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Cresce número de mulheres eleitas, mas país segue longe do equilíbrio de gênero

Todas as capitais brasileiras tiveram mulheres eleitas nas câmaras municipais. BH registrou recorde de mulheres a ocupar cadeira na câmara.

As eleições municipais de 2020 tiveram um número recorde de candidaturas femininas, mas os números não se desdobram em um aumento significativo de mais mulheres eleitas. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dentre os 545 mil registros de candidaturas, 180.799 eram mulheres. Apesar do recorde, as mulheres representaram apenas 34% do total de candidatos. A proporção das que, de fato, se elegeram, apesar de maior do que em 2016, é de apenas 12,2% entre prefeitos eleitos em primeiro turno e 16% entre vereadores.

Todas as capitais brasileiras elegeram mulheres para as câmaras municipais. Belo Horizonte registrou um recorde de mulheres a ocupar cadeira na câmara. Serão 11 dentre os 41 vereadores. O número representa quase 27% do total, e é quase triplo do resultado de 2016, quando apenas quatro mulheres foram eleitas.

Entre as vereadoras que tomarão posse em 2021 estão a atual presidente da Câmara Nely Aquino (PODEMOS) e a candidata mais votada da história da cidade, a professora trans Duda Salabert (PSOL). Em todo território mineiro, 7% das prefeituras serão ocupadas por mulheres e 78% das cidades do estado terão representantes femininas na Câmara.

Cota para candidaturas femininas

O crescimento, ainda que discreto, de candidaturas e eleições femininas é reflexo da resolução do TSE, aprovada em dezembro de 2019, que estabelece 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) dos partidos para as candidatas.

Mulheres tiveram, além de cota mínima de representação nos partidos, dinheiro para investir nas  campanhas. A jornalista especializada em coberturas de pautas femininas Giulliana Bianconi explica que ter mais investimentos nas candidaturas femininas dá mais força à busca por representatividade em cargos políticos.

Giulliana conta que, em pesquisa para o Gênero e Número, veículo em que trabalha, constatou que nas eleições municipais anteriores (em 2016) 10% das mulheres eram candidatas laranjas, ou seja, apenas emprestavam o nome ao partido. Ela diz que, apenas com cota de número mínimo de mulheres, os partidos criavam formas para burlar o sistema e enfraquecer os movimentos femininos.

“As candidatas laranjas são um caminho criminoso para burlar políticas afirmativas de representatividade feminina na política. Ao fazer isso, os partidos não apenas assumem que não estão fazendo o suficiente para alcançar o mínimo de 30% de candidaturas femininas exigidas por lei, como também tornam mais difícil a campanha de mulheres que de fato são candidatas”, alerta Giulliana.

Mas conseguir espaço e dinheiro é apenas o primeiro passo. Giulliana explica que é preciso ficarmos atentos a quais espaços essas mulheres ocupam nos partidos e como é direcionada a verba para as campanhas delas. A jornalista afirma se fundamental lutar para que os partidos que não cumpram com as leis de cotas sejam punidos, o que ainda não acontece.

Desafios de mulheres eleitas na política 

Mesmo com o aumento da representação , as mulheres ainda não conseguem um número mais igualitário de ocupação dos cargos políticos, mesmo sendo a maioria da população do país, de acordo como o IBGE.

“Discutir a presença de mais mulheres na política é, em primeiro lugar, defender que não pode ser naturalizado um Congresso com apenas 15% de mulheres, como temos hoje, além de proporções tão diferentes também nas assembleias estaduais e câmaras de vereadores. O que nos levou a esses números certamente foi uma história e uma democracia excludentes, onde o lugar da política não era permitido às mulheres”.

Giulliana Bianconi

Tanto na vida privada quanto na pública, há mais barreiras para mulheres na construção da carreira. Desde as imposições sociais delegadas como “funções de mulheres” até violência política grave como agressões físicas e psicológicas, ameaças e mortes.

Giulliana conta a história de uma mulher pernambucana com longa trajetória política que entrevistou certa vez. Quando questionada sobre a possibilidade de assumir um cargo em Brasília, a mulher disse que não poderia se distanciar dos filhos, pois não haveria quem cuidasse deles, mesmo ela sendo casada e tendo uma família grande.

“A reflexão que proponho com este caso é: já ouvimos essa justificativa em alguma entrevista realizada com homens? Não. Simplesmente não. As mulheres podem escolher não ficar distantes dos filhos? Com certeza. A questão é: isso é mesmo uma escolha? Estamos falando em condição de igualdade de gênero? Sabemos que não”, argumenta Giulliana.

A Karolina Roeder, faz a mesma avaliação ao refletir sobre como as imposições sociais de trabalho em casa afetam a vida política das mulheres. “A não divisão de tarefas nos afazeres domésticos, entre homens e mulheres, implica em uma maior carga de trabalho às mulheres, o que acaba prejudicando o seu desempenho enquanto políticas, seja com a diminuição do tempo disponível para o lazer ou trabalho”, reforça.

Impacto da violência política

Para além da falta de apoio em casa, a violência política é outro fator que inviabiliza muitas carreiras femininas. Em uma pesquisa realizada em 2016 pela União Parlamentar Internacional (IPU) com 39 países de cinco regiões do planeta, 81,8% das parlamentares entrevistadas disseram que já sofreram algum tipo de violência psicológica. Outras 44,4% disseram terem sido ameaçadas de morte, estupro, agressão ou sequestro; 25,5% alegaram já terem sofrido agressões fisicas no parlamento; 38,7% afirmaram que a violência política atrapalhou seus mandatos e liberdade de expressão e 46,7% dizem temer por sua segurança e de sua família.

Em sua experiência como jornalista, Giulliana conta que muitos foram os relatos de mulheres presentes no cenário político que sofreram com violência política ao exercerem seus cargos. “A violência política não é apenas contra as mulheres, mas ela tem características, linguagens específicas quando são direcionadas a essas mulheres. Portanto, ter mais mulheres em cargos políticos significa, em primeiro lugar, que estamos enfrentando um sistema político excludente, elitista e masculino”, pontua.

Karolina Roeder alerta ainda sobre o assédio que muitas mulheres sofrem no cenário político. “É comum haver assédio contra mulheres políticas e candidatas a cargos eletivos, muitas vezes com teor sexual e de inferiorização, sinalizando à mulher que o espaço que ela deve ocupar é o lar, a casa, e não o público”, comenta. Ela ressalta também as formas subjetivas de abuso que ocorrem contra mulheres, como serem criticadas pela forma de se vestir, de se portar, o modo de falar. Muitas vezes algumas são tidas como “histéricas” ou são masculinizadas.

Outro fator que tende a afetar mais as mulheres, principalmente em cargos políticos, é a “síndrome de impostora”. Karolina explica que muitas “não acreditam em seu próprio potencial” e acabam tendo a autoestima mais afetada que a dos homens  levando a serem mais exigentes com elas mesmas. Segundo ela, é necessário melhorar a recepção dessas mulheres para diminuir o impacto dessas questões emocionais. “Do ponto de vista cultural e social, é importante que elas sejam melhor recebidas em espaços de poder como partidos, parlamentos e no cotidiano da política, para que tenham melhores condições de trabalho”, diz Karolina.

A cientista política acredita que para haver melhorias significativas no sistema representativo brasileiro é preciso ter mudanças estruturais, que, segundo ela, são difíceis de serem promovidas por órgãos públicos e em curto prazo. Mas ela admite a importância das ações paliativas.

“Medidas de apoio à participação política de mulheres para além das eleições ajudaria a mudar a cultura e essas barreiras existentes. Além disso, existência de paridade de gênero em diretórios partidários também auxilia na participação de mulheres eleitas na vida partidária, o que poderia tornar as direções partidárias mais heterogêneas do ponto de vista do gênero”, conclui.

Representatividade de mulheres negras em cargos políticos

Outro número recorde das eleições 2020 foi o número de candidaturas negras, que pela primeira vez foi superior ao número de brancas. O TSE considera como negros candidatos que se autodeclaram como pardos e pretos, que juntos representaram 49,9% dos candidatos contra 48,1% que se autodeclararam brancos.

Para a pesquisadora de comunicação política Kelly Quirino, o aumento no número de candidaturas negras é reflexo da tomada de consciência racial por parte do povo negro e das politicas públicas voltadas para maior representatividade na politica brasileira.

Em medida aprovada em 25 de agosto deste ano, o TSE aprovou que a distribuição dos recursoss do Fundo Eleitoral e do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão deve ser proporcional ao total de candidatos negros que se candidatarem pelo partido. As medidas vão entrar em vigor a partir das eleições de 2022.

Para Kelly, isso é resultado da luta antirracista. “É uma conquista histórica do povo preto, que por meio da atuação do movimento negro denunciou e vem denunciando o racismo em várias esferas, inclusive no sistema representativo político”, ela afirma.

A pesquisadora ainda reforça a importância de haver pluralidade de negros na política. “Uma pessoa negra não dá conta de falar de uma população que é mais de 50% desse país”, diz ela. Para a pesquisadora, por sofrerem com opressão de gênero e raça, a importância da mulher negra vai além, pois elas estão na “base da pirâmide e, quando ascendem, ela não ascendem sozinhas” e na política elas podem denunciar e lutar para reverter os sistemas opressores em que vivem.

Muitos obstáculos se apresentam entre as mulheres negras e a carreira política. Kelly cita a luta pela sobrevivência como um dos primeiros dificultadores. “A mulher negra ainda está lutando para sobreviver e, quando você está lutando pela sobrevivência, não sobra tempo para fazer política”, afirma. Outro ponto é a dificuldade dentro das siglas. “Os partidos não veem a mulher negra como uma potência política. Continuam nos vendo em uma condição de subserviência. Sexualizam e subalternizam o corpo da mulher negra.”

Ela ainda fala sobre como a pressão pública afeta o psicológico dessas mulheres, fazendo com que duvidem de si mesmas e desenvolvam doenças como ansiedade e depressão. “Toda mulher é mais cobrada. Mas se você é mulher e negra, você tem que ser perfeita”, conclui Kelly.

Tainara Diulle

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