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Jornalismo e precarização do trabalho: descubra o que é e como combater

Excesso de horas trabalhadas e ambiente inadequado são principais queixas de jornalistas 

De acordo com a pesquisa “Perfil do Jornalista Brasileiro 2021”, realizada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em parceria com a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), e divulgada em novembro de 2021, 42,2% dos jornalistas do país excedem a carga horária de cinco horas, prevista em lei.  

Outros indicadores do estudo revelam ainda que 24% dos trabalhadores não têm vínculos CLT com a empresa, prestando seus serviços como freelancers, por microempreendedor individual (MEI) ou pessoa jurídica, conhecida no meio do mercado de trabalho como “PJ”. Além disso, efeitos nocivos à saúde, como o estresse agudo e assédio moral também foram identificados pela pesquisa como consequências das precarizações de trabalho. 

Camilla (nome fictício), de 35 anos, é jornalista há 13 anos e vivenciou situações de precarização em uma redação de jornal que já trabalhou. Ela conta que sofreu condições físicas insustentáveis no ambiente de trabalho por dois anos, que iam desde uso de cadeira inadequada até a falta de papel higiênico no banheiro. “Situações assim demonstram o quanto a empresa, na verdade, não valoriza a situação do seu trabalhador da redação”, relata. 

O excesso de horas trabalhadas também foi um problema enfrentado por ela. Camilla chegou a trabalhar mais de 12 horas por dia, sendo que, por lei, é permitido apenas uma jornada de cinco horas por dia ao jornalista, podendo se estender até sete horas. Essas duas horas extras devem ser pagas, em dobro, e serem explícitas no contracheque.

Já aconteceu comigo, de estar envolvida em coberturas por uma semana inteira, (…) e, em determinado dia, dizer: ‘olha, hoje eu não vou para essa pauta porque faltam 10 minutos pra acabar o meu horário de trabalho’ e ser chamada de burocrata por exigir o meu horário de trabalho”.

Camilla (nome fictício)

A repórter ressalta que existem diferenças entre gerações de jornalistas. No século passado, por exemplo, os profissionais da comunicação repercutiam estereótipos de uma missão jornalística que deveria exceder o limite de sua carga horária para se cumprir o objetivo de levar a informação até o público. “É aquele repórter que vai ficar 12, 14, 15 horas dentro de uma redação e achando aquilo maravilhoso”.

Jornalistas sofrem com a precarização de trabalho

Para romper com esse pensamento, a geração atual de jornalistas, mais jovem, tende a valorizar mais seus os direitos trabalhistas, sem deixar de lado seu compromisso com a sociedade. “A gente ama muito o que faz, a gente quer fazer grandes coberturas e quer levar informação para as pessoas, mas a gente quer ter horário de trabalho, quer receber hora extra, quer ter folga no dia seguinte e quer ter intervalos entre as jornadas”. Rafael (nome fictício), 27, formou-se em jornalismo em 2019 e é prova de que os novos jornalistas também estão insatisfeitos com a precarização do mercado de trabalho. 

Desde o início de 2020, quando conseguiu seu primeiro cargo na área da comunicação, Rafael ainda não teve a experiência do que é trabalhar através da CLT. Nos quatro empregos como jornalista elos quais passou, o jovem relata que havia somente uma constante: a da precariedade.

Eu trabalhava demais, coisa de 12 horas por dia, e não ganhava por isso. Trabalhava no final de semana e não ganhava por isso. (…) Eu ganhava bem pouco e nem plano de saúde tinha, até vale-transporte eu tive que lutar muito para conseguir”. 

Rafael (nome fictício)

Essa realidade afetou até mesmo a saúde de Rafael: “ É algo muito maçante, que me afetava até psicologicamente, por tanta exaustão, porque eu acabava trabalhando todos os dias da semana por horas e horas a fio, sem descanso nenhum. Então isso pesa demais na nossa saúde mental e na nossa saúde física também”.

