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Lagum (Foto: Divulgação)

Lagum amadurece e encontra sua própria voz em “As Cores, As Curvas e as Dores do Mundo” 

Em nova fase, banda mineira aposta na independência, mistura gêneros e traduz o presente com força lírica

Após flertar com o existencial em Depois do Fim (2023), a banda Lagum abre um novo capítulo, mais expansivo, vibrante e multifacetado, com As Cores, As Curvas e As Dores do Mundo. O quinto álbum do grupo mineiro aposta na multiplicidade sonora e lírica para traduzir a intensidade da vida urbana, dos afetos atravessados pelo tempo e da reconstrução de uma identidade artística livre de amarras. O título, já poético, condensa o espírito da obra: sensível, sem ser sentimental, grandiosa, sem perder o toque cotidiano. 

Gravado no estúdio próprio em Belo Horizonte e lançado de forma independente, o disco escancara o momento de virada da banda. A autonomia criativa resultou em um trabalho mais visceral e ousado, que preserva a comunicação direta com o público, marca central da trajetória do grupo. Ao apostar na espontaneidade e na experimentação, a Lagum expande seus próprios limites, cruzando com fluidez o rock, o reggae, a MPB e o pop eletrônico. A presença da cantora Céu na faixa Tô de Olho reforça essa proposta: tudo é intercâmbio, mistura, risco calculado — e acertado. 

A produção valoriza as guitarras encorpadas, a bateria pulsante e a atmosfera dos shows ao vivo, elemento destacado pelos próprios integrantes como ponto-chave do projeto. Ao longo das dez faixas, percebe-se uma busca constante por texturas: samples, sintetizadores e arranjos de cordas convivem com timbres orgânicos, criando um contraste que fortalece a narrativa do álbum. Em vez de se esquivar da dor ou da confusão, as músicas a atravessam — e nela descobrem beleza, ritmo, reinício. 

Na letra da derradeira A Última Nuvem do Céu, a banda atinge um dos pontos altos do disco. A canção, ao mesmo tempo, delicada e devastadora, carrega imagens que expandem o campo sensorial do ouvinte: o pássaro, o rio, a mulher, o frio de abril, a tempestade. Tudo se dissolve e se condensa na voz que afirma ser “a última nuvem do céu” — um símbolo de presença efêmera, mas inesquecível. Há algo de Milton Nascimento e Clube da Esquina nessa composição: a ideia de que Minas também se expressa por entre silêncios e sutilezas. 

Dez anos após a formação da banda, Lagum parece ter encontrado um ponto de equilíbrio raro: a liberdade de quem tem estrada e a inquietude de quem ainda tem muito a dizer. As Cores, As Curvas e As Dores do Mundo é, sobretudo, uma reafirmação artística — que olha para o caos sem perder o fôlego e transforma o ordinário em lirismo sem afetação.

A Cidade e Quem Desligou o Som? oferecem contrapontos mais frenéticos e urbanos. Já Vida de Novela e Vagarosa Manhã mergulham no groove com delicadeza e melancolia. Ao longo do álbum, fica evidente o cuidado com a ordem das faixas: cada uma cumpre uma função dentro do todo, reforçando a ideia de que se trata de um disco pensado como obra, e não apenas como coleção de singles. 

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Marina Saddi

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