma cena que marca não só a estrutura de Pecadores, como a experiência cinematográfica como um todo.

Quando Sammie (Miles Caton) puxa o violão durante a festa, temos uma cena tão cinematograficamente impressionante, tão musicalmente fantástica e hipnotizante, que todo o cinema ficou em silêncio absoluto — como se todos estivessem apreciando, em reverência, a arte. E bastou olhar para o lado, bastou observar os outros espectadores, para perceber que todos ali estavam na mesma página, compartilhando dessa experiência fantástica. A abertura para o passado, simbolizada por instrumentos africanos e danças ritualísticas, misturada à abertura para o futuro, representada pelas guitarras e o rock dos anos 60/70, serve também como porta de entrada para os elementos fantásticos e sobrenaturais numa história que até então parecia realista.

Admito que levei um tempo para entender o porquê dos vampiros. Seria fácil substituí-los por espíritos malignos ou até zumbis. Mas acredito que a razão pela qual eles funcionam tão bem nesta história vem de uma pequena regra ao redor dos sugadores de sangue: eles precisam ser convidados para entrar. Essa ideia complementa perfeitamente os temas — lugares culturais corrompidos e invadidos, vítimas da opressão presas em um ciclo de hedonismo e trauma, literalmente incapazes de se reconectar com suas raízes e ancestralidade.

Isso é parte do que diferencia o filme de Ryan Coogler do crescente gênero de terror afro-americano. O vampiro que causa todo esse sofrimento não é um homem caucasiano que quer destruir aquele espaço negro — ele não é um opressor. Ele também é uma vítima. Um homem irlandês que, assim como os protagonistas, foi removido de sua casa e de seu espaço pelos mesmos homens que agora ameaçam aquela festa e aquele povo. Ele se torna, assim, um espelho perfeito para os protagonistas.

Como o próprio diretor comentou em uma entrevista à IndieWire, quando perguntado sobre a etnicidade dos vampiros: “Eu acho que não é conhecida a quantidade de crossover entre a cultura afro-americana e a cultura irlandesa…” A música de Ludwig Göransson também transmite essa intencionalidade cultural — com blues e leve jazz no início do filme, nos colocando perfeitamente na época; com cenas musicais grandiosas que soam épicas e colossais; com a transição para temas mais tensos e pesados, marcados pelas guitarras na segunda metade; e com os temas de folk irlandês dos vampiros, que não só constroem a atmosfera, como geram um senso de progressão constante no filme — até a cena final, onde ele retorna ao blues do primeiro ato.

O clímax é meu único real ponto de contenção. Apesar de funcionar para a história e ser muito bem filmado e atuado, é o único momento em que sinto que Pecadores recorre às convenções do gênero sem conseguir subvertê-las. A batalha final, embora competente (e que funcionaria melhor em um filme inferior), não acompanha a qualidade extrema do resto da experiência.

Pecadores é o raro tipo de filme que precisa ser assistido no cinema. Reproduzir esse espetáculo em um serviço de streaming seria um desserviço ao que é, até agora, a obra-prima de Ryan Coogler — e, facilmente, o melhor filme do ano.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *