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Corais branqueados e mortos.

Como as mudanças climáticas afetam os oceanos?

Entenda como os recifes de corais e as águas oceânicas estão sofrendo com as mudanças climáticas.

Os gases do efeito estufa aquecem os mares, provocando a acidificação das águas e tornando impossível a sobrevivência das vidas marinhas”.

Peter Thomson

Esta citação de Peter Thomson, enviado especial da ONU para os oceanos, é um alerta urgente para a tomada de conscientização sobre como ações humanas são responsáveis pelo quadro de degradação da vida marinha. Se não forem revertidas, estaremos cada vez mais perto de um estado de calamidade, causado pelo aceleramento de consequências como o branqueamento dos corais e a acidificação dos oceanos.

Foto: Recifes de corais por Richard Ling

Surpreendendo pessoas que desconhecem do assunto, os corais são animais. Fazem parte do Filo Cnidário e da Classe Anthozoa. O valor de um coral dentro do ecossistema como um todo é subestimado e pouco comentado. Já é sabido que, mesmo o ecossistema recifal ocupando 1% do ambiente marinho, 25% do animais que vivem nos oceanos dependem dos corais. É o que diz o pesquisador do Projeto ReefBank, Wanderson Valente dos Santos.

Seja para reprodução, alimentação ou abrigo, os recifes de corais fornecem as necessidades para os animais.

Wanderson Valente dos Santos

Um grande exemplo dessa relação entre ecossistema recifal e organismos marinhos é o mutualismo entre o coral e a zooxantela. Dinoflagelado – organismos unicelulares flagelados – e endossimbionte, a zooxantela vive junto com o coral em associação benéfica para os dois. Wanderson Valente explica que a zooxantela realiza fotossíntese e fornece os produtos desse processo para os corais. Em troca, recebem abrigo, proteção e um local de luminosidade para a realização dessa fotossíntense.

Comunidades insulares, ou seja, que habitam regiões costeiras, dependem diretamente desses animais. Vivendo em regiões localizadas em torno dos recifes de corais, beneficiam-se de um grande número de peixes encontrados – essenciais para a subsistência da população. Mas, ainda segundo Wanderson, há uma importância maior para a existência e preservação dos recifes de corais: servem de barreiras das regiões costeiras, impedindo que grandes tempestades vindas do mar aberto atinjam o litoral.

Foto: Zooxantela / Jason Marks

Mas e o branqueamento dos corais? O que é? Por que devemos nos importar com isso?

O branqueamento se inicia a partir de um estresse, que pode se caracterizar pelo aumento da temperatura oceânica ou mudança do pH. Wanderson Valente destaca que os dois fatores estão diretamente ligados a ações antrópicas, ou seja, realizadas pelos seres humanos. A partir desses estímulos de estresse, as zooxantelas começam a produzir oxigênio, elemento que é tóxico para os corais. A consequente expulsão das algas fotossintetizantes impossibilita a capacidade dos corais de se alimentar pela fotossíntese, gerando o branqueamento.

Ações que intensificam o branqueamento e a acidificação vão desde a grande emissão de CO², lixos jogados no mar, aumento da temperatura dos oceanos, emissões de gases de efeito estufa (GEE) por atividades humanas, dentre outras. Vários estudos em andamento também buscam por novos causadores do branqueamento dos corais. Wanderson Valente relata que o projeto Reef Bank já realizou pesquisas que apresentam o uso de protetores solares como um dos agentes causadores desse fenômeno.

Certos tipos de compostos dos protetores, como a oxibenzona, são prejudiciais e ocasionam a morte. Eles não são somente degradados na água.

Wanderson Valente dos Santos

Kelly Inagaki, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e membro do projeto de divulgação científica De Olho nos Corais, levanta um importante alerta: ainda que um coral esteja branqueado, ele, por si só, não morre. Tudo depende do nível de intensidade do estresse térmico. Se muito elevado, os corais não conseguem mais absorver as zooxantelas, tornando-se marrons e falecidos.

Acidificação dos oceanos

Outro fenômeno causado por ações humanas é a acidificação, que acontece pela diminuição do pH dos oceanos por longos períodos de tempo. Esta redução do pH é causada principalmente pela dissolução do CO² atmosférico dos oceanos, afetando os organismos marinhos, a fauna e flora do mar e a cadeia alimentar de inúmeros peixes.

Outro fator agravante é que, com a acidificação, ocorre maior corrosão das estruturas calcárias (que formam os corais), podendo comprometer sua formação. Uma grande redução nas populações dos peixes e crustáceos pela acidificação também impactaria fontes de proteína de milhões de seres humanos, gerando fome e desemprego.

Derek Manzello, coordenador do NOAA Coral Reef Watch, explicou, em entrevista por e-mail, que a acidificação do oceano e o branqueamento dos corais não trabalham juntos, necessariamente: “Um coral responde totalmente diferente à água quente e à diminuição do pH. Uma coisa importante a se lembrar é que o calor mata os corais. A acidificação não mata os corais. Na verdade, a acidificação é um estresse crônico que faz com que os corais cresçam cada vez mais devagar ao longo do tempo”.

