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FBC, homem branco, com barba grande, deitado na rede com o braço esquerdo atrás da cabeça e sorrindo.
FBC soma cinco álbuns em sua carreira / Foto: D'arc

FBC: Atmosfera de Delírios

Conhecido em todo o Brasil pela versatilidade musical, FBC conta sobre vida e carreira

No alto do morro da Cabana do Pai Tomás, na região oeste de Belo Horizonte, na varanda da “casa do Padrim”, Fabrício Soares Teixeira, o FBC, abriu as portas do seu planeta para contar sua história. Deitado na rede e olhando toda a capital de cima, filosofou sobre a beleza das nuvens no céu, a situação das pessoas do morro e sobre em qual dia do mês a luz do sol baterá exatamente entre os dois prédios mais altos vistos dali.

É nessa atmosfera que a voz dos bailes e das comunidades se encontrava e relaxava ao som de Potência, de Letuce. Sentado na varanda, de óculos escuros e um copo de vinho na mão, falava que, se estamos felizes, nosso corpo também está. Explicou que nosso pulmão, baço, vesícula, células e veias respondem ao que sentimos e isso reflete na nossa saúde, e, dessa forma, está tentando ser mais positivo e manter as boas energias para alcançar a imunidade alta.  

Enquanto montávamos os equipamentos, Fabrício sorria e brincava com sua filha mais nova, conversava conosco, com sua companheira e com alguns amigos presentes. Nos contou sobre os ipês da Avenida Amazonas, que intencionalmente foram plantados na cor rosa, desde o anel rodoviário à Praça Raul Soares. Pediu para que, ao chegar em setembro, olhássemos aquelas árvores e lembrássemos dele, pois todas estariam rosas, com algumas amarelas que estão ali por descuido e com algumas brancas, por mutação. Contou a seus amigos o desejo de parceria com a cantora Letrux, e elogiou os músicos que o acompanham em seus shows e gravações, abordando o seu sonho investir mais neles, além de conquistar maior reconhecimento para os artistas. 

Sobrevivente da politicagem

Nascido no dia 06 de junho de 1989, no bairro de São Benedito, em Santa Luzia, cidade metropolitana de Belo Horizonte, Fabrício Soares Teixeira iniciou na música quando estava na sétima série, em 2004, na Escola Estadual Raul Teixeira da Costa. Se juntou a alguns manos, no grupo “Erri a pe a frequência” – escrito assim, por extenso mesmo. Cantavam em quadrilhas, festivais de bairro, na Praça da Juventude e no poliesportivo da cidade. O artista, em um momento de monotonia, expressou a saudade desse tempo. “Época muita boa viu, velho! Nossa, era muito chique! Pô, que vontade de ser criança de novo, adolescente.”  

Estudando à noite no Raul, Fabrício já estava por dentro das lutas sociais, dos movimentos estudantis, conheceu e se filiou a um partido comunista. Relembrou essa “loucura adolescente” de querer mudar o mundo, promover a revolução comunista e a luta dos trabalhadores. Percebeu que a busca por justiça sendo pobre e de periferia, sendo “bucha de canhão”, é perigosa. Citou a música do Mano Brown, Jesus chorou, contando que viu pessoas que admirava levando tiro, lembrando de Marielle como exemplo.

Eu sou um sobrevivente, mano. Eu aprendi a enterrar meus mortos. 

FBC, músico

Resolveu que sua briga seria por outro caminho, por meio da arte. Quando contou que entrou para o RAP para mudar o mundo, reconheceu, humildemente, o tamanho do ser humano e disse que ninguém é capaz desse feito. Refletiu mais um pouco e concluiu que quem inventou a Penicilina, por exemplo, pode ter mudado, mas ele, está longe disso. Porém, acredita estar cumprindo seu papel, pelo menos dentro da comunidade, que os “moleques” e os trabalhadores precisam de um exemplo de vitória.

Em relação às crianças, não espera ser uma figura lúdica, mas uma pessoa em que se inspiram, que olhem para o FBC e pensem: “será que estamos fazendo alguma coisa de errado?”. Com sua música e dedicação, Fabrício consegue, indiretamente, mudar uma parte importante do mundo. “Mano, o RAP é a única coisa que pode mudar a realidade e o pensamento das pessoas daqui onde que eu moro. É a única coisa que fala o que tá acontecendo, tá ligado? O que é real, a verdade. Nem o funk, nem nada, é só o rap.” 

