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Créditos: Reprodução / Freepik

Casamento entre TV aberta e streaming faz sucesso ao redor do mundo

Com a popularização das plataformas de streaming no Brasil, muitos pensaram que a TV aberta seria ameaçada, mas será que isso aconteceu?

Off da Sandra, nossa entrevistada de 50 anos.

Sandra faz parte do que especialistas chamam de geração X, composta por pessoas que nasceram entre 1965 e 1985. No âmbito tecnológico, as pessoas dessa faixa etária assistiram, de perto, ao crescimento da televisão e seus grandes sucessos de audiência – como Dancin’ Days, Roque Santeiro e Pai Herói, da TV Globo –  favorecidos pela falta de outras plataformas semelhantes. 15 anos depois, a partir dos anos 2000, com o surgimento e modernização de tecnologias como celulares e computadores, as pessoas passaram a mudar a forma de consumir conteúdos audiovisuais, abrindo portas para o nascimento de uma das maiores indústrias globais da atualidade: o streaming.

Streaming ameaça a TV aberta?

Sandra é apenas uma das milhões de pessoas que acabaram se rendendo a tais plataformas, que crescem e se difundem cada vez mais na cultura brasileira. Mas, afinal, será que o streaming compromete a TV aberta? Será que ela vai “deixar de existir”, como muitos pensam? A resposta, pelo menos por enquanto, é que não. A TV aberta está longe de acabar. Programas jornalísticos e esportivos, por exemplo, ainda têm grande força nas emissoras, que se esforçam e se reinventam para atrair os telespectadores.

Essa mudança na forma de produzir e disseminar conteúdos das empresas de comunicação televisivas vem ocorrendo mais fortemente nos últimos cinco anos, impulsionada, entre outros motivos, pela pandemia de covid-19 a partir de 2020. Mas pensar que o streaming é uma novidade é um erro. O que poucos sabem é que uma das primeiras transmissões ao vivo na internet foi nos Estados Unidos, há quase 30 anos, quando os americanos decidiram exibir a partida de beisebol entre New York Yankees e Seattle Mariners. Já no Brasil, o modelo foi estreado em 14 de novembro de 1996, com a performance da música Pela Internet, de Gilberto Gil.

Reprodução YouTube Mauro Segura

Apesar disso, é válido ressaltar que pensar na internet na década de 1990 significa pensar em um recurso extremamente restrito àqueles que possuíam boa condição financeira, fazendo com que o acesso à conexão não fosse algo democratizado. Entretanto, com o passar do tempo e a consequente ampliação do acesso do público, a internet possibilitou o lançamento da plataforma que seria a “pioneira” do streaming como conhecemos hoje. Surge, então, a famosa Netflix, que estreia no Brasil em 5 de setembro de 2011 e dá o pontapé inicial para a chegada de outras plataformas semelhantes.

Alcance da internet

Ainda sobre a questão envolvendo o alcance da internet nos anos 1990, se engana quem pensa que a situação ficou no passado. Atualmente, apesar de filmes, séries e vídeos online estarem muito mais disponíveis ao público, ainda não são conteúdos totalmente democratizados, uma vez que demandam não só de um pagamento mensal, mas também de uma internet de qualidade e de uma certa familiaridade com as novas tecnologias – recursos que, muitas vezes, pessoas com menores condições financeiras e idosos não possuem.

De acordo com um levantamento do Instituto FSB Pesquisa – um dos maiores grupos de pesquisa da América Latina – em parceria com a Roku – empresa norte-americana de inteligência televisiva – 75% do público assiste ao streaming diariamente. Porém, desse número, a grande maioria é composta por pessoas das classes sociais mais elevadas: A (82%) e B (81%).

TV aberta em vantagem

Isso significa que o streaming ainda não faz parte da realidade de muitas pessoas, e é nesse cenário que a TV aberta sai em vantagem, já que conta com programação gratuita e é independente do acesso à internet. 

“Devemos lembrar que mais de 90 milhões de brasileiros não possuem conexão com internet de qualidade. A TV aberta é e ainda será uma plataforma forte por muito tempo”, afirma Marcos Ribeiro, produtor de tecnologia da TV Globo, que também afirma que a televisão ainda é a maior força da emissora, com presença em todo o território nacional.

O paralelo entre a televisão e a biologia

Entretanto, é fato que a coexistência da TV aberta e do streaming acaba alterando a forma de consumir produções midiáticas. Aline Monteiro, autora do livro A nova televisão – do Youtube ao Netflix, relaciona a televisão com a biologia. Na natureza, quando algum fator externo entra em um ecossistema, sua normalidade acaba sendo alterada, ocorrendo um abalo. Na mídia, a pesquisadora faz essa relação com o streaming: 

“A mudança tecnológica que proporcionou novas formas de transmissão de TV é um ‘abalo’ no ambiente midiático, que força os habitantes deste ‘bioma’ a se adaptarem. A televisão, portanto, como um meio presente em um ‘bioma’ midiático, sofreu um ‘baque’ com a entrada em cena do streaming”.

Em nosso dia a dia, esse choque causou mudanças cada vez mais comuns e frequentes no comportamento dos telespectadores. Eles não precisam mais planejar sua rotina em cima da programação televisiva, por exemplo, uma vez que, agora, sabem que têm a possibilidade de assistir o que desejam na hora que quiserem e da onde estiverem. 

Perdeu a novela? É só assistir tomando o café da manhã no dia seguinte. Não assistiu à reportagem sobre seu bairro no jornal? Basta ligar o celular e, com quatro ou cinco cliques, assistir quantas vezes quiser. Não para por aí: a facilidade e a praticidade do conteúdo na palma da sua mão é sempre levada em consideração, fazendo com que, agora, pessoas possam se conectar com seus filmes, séries, documentários e novelas preferidas não só pela TV, mas também em smartphones, tablets e notebooks, por exemplo. 

Mudança ou Adaptação?

Não se pode afirmar que houve uma verdadeira mudança na televisão aberta. O que aconteceu, de fato, foi que ela se adaptou, a partir de uma alteração na forma de consumir o conteúdo:

“A televisão é um meio que se adapta com certa facilidade a mudanças tecnológicas e que também utiliza-se de muita criatividade. Acredito que já há tempos devíamos ter parado de pensar no seu fim por conta das mudanças tecnológicas. A televisão se reinventa desde o seu surgimento, e segue se reinventando” – Aline Monteiro, pesquisadora 

Percebe-se  que o foco das empresas televisivas não é mais competir com as plataformas de streaming, mas sim complementar sua programação, para que elas possam coexistir. Esse casamento é visto em canais como a Disney e a HBO, que investiram na criação de suas próprias plataformas on-line – Disney+ e HBO Max, respectivamente – onde disponibilizam conteúdos específicos e exclusivos para agradar o público e aumentar sua audiência, como séries, filmes e documentários, por exemplo.

O case TV Globo + Globoplay

Marcos Ribeiro, que é funcionário da Rede Globo há quase 23 anos, conta que a ideia é entregar para o consumidor o que ele quer ver, de forma transparente, não importando o meio de transmissão. Assim, é justamente isso que o Globoplay se propõe em fazer: criado com total foco no público brasileiro, o streaming “nasceu” no dia 3 de Novembro de 2015, com a ideia de dedicar-se àqueles que buscam conteúdos além dos já disponibilizados no catálogo da TV.

A plataforma age conforme o comportamento dos players, produzindo séries e filmes exclusivos que, de acordo com a pesquisa da Roku, são os conteúdos mais populares entre os assinantes. Além disso, o Globoplay faz cobertura ao vivo de eventos populares no país, como jogos esportivos, festivais de música e realities shows. A iniciativa é um sucesso: hoje, o streaming é o segundo de maior audiência no Brasil.

Em relação à produção do conteúdo, como roteiro, edição e mixagem, a empresa não passou por significativas alterações, utilizando-se do mesmo processo.  Em contrapartida, tratando-se de tecnologia, evoluções foram possibilitadas: “Na TV aberta, não é possível exibir conteúdos em resolução 4K, por exemplo, o que no Globoplay já é uma realidade”, conta Marcos Ribeiro.

Vale ressaltar que, disponibilizando os programas transmitidos ao vivo em tais plataformas, sua audiência e visibilidade aumentam notoriamente. Tratando-se dos jornais locais, por exemplo, a reprodução acaba democratizando a notícia, que passa a poder ser consumida ao redor do mundo. Cauto Freitas, gerente da TV Sudoeste, afiliada da TV Globo em Vitória da Conquista, na Bahia, conta que esse processo é muito importante para o alcance da informação: “Qualquer assinante pode acessar todos os produtos midiáticos das 123 emissoras afiliadas em todo o Brasil”.

O casamento é perfeito: a plataforma digital ganha ainda mais força ao se associar à TV aberta, que é líder de audiência no país. A união é feita não só por meio de comerciais, mas também de divulgação de conteúdos exclusivos durante a programação televisiva, causando curiosidade e interesse.

Spin off: o lançamento de um produto ou negócio a partir de algo já existente

Outro fator que foi possibilitado com a chegada do streaming foi o chamado spin-off, que consiste, basicamente, no desdobramento de uma tecnologia através de outras já existentes. É muito comum que as emissoras utilizem do seu streaming para publicar conteúdos extras. A Record TV, por exemplo, disponibiliza o podcast do seu reality show A Fazenda no PlayPlus, fazendo com que os produtos midiáticos tenham outras formas de transmissão.

Dessa forma, pode-se afirmar que o casamento entre o streaming e a TV aberta é uma tendência que veio para ficar. Ao contrário do que muitos pensam, essa coexistência não significou uma briga entre plataformas, mas sim uma complementação. Enquanto o streaming oferece conteúdos exclusivos, além de possibilitar que o consumidor decida o que assistir, conforme suas preferências, a TV aberta proporciona uma programação diversa, gratuita e simultânea. Assim, tal união é duplamente benéfica: aumenta a audiência e o lucro das emissoras e, ao mesmo tempo, traz opções mais diversas de conteúdos e facilita o acesso dos público em geral. 

Reportagem produzida por Ana Clara Alves, Gustavo Gomes e Juliana Leal, na disciplina Laboratório de Jornalismo Digital, no semestre 2023/1, sob a supervisão da professora Verônica Soares da Costa.

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