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Agressões e ataques a jogadores de futebol no Brasil

O anonimato nas mídias sociais potencializa a força de ataques a atletas

O futebol é um esporte em que todos se acham no “direito” de opinar – especialmente em relação à performance de jogadores de futebol. Por ser entretenimento, ele oferece aos torcedores a oportunidade de identificação e, a partir daí, pertencimento. E é isso que faz o esporte fluir. É característico do torcedor sua opinião.

No off-line, essa manifestação se dá pelo grito da arquibancada, pelo pulo no sofá, pela recepção do ônibus do time, pela ida ao Centro de Treinamento. Nas mídias sociais, isso se dá por meio das publicações ou respostas feitas aos clubes, jogadores e imprensa. E, diferentemente dos outros espaços que o torcedor ocupa, a mídia social tem memória – e se um grito se perde no ar, uma postagem, não.

Ataques virtuais a jogadores de futebol

Segundo Marco Bettine, pós-doutor em Sociologia do Esporte pela Universidade do Porto, em Portugal, antes da internet já ocorriam ataques a jogadores e, mesmo assim, os agressores continuavam impunes. Ele acredita que os atletas têm sua parcela de responsabilidade neste contexto das redes sociais, pois as utilizam para autopromoção e mercantilização de si.

“Ao ficarem online full time, os jogadores acabam por se expor, em demasia, facilitando a agressão pelas redes sociais.

Marco Bettine, sobre a exposição da imagem de jogadores de futebol

Estar por trás de um ‘user’ encoraja e traz conforto às pessoas, é o que diz a jornalista Jéssica Moreira, coordenadora de mídias sociais da Rádio Itatiaia, que tem como carro chefe o futebol. “É como se a opinião dela ali tivesse o poder de um megafone e o da invisibilidade. Somado a isso, o distanciamento físico da pessoa julgada (vítima) aumenta ainda mais a sensação de poder e direito de julgamento”, ressalta.

Para ela, a ‘força do anonimato’ potencializada pelos desejos da pessoa, além de sua falsa intimidade com o outro e o amor passional pelo clube, fazem de um simples internauta a voz motriz de um espaço de violência que, para ele, soa como inconsequente.

Bettine diz que, no Brasil, confunde-se liberdade de expressão com violência verbal. “Não defendo uma linguagem do ‘politicamente correto’, mas as pessoas deveriam ter clareza que ao postar algo na internet a dimensão da sua fala é muito maior, portanto, as consequências são maiores. Aquele que fala por meio da internet tem a sensação de que está em uma mesa de bar, onde sua opinião é expressada em um público privado”. De acordo com o sociólogo, quando se usa as redes as pessoas têm de ter noção que estão interagindo na esfera pública.

O online reverbera

É certo que a rede social amplifica o comportamento humano. O online potencializa todas as nossas características, sejam elas boas ou ruins, por ser um espaço de visibilidade e de encontro de nichos. Jéssica explica que na internet temos a oportunidade de sermos e estarmos com as pessoas que queremos a partir dos mecanismos de seguir, curtir, compartilhar e pelo próprio algoritmo de cada mídia, que indica coisas semelhantes às que manualmente usufruímos. “Portanto, é importante salientar que o comportamento online é inerente, no mínimo, ao pensamento do offline”, diz.

“Se temos dificuldades de entender e exercer a democracia na política, imagina nas redes sociais em que todos têm o mesmo espaço e condição de fala? Precisamos pensar que a relação de ídolo e fã antes da internet era basicamente pela grande imprensa, e o online trouxe a horizontalidade para essa relação. Assim, os fãs têm acesso a seus ídolos de forma direta através de suas fanpages”, completa a jornalista.

“Se a TV e o rádio já trazem a sensação de intimidade – como aquela máxima que as pessoas respondem ao ‘boa noite’ do Willian Bonner em todas as edições do Jornal Nacional -, imagine você ligando seu celular e vendo também o que o Bonner come, escuta, com quem ele vive, como se exercita, quais são suas opiniões e ainda ser respondido por ele? E se nos sentimos tão próximos assim uns dos outros nas redes sociais, nos damos o direito de opinar na vida – nem tão – alheia e, principalmente, daqueles que mais se expõem – como os ‘artistas’”, reforça.

Conforme o sociólogo, o torcedor perde essa linha entre paixão e ódio pelo papel da emoção e descontrole e catarse que os esportes promovem. “A relação amor/ódio é próprio do homem e os jogos de massa promovem o afloramento destas paixões. A forma de se expressar muda com o tempo. Hoje o formato é via rede, logo o alcance de uma ação é global. Mas o modus operandi não muda. Muda o meio e não as pessoas que atacam. O meio é mais abrangente, mas o delírio coletivo continua bem parecido”, afirma.

O clube, o jogador e a imprensa têm o torcedor como seu alvo de seguidor. A democracia das redes sociais, que dá a ele a oportunidade de consumir ou não esses conteúdos, oferece também a interação com cada um deles, ou seja, dando voz ao torcedor como quem para a partida de futebol e escancara sua opinião no telão ou megafone do estádio. E é aqui que o xingamento e comportamentos passionais tomam proporções além do entretenimento.