Apesar de se sentir frustrado com aquilo que encontrou ao entrar no mercado de trabalho, Rafael ainda confia no futuro da profissão e aconselha a próxima geração de jornalistas a se mobilizar mais e valorizar a importância que possuem na sociedade. “Se você tem um emprego que não está te pagando o que você acha que merece, converse com o pessoal da sua empresa, sabe? Exija o que é seu mesmo, não fique com medo, com vergonha”.

Diante desses relatos, torna-se cada vez mais indicada a sindicalização dos jornalistas para que essa categoria esteja sempre ciente dos seus direitos e deveres. 

6 dúvidas sobre a precarização do trabalho no meio jornalístico

Para entender melhor se você está vivenciando uma situação precária de trabalho, conversamos com o advogado trabalhista Cristiano Barbosa.

Quais atividades específicas o jornalista deve exercer para ter os direitos resguardados pela CLT?

O parágrafo 1º do artigo 302 da CLT apresenta uma indicação que as atividades se estendem desde a busca de informações até a redação de notícias e artigos e a organização, orientação e direção desse trabalho.

A apresentação de diploma de formação na categoria ainda é válida e exigida?

Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é inconstitucional a exigência do diploma de jornalismo e registro profissional no Ministério do Trabalho como condição para o exercício da profissão de jornalista.

Quais são os direitos do jornalista em relação à carga horária e piso salarial? E em caso de horas extras, quando e como o jornalista deve reivindicar pelo seu pagamento?

A duração normal do trabalho do jornalista não deverá exceder de 5 (cinco) horas, tanto de dia como à noite. A OJ-SDI1-407 prevê que “o jornalista que exerce funções típicas de sua profissão, independentemente do ramo de atividade do empregador, tem direito à jornada reduzida prevista no artigo 303 da CLT”. Poderá a duração normal do trabalho ser elevada a 7 horas, mediante acordo escrito. O piso salarial será aquele previsto em norma coletiva. Demais direitos equivalentes ao empregado Celetista. O jornalista deve reivindicar o pagamento pela anotação da jornada de trabalho e com base na jornada do seu acordo com o empregador. 

Quanto à equiparação salarial: pessoas de gêneros diferentes que exercem a mesma função e não são retratadas/remuneradas da mesma forma, devem buscar quais maneiras de exigir essa equiparação?

Devem buscar de forma judicial perante a Justiça do Trabalho a equiparação salarial com a indicação do Paradigma que tenha a mesma função, mesma perfeição técnica e trabalho de igual valor. entende-se por trabalho de igual valor aquele que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não seja superior a quatro anos e a diferença de tempo na função não seja superior a dois anos).

Como a reforma trabalhista impactou nessas relações entre jornalista e empresa?

A lei 13.467/2017, dita reforma trabalhista, permite que qualquer empresa terceirize a sua atividade-fim. Assim, as empresas de comunicação podem contratar outras empresas para alocar jornalistas terceirizados, ou passar suas publicações para terceiras. 

Outro ponto alterado com a reforma: o jornalista possui jornada especial. Com a reforma é possível o acordo individual (de forma tácita, para compensação em até 1 mês; de forma escrita, para compensação em até 6 meses) para compensação de eventual hora extra praticada. Dentre outras alterações que aplicam-se a todos os trabalhadores celetistas.

Quando o jornalista trabalha em uma instituição e não exerce o cargo de jornalista ele não é protegido pelo sindicato, porém existe alguma maneira desse profissional ser resguardado de alguma forma pelas inúmeras horas de trabalho muitas vezes não remunerado e salário não equivalentes ao mercado? 

Se o jornalista for contratado por uma instituição e não exercer o cargo de jornalista, ele terá os direitos de qualquer outro trabalhador com CTPS assinada, inclusive registro de jornada. A diferença é que não fará jus à jornada especial, direitos da norma coletiva do jornalista e não será considerado categoria diferenciada. 

Reportagem de Anna Carolina Barbosa, Luana Queiroz, Maria Beatriz Aquino e Marina Quintão para a disciplina Produção em Jornalismo Digital, no semestre 2022/1.

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