Começou quando alguém cercou um quadradinho e falou: ‘isso é meu, e não é seu, e eu vou defender isso com todas as forças que eu puder’. E a tecnologia veio para o desenvolvimento de armas, para defender a propriedade. Por isso eu acredito e defendo a arte, porque a arte é o contrário disso tudo. É acreditar que nada é de ninguém e tudo faz parte de todos.

FBC, músico

Trazendo sua arte como forma de protesto e posicionamento político, FBC já foi acometido várias vezes em shows, como no dia 17 de novembro de 2022, em um bairro nobre do Rio de Janeiro, onde foi atacado por bolsonaristas após criticar o ex-presidente, Jair Messias Bolsonaro (PL). Um tempo atrás, um vídeo seu discutindo com o deputado federal Nikolas Ferreira (PL) viralizou na internet. Ao ser questionado a respeito desse cancelamento por parte das pessoas que têm uma visão contrária a dele, Fabrício dissertou que, hoje em dia, se mede o sucesso mais pelos haters, do que pelos fãs. Rindo, Fabrício cita o livro “As 48 formas de poder”, de Robert Greene, que fala que se deve escolher os inimigos com mais sabedoria do que se escolhe os amigos.  

Quem que eu vou escolher? É o errado, mano. É homofóbico, é o racista, é o neoliberalzinho de merda, tá ligado? É o da bancada evangélica que é um reacionário. Às vezes é só um filho da puta mesmo, que quer levar votos… Quanto mais a pessoa luta pela moral, pela ética, mais eu acho que a pessoa tem segredos escabrosos.

FBC, músico

Cemitério de artistas

Fabrício se baseia nas coisas que vê, ouve e sente para compor suas obras. “É preciso mesmo viver a coisa para sentir ou descrever ela? Existem pessoas que têm essa sensibilidade e eu acredito que eu tenho.” É por meio da habilidade de se colocar na perspectiva do outro, que FBC compõe músicas sobre relacionamentos, cotidiano da comunidade, mundo informacional e assuntos que trazem reflexões para os ouvintes.

Passou pelos duelos de mc’s em Belo Horizonte, de 2007 até 2015, cresceu e venceu batalhas, aprendeu a cultura do hip hop, indo além do comum que tocava em rádios. Iniciou no grupo DV Tribo no ano que deixou as batalhas. O grupo era composto por ele, Djonga, Coyote Beatz, Clara Lima, Hot e Oreia. Contou que, nessa época, a cena do rap ainda era marginalizada. Foi um período difícil e ele não quer viver nunca mais em sua vida, não pelo grupo, mas pela situação de ter que bater em outras pessoas para receber e não ser respeitado. O grupo se encerrou em 2018, no mesmo ano que Fabrício lançou seu primeiro álbum solo. 

O artista, que soma mais de 1.500.000 ouvintes mensais na maior plataforma digital de música, dissertou a respeito das dificuldades e desafios para os músicos na capital mineira, nomeando a cidade como “cemitério de artistas”. Perguntamos se, por isso, sente vontade de desistir da arte. Fabrício justificou que tem o seu público, não necessariamente grande e que lota todos os locais do Brasil, como acontece com alguns artistas vindos de São Paulo e Rio, mas são leais nas redes e consomem seu produto. Só durante a entrevista, Fabrício falou que pensou em desistir umas duas vezes e ir plantar mexerica, já sabe a época que deveria cultivar e para quem venderia. Seria uma vida muito mais tranquila, segundo ele. Mas, indagado do que o motiva a continuar, o rapper disse que não seria tão bom plantando mexerica como fazendo rima. 

Quando jogava em um fliperama próximo de sua casa, ao registrar o nome para contar os recordes, só cabiam três letras: FBC. Essa sigla, que veio da infância, se perpetua até hoje como nome artístico de Fabrício. Além dessa marca, carrega o apelido de “Padrim”, que também é o nome de seu segundo álbum. Esse título surgiu por ter ensinado rima para todos esses “moleques”: Djonga, Clara Lima, Hot, Oreia. Em 2017, numa cena que não era generosa com o RAP, Fabrício se sentia realmente padrinho dessas pessoas. No começo, apenas algumas pessoas de seu convívio o chamavam assim, mas foi se espalhando e hoje até “batiza” os fãs em seus shows. Essa gíria também era usada, na época, também no mundo do crime e, com um sorriso bobo, Fabrício contou que é fã do “Poderoso Chefão” e que é legal se sentir um gangster. “Apenas se sentir”, explicou. 