Impacto no psicológico

Essa relação jogador-torcedor, para Josenilson Costa, psicólogo esportivo que atua na categoria de base do América-MG, é como uma faca de dois gumes pois, ao mesmo tempo que o fanatismo e o comportamento das massas faz com que os sujeitos xinguem e acabem com a autoestima e autoconfiança dos jogadores, há também os movimentos que são organizados em prol do time ou dos atletas em determinada campanha, os incentivando a ganhar uma partida ou campeonato, motivados por toda aquela energia.

O psicólogo cita o episódio ocorrido contra o Corinthians, onde os jogadores do time paulista foram recebidos no Aeroporto Internacional de Guarulhos de uma forma muito hostil, com ameaça de agressão física, xingamentos e intimidação, após uma derrota para o Fluminense por 2 a 1, aproximando o time da zona de rebaixamento. Alguns jogadores chegaram a correr para conseguir entrar no ônibus que aguardava a delegação. Esses ataques das torcidas infelizmente são comuns e costumam tomar o noticiário brasileiro em toda temporada.

Alguns casos foram bem marcantes de 2019 pra cá, tendo como alvos o elenco inteiro ou, em alguns casos, jogadores em específico. Clique aqui e acesse a linha do tempo dos ataques.

“O atleta fica reprimido e inibido dentro de campo, elevando o seu nível de estresse para o seu trabalho, que é jogar futebol. Com isso o seu desempenho cai, por medo de errar e de que seus erros possam acarretar em mais ameaças ou até mesmo que elas sejam consumadas”, diz.

Josenilson Costa

Segundo ele, as agressões nas redes sociais elevam o nível de ansiedade, que consequentemente abaixa o seu nível de autoconfiança, e o atleta fica mais propenso ao erro.

Para o sociólogo Marco Bettine, esse assédio moral pelas redes sociais pode trazer consequências para a dinâmica do futebol brasileiro que, enquanto produto, aproveita da mídia para vender e ampliar seu poder na sociedade globalizada. “O profissional vive a dualidade de se vender pelas redes sociais e ser atacado pelos torcedores. Os jogadores ficam dependentes delas em uma sociedade do espetáculo da vida. Os torcedores as consomem se alienando e construindo todo o aparato midiático que os donos de futebol desejam”, aponta.

Diante disso, entra em questão qual o papel dos clubes diante desses diversos e constantes ataques. Bettine afirma que, como empresa o clube e seus funcionários (jogadores) deveriam ter uma cartilha de uso das redes sociais e diz que se o clube diminuir o acesso e a exposição, os ataques tendem a ser menores. “Mas há um ciclo vicioso, porque as mídias são comodities para os clubes e jogadores. Eles vendem a imagem por meio destas mídias sociais. Não dá para ter tudo, se envolver com as redes sociais é ter estes malefícios”, ressalva.

Para trabalhar a cabeça dos jogadores e blindá-los diante desses ataques, Josenilson diz que não há uma receita. “A psicologia parte do pressuposto que somos sujeitos com subjetividades diferentes, ou seja, cada um vai reagir de uma forma e estes movimentos podem ter influência ou não, cabe ao profissional identificar estes comportamentos e fazer com que o atleta aprenda a lidar com essas emoções” justifica.

Ele cita como exemplos atuais os trabalhos feitos no Palmeiras, São Paulo e Fluminense, que têm núcleos definidos com psicólogos na base e nas equipes principais, o que possibilita uma visão sistêmica do atleta desde quando ele entra no clube até quando vai fazer a sua estreia no profissional, mas também em grandes decisões e jogos importantes. Porém, segundo o psicólogo, isso se trata de um resultado de um trabalho continuo a médio e longo prazo que, consequentemente, vai entendendo as subjetividades dos atletas e as particularidades do grupo, sempre em parceria com a comissão técnica.

“Somos primitivos digitais e não por isso nossas redes sociais são terra sem lei. A cada novo passo que o mundo dá, sua adaptação no online é necessária. É preciso saber lidar com os sentimentos, com as emoções e a falsa-liberdade que a internet oferece. É preciso amadurecer o uso e entender que ganhamos uma ferramenta de ajuda ao ser humano, não de substituição. E é preciso, acima de tudo, entender que as nossas responsabilidades no online não são diferentes do offline, e somente com respeito e ética faremos das redes sociais um espaço de coletividade e liberdade de expressão, não de prisão”, finaliza Jéssica.

Conversamos também com Paulo Azeredo, jornalista esportivo que, junto com Jéssica Moreira, participou e opinou sobre esse assunto que surge em todas as temporadas do futebol brasileiro. O papo com os jornalistas, você confere no podcast a seguir.

Reportagem desenvolvida por Bryan Gonçalves e Sara Zeferino, do 8° período de Jornalismo do campus Coração Eucarístico, para a disciplina Produção em Jornalismo Digital.

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Colab é o Laboratório de Comunicação Digital da FCA / PUC Minas. Os textos publicados neste perfil são de autoria coletiva ou de convidados externos.

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