Segundo ele, a acidificação do oceano também acelera a erosão dos recifes e seu impacto é agravado quando os corais sofrem com estresse de calor: “Se um coral consegue sobreviver ao branqueamento, ele vai ter seu crescimento prejudicado e a reprodução também. Esse processo pode durar de dois a oito anos após a recuperação e ainda torna o coral mais suscetível a doenças”. 

Impactos globais são alarmantes

Dados do Relatório de Avaliação publicada pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de 4 de abril de 2022, concluem que as emissões de gases de efeito estufa no mundo foram de 59 bilhões de toneladas em 2019, um valor 12% maior do que em 2010 e 54% maior do que em 1990. A última década teve o maior crescimento de emissões da história humana: 9,1 bilhões de toneladas a mais do que na década anterior. Um dado importante, que apresenta números da emissão de CO² no mundo também foi exposto nesse relatório: desde a era pré-industrial até hoje, a humanidade já emitiu 2,4 trilhões de toneladas de CO². Desse total, 58% foram emitidos entre 1850 e 1989, e 42% entre 1990 e 2019. E o que mais impressiona é que os 17% de todo o carbono emitido foi lançado no ar apenas na última década.

Cibelle Borges Henriques, bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade de Brasília (UnB), e que atua como bolsista no Centro Nacional de Avaliação da Biodiversidade e de Pesquisa e Conservação do Cerrado (CBC/ICMBio) explica a importância dos oceanos para o nosso ecossistema: “Há um valor intrínseco da existência dos organismos e ecossistemas no planeta, que merecem o direito à vida e sua preservação, independente de apresentarem serviços ambientais ou função econômica bem definida”. Além disso, ela completa que os oceanos ajudam na regulação do clima mundial, produzem grande concentração de oxigênio excedente, graças às algas marinhas.

Ao contrário do que muitos ainda acreditam, a Amazônia não é o pulmão do mundo mas, sim, os oceanos! É evidente que a preservação dos oceanos, além de ser importante para a fauna e flora marinhas, impacta a biosfera como um todo.

Cibelle Borges Henriques

Negacionismo e falta de atuação na luta pelos oceanos

O governo e parte da sociedade contribuem em práticas para o avanço dos fenômenos e não participam do processo de combate. Gleide Fernandes de Avelar, doutora em Biologia Celular pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em colaboração com a Universidade da Pensilvânia (UPenn), e docente no Departamento de Morfologia do ICB/UFMG, relata que a produção e utilização de compostos como xenoestrogênios e defensivos agrícolas colaboram no progresso de degradação oceânica. A coordenadora ainda destaca que, no Brasil, não há legislações que obriguem as empresas de saneamento básico a retirarem esses tipos de compostos das águas.

Corroborando com a pesquisadora, Wanderson Valente ainda destaca que não há nenhuma lei que combata as ações danosas do ser humano em relação ao ecossistema recifal. Também Derek Manzello explica que o branqueamento dos corais é um fato inquestionável, no entanto, existem muitos que ainda negam as consequências das ações humanas sobre os mares: “Já foi comprovado, de todos ângulos, e em todas as avaliações científicas possíveis. Eu vi, pessoalmente, os impactos das mudanças climáticas piorarem muito nos 20 anos em que estou nesse trabalho”.

Manzello conta que, quando começou a trabalhar na área, a grande barreira de coral – situada na Austrália, composta por 2900 recifes, sendo a maior estrutura do mundo feita unicamente por organismos vivos – tinha sido branqueada pela primeira vez em 1998 e, agora, ela já foi branqueada seis vezes mais e está ficando pior. “Os corais vivem muito perto do limite térmico, quer dizer que o aumento  de 1°C durante um mês no período mais quente do ano vai causar branqueamento”.

Fonte: Mudanças Climáticas e Branqueamento dos Corais na Costa de Fortaleza por Yasmin Nascimento de Barros - Universidade Federal do Ceará.

Soluções para um futuro mais sustentável

O branqueamento dos corais e a acidificação dos oceanos têm diferentes causas, principalmente, associadas com a emissão de gases do efeito estufa, como o gás carbônico, ou impactos locais. Segundo os pesquisadores entrevistados, é difícil apontar uma única solução direta e permanente para amenizar os efeitos desses fenômenos. De forma individual e indireta, cidadãos comuns podem se engajar em ações para diminuir impactos locais e a emissão desses gases.

Já para os mergulhadores, é necessário não perseguir, capturar ou tocar na vida marinha, alimentar os animais e jogar lixo nos oceanos. Também é possível fazer algumas escolhas de compras cotidianas, como a escolha da proteção ao sol, já que alguns agravam o branqueamento.
E de forma social, é possível ficar atento a políticas e ações que podem impactar os recifes e escolher seu voto com base na exploração e desenvolvimento sustentável do turismo e das ações de conservação do país.

A docente Gleide Fernandes também destaca que os laboratórios universitários são grandes colaboradores para uma busca de um futuro mais sustentável, daí a importância da divulgação científica:

É função dos pesquisadores propagar como esses fenômenos atingem o ecossistema, como a população deve agir nessas situações, entre outras medidas.

Gleide Fernandes
Reportagem de Bernardo Lucas, Camilla Kind, Caio Félix, Eduardo Camargo, Nivaldino Sami, Rafael Silva e Vitória Von Bentzeen para a disciplina Laboratório de Jornalismo Digital no semestre 2022/1.

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Colab PUC Minas

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