Eu acho que sempre levei [a arte] como uma coisa que eu deveria fazer, tá ligado? (…) E eu tenho medo de quanto mais é confortável minha vida ‘está’, menos a minha arte vai ser boa. Acho que sempre vai diluindo, vai ficando muito mais pacífico, muito mais agradável. Acho que a arte deve ter também o papel de constranger e de levar a pessoa para um lugar aonde ela não se sinta agradável, onde ela não se sinta bem. Eu acho que ela tem que suprir uma necessidade, mas também tem que quebrar a expectativa.” 

FBC, músico

Todos lugares e bares e praças, viadutos e ruas

Os pais de Fabrício vieram de Santa Maria do Suaçuí, ou como ele diz, um dos vários meios do nada de Minas Gerais. Caçula de três filhos, quando tinha apenas nove anos, sua mãe, Maria de Fátima Soares, saiu de casa, deixando-os sob os cuidados da avó e do pai. Ainda assim, ele demonstra gratidão por tudo o que ela fez por ele e seus irmãos. O pai, José Teixeira, com a necessidade de sustentar sozinho a família, trabalhava 16 horas por dia. Isso contribuiu para que Fabrício fosse criado pelas ruas. Lembra da infância com carinho e disse que, mesmo com toda dificuldade, existiam pessoas em situações piores.

Nos anos 90, que ele descreve como “os anos do crack”, viveu em Santa Luzia, e conviveu com a violência o crescimento do uso de “entorpecentes pesados”, como a cocaína, e afirmou se lembrar de tudo isso, inclusive de quando entrou para a venda de drogas por necessidade financeira. “Geralmente, a pessoa que não tem família, não tem pai e mãe dentro de casa o tempo todo para cuidar, a gente vai vivendo na rua mesmo. E a rua, ela obriga a gente a ter dinheiro.”  

Quando completou 18 anos de idade decidiu que, depois de três anos vendendo droga, não queria mais essa vida problemática. Tentou uma vaga de emprego em uma construção a meio metro de onde morava, mas o seu envolvimento com o crime o impediu de ser contratado. Em meio a um sentimento metamórfico, algo o convenceu de que aquela vida não era para ele, devolvendo todas as drogas e armas que tinha. Pediu ajuda ao pai para sair da inércia que estava e a lembrança foi moldando seu semblante e, alegremente, Fabrício contou que o pai abriu a carteira e o deu vinte reais. Foi esse gesto que impulsionou o cantor a enfrentar as dificuldades de morar sozinho. Se mudou de Santa Luzia para o Barreiro, em Belo Horizonte, e começou a trabalhar com seu tio descarregando blocos.  

Conheceu a esposa, Michele, uns meses depois, em 2009, já com 19 anos, enquanto capinava a frente da casa em que alugava. Meio sem graça, Fabrício contou que ela, com apenas 16 anos, se encantou com a perspectiva sincera de futuro do jovem. Fabrício disse, com um sorriso: “Acho que foi por isso que ela gostou de mim, porque eu falei a verdade pra ela”. A princípio, a sua relação com o cunhado e a sogra não era tão boa, pois não levavam a sério o namoro dos adolescentes, chegando até a expulsar Michele de casa. Mas o jovem sempre imaginou um futuro ao lado dela, andando de mãos dadas. A partir daquele momento, se iniciou uma relação que completará 15 anos em 12 de janeiro de 2024 e gerou três filhos: Yasmin, Samuel e a caçula, Charlotte.

Sua esposa o acompanha em toda sua trajetória pessoal e na carreira, tendo recebido várias homenagens nas canções do artista, como na faixa Pra você e pra mim do álbum Best Duo. “A madrinha vem comigo, melissa no pé, piercing no umbigo, maldade no olhar, bad and boujee, migos, vestida pra matar, ela é um perigo, a preta mais linda do rolê.” 

Passou pouco tempo no Barreiro. Em 2010 foi para o Cabana e teve seu primeiro filho, Samuel. Em 2014, por não conseguir pagar mais o aluguel, foi para a ocupação Nelson Mandela e ficou até 2019, tempo que descreve como “horrível”. Após vender a casa na ocupação, comprou um terreno no Cabana e voltou para lá, onde mora até hoje. Fabrício brincou que não reforma o lado de fora de sua casa para evitar que as pessoas pensem que ele está rico e que ainda falta muito para estar.  

