Colab
Aachen, Germany September 2019: Uber driver holding his smartphone in car. Uber is an American company offering different online transportation services

Pesquisa aborda o fenômeno da uberização e a plataformização do trabalho

Condições trabalhistas da Uber e efeitos na vida dos motoristas preocupam pesquisadores

A Uber é uma empresa de origem estadunidense que possui cerca de um milhão de entregadores “parceiros” só no Brasil. Com ela, surgiu a “uberização”. Acerca disso, Ana Gonçalves Guerra (27), mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), desenvolveu a pesquisa “Plataformização e trabalho algorítmico: contribuições dos Estudos de Plataforma para o fenômeno da uberização”.

Selfie em preto e branco da autora Ana Guerra
Acervo Pessoal, Ana Guerra

“Dirija com a Uber. Seja seu próprio chefe”, diz o anúncio da empresa numa pesquisa rápida ao Google. Segundo a autora, esta narrativa da autonomia e autogestão é responsável por gerar grandes retóricas. Uma delas se baseia na individualização da responsabilidade, em que o motorista, ao ser visto como “empreendedor-de-si”, se encontra em um limbo entre o empreendedorismo e a falta de regulação estatal sobre os direitos trabalhistas.

Em entrevista ao Colab, a comunicadora explica a relação dos motoristas com o preço dinâmico – um aumento temporário na tarifa, calculado pelo algoritmo da Uber: “A partir dessa alteração de valor da corrida, o preço dinâmico altera a experiência dos motoristas, que o incorporam de forma a montarem estratégias para ganhar mais, se organizando em grupos de Whatsapp e Facebook ou subindo vídeos no YouTube.

Mas nunca se tem uma garantia de que quem vai atrás do preço dinâmico, vai conseguir alcançá-lo. É sempre muito incerto, o que normaliza a precariedade.

Ana Gonçalves Guerra

Relação empregado-empregador

Na pandemia, a precariedade foi ainda mais normalizada, explica Ana Guerra. Ela fala da demora da Uber para disponibilizar um auxílio financeiro restrito a raros funcionários, por exemplo: 

Quando decidem mudar a remuneração dos motoristas – diminuir a tarifa, mudar como o preço é calculado – não se tem um momento em que isso é anunciado aos trabalhadores, para que eles avaliem o contrato coletivamente. Isso muda só com uma atualização, e já vai para todos os apps. Muitas vezes, a mudança de cálculo não é avisada. Há motoristas que acabam percebendo, mas não são avisados. Quando são mudanças mais definidoras, a Uber muda os termos de serviço, e os motoristas recebem uma notificação. Para continuar trabalhando, é mandatório que aceitem as novas regras.

Perguntada a respeito das motivações que a  levaram a realizar a pesquisa, Ana Guerra afirma que a questão de dados e de vigilância a intrigava na plataforma. O questionamento “o que a Uber sabe sobre nós” foi o pontapé inicial para seus estudos, mas acabou ficando em segundo plano à medida em que a pesquisa foi desenvolvida.

Ainda assim, ela relata que existem alguns tipos de vigilância: a dos próprios passageiros sobre os motoristas, a Uber com os motoristas em geral e a Uber com motoristas em particular. A primeira diz respeito à taxa de aceitação, cancelamentos e avaliações dos clientes no aplicativo. A segunda, em grande parte, à manutenção do preço dinâmico, avaliando locais de enfoque e de crescimento de demanda. A última, no entanto, pode gerar uma sensação de desconforto ainda maior ao funcionário: 

A Uber, hoje, tem, abertamente, um sistema de gravação de áudio da viagem; acredito que o motorista tenha que concordar com esse termo. Mas muitos acreditam que a Uber fica o tempo todo gravando e escutando o que eles estão falando. E só o fato de motoristas acreditarem já pode afetar o modo que eles se comportam. Às vezes, são coisas que a Uber nem faz, mas eles imaginam que ela faça, em termos de vigilância, o que já afeta o comportamento deles.

Trabalhar é necessidade

Motorista sentado no carro com uma mão na testa e expressão indicando cansaço.
Licenciado por Adobe Stock, Por Prostock-studio

Diante das condições trabalhistas da plataforma, coloca-se o questionamento “por que  se submeter a isso?” Ana Guerra explica que por um simples fato: luta por sobrevivência. Mesmo que dentro da Uber não existam ferramentas para decolar na carreira – somente para, no máximo, mudar para a categoria Uber Pro, com vantagens em relação a outra classificação – os funcionários do aplicativo se esforçam ao máximo para que possam colocar a comida na mesa em meio às crises do país. 

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Laura Peixoto

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