“Espero que meu filho seja pouco babaca, que não seja muito babaca. Uma pessoa que considera a justiça algo bom, sabe? E poder dizer assim: ‘ah eu tô certo, isso é o certo’. Nem que seja só por vaidade. Cara, se todo mundo tivesse a vaidade de ser certo, seria bom, se a vaidade das pessoas fosse direcionada para essas coisas, a ser honesto.” Perguntado sobre a relação com seus filhos, FBC disse que sua forma de educar é diferente das pessoas que nascem ricas e em bairros como Santo Agostinho, mas espera que os filhos vivam a infância deles e que age onde eles precisam, como, por exemplo, cuidar da saúde mental dos pequenos. Fabrício conta que cada um tem a sua vida, priorizando a individualidade e liberdade das crianças. 

FBC, homem branco de barba grande está com blusa preta e um colar grande de São Jorge prata. Está com a mão esquerda na cintura, olhando para o lado com óculos escuros. Ao fundo, a Cabana do Pai Tomás.
Todos os filhos de FBC nasceram e são criados na Cabana do Pai Tomás / Foto: D’arc

Cabana do Pai Tomás

Não está nos planos do músico se mudar de sua comunidade, pois é lá que se sente protegido, pelo poder paralelo, pelo “Brasil que não deu certo”. É lá que sua esposa pode descer o morro às três da madrugada sem medo de ser assaltada, estuprada ou surpreendida. Fabrício contou que todos os moradores se sentem seguros no morro e estão acostumados a viver nesse limite comum. O artista afirmou que o pobre vive assim há anos e acaba criando uma “consciência coletiva”. Em sua música, “Contradições”, ele reflete sobre essa condição de não se sentir protegido pelo Estado.  

De dez canas pilantras protegidos pela farda, a SS do Estado, máquina de matar favelado, preto, pobre. Você deve conhecer alguém que tá preso ou já é finado, vários que eram ou não do corre.

FBC – Trecho da música Contradições

Perguntamos a Fabrício se já esteve no fundo do poço. “Eu sempre estive no fundo do poço. O fundo do poço é o lugar mais bacana que existe… É um lugar de desconhecido e o desconhecido é maravilhoso. Para nós, seres humanos, colonizadores de tudo, inclusive de nós mesmos, né? Levando a outra pessoa como instrumento de seu fetiche e do seu prazer, somos assim, tá ligado? (…) Acho que a favela é o fundo do poço, igual a Carolina de Jesus fala no quarto de despejo.”

Fabrício acredita que as favelas de BH necessitam ser reconhecidas como pontos turísticos, já que são grandes, têm polos comerciais, gastronômicos e de lazer. Ele gostaria que as pessoas enxergassem além do tráfico e violência, mas o mundo de oportunidades dentro dos aglomerados. “Com 50 mil pessoas morando aqui no aglomerado (do Cabana), você acha que não tinha nem uma pessoa que poderia ser destaque em alguma coisa?”

Fabrício disse que, se um dia sair do Cabana, não basta estar rico, deve resgatar sua humanidade e cidadania para competir e ocupar o mesmo local das pessoas que nasceram neste estado de privilégio. Enquanto vive no morro, ajuda a todos os moradores dali, colocando sua marca, “Padrim”, em um lava-jato para gerar empregos, sem tirar renda, por exemplo. “Eu fico muito feliz quando consigo pagar o trabalho das pessoas aqui no morro, tá ligado?” 

Ode à rima 

Por mais que o RAP sempre tenha estado presente em sua vida, FBC passou por diversas profissões antes de chegar aonde está. Foi faxineiro, flanelinha, varreu ruas da capital por um ano, na Nova Gameleira, Prado e Nova Suíça e foi servente de pedreiro em algumas obras. Foi camelô e vendedor de água e pipoca no sinal. Nessa última profissão que aprendeu a olhar o clima de Belo Horizonte. Até hoje sabe perceber os sinais se vai chover, fazer sol, frio ou se o clima vai ficar seco. Fabrício lembra que estudou para saber a demanda do que vender no sinal em cada dia. Com saudosismo, contou que sempre apostavam com seus amigos e parceiros de profissão qual seria o primeiro dia de chuva do ano, que sempre vinha em agosto. Contou que sempre apostava após o dia 21 e ganhava com frequência. 

É comum vermos Fabrício usando um colar prata com um círculo e figura de São Jorge centralizada e disse que não é um amuleto da sorte, nos perguntando: “Existe sorte na matemática?”.  Perguntamos ao artista sobre sua religiosidade, e ele respondeu que não acredita em santos. Acariciando o artefato, exclamou: “Ô Seu Jorge, desculpa. O senhor não é santo não, o senhor é um ser humano. Um ser humano que se destacou, mas santo não existe”.

Citou a passagem da bíblia em que Jesus falou que quem nunca tivesse pecado, que atirasse a primeira pedra na mulher adúltera, e ainda completou que, mesmo com toda a pureza de Jesus, nem ele atirou a primeira pedra. É falando do amor de Jesus pela pecadora que Fabrício contou que sua religiosidade é o amor incondicional, é viver e deixar viver. É buscar sempre o caminho da solução, da confraternização entre os povos e o entendimento.  

Por enquanto, sua prioridade é fazer música, mas Fabrício conta que deseja se aposentar, com seus 50 anos e seus filhos já maiores de idade. Quer ir para um lugar longe e tranquilo para pintar paisagem, pois sempre quis ser pintor. Não que já tenha pintado algo na vida; – atualmente é mais adepto à leitura, preenchendo sua estante de livros. 

Em Frank e Tikão, seu feat com Chris MC, do seu primeiro álbum, FBC passa uma visão ambiciosa em relação à vida e ao dinheiro. O eu lírico mostra um almejo para uma vida confortável e luxuosa para alguém que veio de baixo. Mas há uma dualidade entre algumas de suas faixas.

Na canção Money Manim, do álbum seguinte, ele narra a história de um assalto, em que tenta fazer com que o assaltante entenda que pode mudar de vida e buscar outra realidade: “(…) por mais que pareça, isso não é saída pra vida que leva”. Tendo vivido a experiência de estar no lado do crime, Fabrício parece escrever o que gostaria de ter ouvido durante sua juventude conturbada. É perceptível a mudança da relação dele com o dinheiro, algo que sempre foi dilemático em sua vida. Argumentou que até os nossos 26 anos, as pessoas acham que sabem de tudo e necessitam de validação, como quando escreveu Frank e Tikão. Hoje escreveria de outra maneira. Compôs essa música baseando-se em muitas vaidades, mas hoje não importa com o que as pessoas acham, ou falam. Esse desejo de ser validado, para ele, é besteira; a vida é muito além disso. 

Hoje, Fabrício não se posiciona a respeito do lugar que ocupa na cena de RAP da capital. Para ele, pouco importa. Não é mais o homem que tinha o sonho de ficar rico, passar férias no Museu do Louvre e ter uma casa no Lourdes, bairro nobre de BH. Por mais que seja perceptível a metamorfose de Fabrício, ele sente que ainda tem muito o que mudar e evoluir. Levantou-se, gargalhou, olhou para a câmera e deixou um questionamento: “O que você faz quando ninguém está vendo, hã?” Ao voltar, questionamos como ele gostaria de ser lembrado. Depois de um gole de vinho, refletiu que ninguém dá sentido à própria vida – quem nos diz isso são as pessoas que ficam. Ainda indagou como dar sentido à vida de pessoas como Madre Tereza, Chico Xavier, Stalin, Lenin, Hitler, Kennedy e Ronald Reagan. 

Itinerário para outro planeta

Em sua mão direita, Fabrício carrega a tatuagem em homenagem a seu primeiro álbum, Sexo, cocaína e assassinatos, abreviado como S.C.A. Neste trabalho, com uma voz agressiva, mostra ao mundo suas ambições, sem medo de esconder sua vaidade e suas revoltas contra a injustiça e desigualdade. Lançado em 2018, o álbum foi considerado um dos cinco melhores álbuns brasileiros do ano, em uma votação da Red Bull.  O álbum começa com a música “Frank e Tikão”, que mostra toda a ambição do dinheiro, poder e desejo do cantor de ser grande. Além dessa pegada, o álbum traz questões de racismo, violência urbana, maioridade penal e a questão das armas. A capa do álbum é uma homenagem à banda mineira de black  metal, Sarcófago. Fabrício tirou as fotos do álbum no mesmo cemitério que a banda em seu álbum “Inri”, o cemitério do Bonfim.

FBC em dia de céu azul está com óculos escuros e jaqueta preta em um cemitério. Ao fundo, túmulos com cruz.
Imagem do álbum S.C.A. / Foto: divulgação

S.C.A. foi um projeto que demorou nove meses para se tornar realidade e deixar de ser apenas delírios. Ele passa pela faixa 17 anos, que conta, de forma brusca, a história de um adolescente no crime, que sonha em ter uma arma calibre 38. Seguido da canção Superstar, que contrapõe a música que a antecede, sendo cantada de forma mais leve e calma, girando em torno do tênis ganhado pelo eu lírico, indo de encontro à realidade na favela.

A produção também apresenta a composição Itinerário de I.O, que conta um pouco da trajetória de FBC com Djonga, que é carinhosamente chamado pelo nome real, Gustavo. Nessa faixa, é exposto como os artistas tinham que batalhar para sustentar suas famílias e as famílias do morro. O álbum se encerra com Poder, pt. 2, que expõe que o personagem foi morto com cinco tiros na boca, devido à sede de poder. O álbum, com dez músicas, gira em torno dessa atmosfera de conquistar um status social e um local utópico no mundo. 

FBC jovem segura um copo plástico, usa roupa social preta. Ao fundo, crianças batem palmas em torno de uma mesa
Capa do álbum Padrim / Foto: divulgação

Seu segundo álbum, Padrim, é como um projeto vindo diretamente do cerne de Fabrício. Ele falou que toda a estética, todas as músicas, as referências, se remetem a ele. Escolheu momentos e histórias que queria contar, antes mesmo de compor as canções. Na capa do álbum, uma foto sua de quando era criança, em uma festa de aniversário, posicionado bem ao centro da mesa, com um copo de refrigerante na mão. Na primeira faixa, Deus abençoe, podemos ouvir uma ligação de Fabrício; com sua irmã Flávia em relação ao aniversário do seu irmão, Flávio, durante uma partida de Free Fire que o artista jogava. Foi o último dia de gravações para o álbum; e encaixou perfeitamente na atmosfera do disco. Um disco mais “eu”, como ele gosta de dizer.

Nesse álbum, FBC traz a música Money Manin, que entra em desacordo com Frank e Tikão do primeiro álbum, já dando sinais de mudança na visão dele. Além da música Assim que se sente, que traz o sentimento de um jovem periférico ao ser abordado pela polícia por causa do que veste e de onde veio, a noção de qual lugar você ocupa no mundo e qual o tamanho do seu privilégio. Ainda faz uma manifestação à morte de Marielle e uma denúncia ao ex-presidente Bolsonaro. Além disso, a canção ainda faz menção a uma família disfuncional e um amor doentio. Ela compila todas as bandeiras de Fabrício e carrega o rap violento do primeiro álbum.  

A faixa $enhor, em parceria com BK e L7nnon, trouxe a questão da paternidade, do dinheiro e da figura de Deus de forma ambígua, deixando a critério da interpretação do ouvinte decidir a que ela se refere. No início, segundo ele, o objetivo era abordar os dois primeiros assuntos citados, mas revela que BK traz a ideia do divino à composição.

Na canção, ele cita uma passagem da bíblia, sobre Caim e Abel, onde o irmão mais velho assassina o outro por ciúmes do Pai. FBC contou que ainda tem dúvida sobre um dos versos de BK, se ele canta “me senti Caim, sempre feri outros irmãos” ou “me senti Caim, ‘cê’ preferia outros irmãos”, nos fazendo refletir novamente e ter uma nova visão sobre a faixa, dessa vez, pela percepção do próprio artista. Ele terminou a reflexão contando a admiração que tem pelo colega de profissão: “Pô, o BK é foda, eu sou muito privilegiado de ter um feat com o BK.” Ainda falou, em meio a risos, que os convidados não sabiam um do outro na colaboração, e que foram surpreendidos quando descobriram. 

A penúltima faixa do álbum, Se eu não te cantar, carrega o coração de Fabrício, mas destoa do rap pesado. Em uma melodia com acompanhamento de piano, FBC se declara para a sua companheira de profissão e de vida: a música. No fechamento do álbum, ainda na pegada melódica, escancarando suas várias versões, canta Ode à tristeza.  

É uma homenagem à tristeza. A tristeza é a melhor amiga do poeta, né? O poeta feliz é um babaca. 

FBC, músico

Esse álbum ainda foi um marco na carreira de FBC, com o “Movimento 15/11”. Essa estratégia de marketing mobilizou diversos artistas, como Marilia Mendonça e Mano Brown, a postarem no Twitter – hoje renomeado “X” – a frase “15/11 confia”, ou somente a data, com o intuito de divulgar o álbum Padrim.  A data ficou conhecida como um dia para a celebração do hip-hop nacional. 

A imagem retrata apenas as pernas e o tronco de um homem com roupas cinzas, tatuagens e relógio. As pernas de uma mulher também aparecem.
Capa do álbum Best Duo / Foto: Divulgação

Já o álbum Best Duo, com Iza Sabino, carrega várias referências dos jogos de Free Fire, desde o nome às letras. A ideia, que começou por diversão, foi se moldando até o surgimento do disco. Construiu esse álbum ao lado da “Su Madre”, usando toda sua liberdade artística, fazendo o que estivesse com vontade. O projeto, produzido por SMU, conta com colaborações como Djonga, Paige e a dupla X Sem Peita. Fabrício contou que, junto a esse álbum foi o auge de sua depressão, quando descontava em drogas. 

Logo depois do lançamento e de perceber a dependência, com a ajuda da esposa, começou a treinar na academia e cuidar melhor de sua saúde, o que fez com que largasse as drogas e a depressão entrasse em declínio. Hoje, faz três anos que Fabrício se mantém longe da cocaína, hábito que mantinha desde os 15 anos. O artista conta que toda sua família foi atingida indiretamente pelo seu vício, como seus filhos que ouviam comentários na rua que seu pai era “noiado”. 

Ressurgindo das cinzas, em 2021 Fabrício lançou o álbum que quando o DJ toca, ninguém fica parado. Junto com Vhoor, lançou o álbum Baile, resgatando os beats do miami bass. De início, não acreditava que ia dar certo algo tão diferente de sua estética. Com uma história tão pesada quanto seus outros hits, mas com uma pegada dançante, o projeto mostra trajetórias de participantes de bailes que Fabrício frequentava em sua adolescência e fazem parte da essência dele. FBC quis propor um diálogo com o morro, onde pudesse tocar sua arte e se fazer entendido.

Imagem ilustrativa com a escrita baile com diversos personagens que representam participantes do baile.
Capa do álbum Baile / Foto: divulgação

A história do álbum orbita em volta dos personagens Pagode, Jessica e Paulinho. Pagode foi preso injustamente, por atos de Paulinho. Ao avistar Jessica no Baile após a prisão de Pagode, Paulinho flerta com ela, dando origem o hit Se tá solteira. Quando Pagode retorna da prisão, ele fantasia sobre dançar com Jessica no desfecho da competição de passinhos, marcando a faixa Delírios. No entanto, seu sonho acaba ao testemunhar Jessica executando os mesmos passos que ele lhe ensinara, mas agora com Paulinho, inspirando a música Não dá pra Explicar. 

Num certo ponto, Paulinho executa um policial civil, e a polícia se aproveita disso como pretexto para iniciar uma operação na favela, retratada em Polícia Covarde, culminando na morte do chefe do morro e da filha de Jéssica e a milícia toma o controle da comunidade. Ela retorna ao RAP pesado apresentado por Fabrício em seus outros álbuns, para mostrar esse momento tenso da história, que acontece logo após um som dançante e leve. Após esses eventos, os moradores, vítimas de violência, mortes e prisões, se unem na União da Fé e da Força, a UFFÉ. Esse é o cenário destacado em Rap da UFFÉ. 

O álbum foi tão impactante em sua carreira que explicita o desejo de fazer um “Baile 2”. FBC enumera as motivações para isso: “Acho que a primeira é para fazer coisas que eu sempre quis fazer, queria fazer na época e não tive recurso para fazer, com a sonoridade do Miami. A segunda é a oportunidade de trabalhar com Vhoor novamente e criar talvez um outro gênero ou um subgênero. E a terceira é o dinheiro, né filha. Ganhar dinheiro. Todo mundo gosta, não tem quem não gosta de Miami Bass, quem não gosta de tamborzão”. 

Seu quinto álbum é o último elo – até hoje – que mostra a transformação do FBC do primeiro projeto até agora. O Amor, o Perdão e a Tecnologia Vão Nos Levar Para Outro Planeta não se trata de um RAP ou de um miami bass. Fabrício se reinventou novamente, com 15 faixas dançantes e que fazem refletir sobre as relações numa era informacional.

Num fundo escuro, FBC está com os braços cruzados, com uma blusa listrada de verde, amarelo, laranja e magenta. Um globo de luz está acima da cabeça dele.

Para isso, FBC se inspirou em um ídolo que carrega tatuado em seu braço: Jorge Bem Jor, mais precisamente na sua música Charles, Anjo 45, que fala que a confraternização dos povos e a tecnologia irão nos levar a outro lugar. Fabrício acredita nisso. Como repete várias vezes em seu álbum, disse que tem muita fé no ser humano ainda, porque por mais que hoje a humanidade esteja ruim, já esteve pior, como na época do feudalismo. Ele acredita que um dia haverá uma consciência global, quando as pessoas nos olharão hoje como uma sociedade primitiva, que mata o próximo pelo que ele é. Acredita no amor, no perdão e que a tecnologia vai promover essa consciência por meio da informação e da educação. 

“Sem o amor, não conseguiríamos sobreviver, não conseguiríamos viver em comunidade. Pelo amor que a gente sente pelos nossos, pelo amor que a gente sente pelo bem coletivo, né? O amor é muita coisa, é amizade, é trabalhar a cidadania… Em várias formas o amor se manifesta.
O perdão, a escravidão, quem vai perdoar? O capitalismo, quem vai perdoar? A homofobia? O Marco temporal, quem vai perdoar? O imperialismo, a colonização. 
Se trabalharmos o amor, se trabalharmos o perdão e confiarmos na tecnologia, a gente pode chegar em outro pensamento global, em outro espírito coletivo do mundo. O outro planeta pode ser aqui, tá ligado?”

No momento da fatídica pergunta “O que te faz ir para outro planeta?”, Fabrício responde que os seus amigos, seus momentos de paz são os responsáveis por esse movimento. Ainda contou que, no momento, está sentindo tudo muito tranquilo e lembra uma entrevista que deu em 2017 para o documentário de seu amigo de longa data, “Djonga”, antes da pandemia da covid 19: “Uma vez eu dei entrevista em 2017 bêbado para o documentário do Djonga, eu falei: ‘Velho, eu tô sentindo que vai ter uma mudança global, alguma coisa que vai mudar o espírito das pessoas’”. Ainda disse que pressente que algo grande está por vir. “Eu ‘tô’ achando muito tranquilo, eu acho que vai ter alguma mudança cósmica, algum alinhamento nos planetas, sei lá, velho.” 

Perguntamos à Fabrício qual conselho daria a seus fãs. Surpreendentemente, sua resposta foi uma reflexão a respeito da felicidade e de nosso objetivo na terra.

“Acredito que a gente tem que ter motivos para viver, sabe? Coisas que realmente deixa a gente feliz. Não vale a pena viver um segundo nessa vida, nessa terra, sem que esteja num lugar ou fazendo coisas que nos deixam felizes, tá ligado? Existem pessoas que sacrificam a própria vida em prol de outras e realmente se sentem felizes em ser prestativas e fazer o bem. Mas a maioria das pessoas sempre estão em busca de algo para satisfazer o bem próprio e tá tudo bem. Porque a vida só se diz a cada um que a tem. Mas se você for viver a vida, que seja uma forma onde você seja feliz e também deixe que as pessoas sejam felizes. Não esquecer que ser humano é ser coletivo. Não existe essa do ser humano individual.

E para os fãs, que acompanham o artista e se inspiram em sua música, FBC deixa um recado:

Não esperem nada! Jamais esperem qualquer coisa de mim. Levem suas vidas sem esperar nada de mim nem de ninguém. Apenas vivam suas vidas e um dia a gente se encontra, em um outro planeta. 

FBC está rindo, com uma blusa preta e colar grande de São Jorge de óculos escuros. Ao fundo, a Cabana do Pai Tomás
FBC posa diante da Cabana do Pai Tomás / Foto: D’arc
Perfil produzido por Karenn Rodrigues e Mariana Brandão, sob a supervisão do professor Vinicius Borges.

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Colab é o Laboratório de Comunicação Digital da FCA / PUC Minas. Os textos publicados neste perfil são de autoria coletiva ou de convidados externos.

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