Um espectro de possibilidades

Participantes de Amor no Espectro
Fonte: Netflix / Divulgação

Por Debora Drumond.

Podia ser só mais uma série sobre relacionamentos na juventude como tantas outras que fazem sucesso hoje em dia, mas Amor no Espectro tem uma proposta diferente e é bem mais do que um reality show sobre pegação em um cenário paradisíaco. Disponibilizada na Netflix em julho deste ano, a série documental apresenta a busca pelo amor de onze jovens adultos autistas. Em cinco episódios, conhecemos um pouco mais sobre o universo do espectro autista, enquanto acompanhamos a jornada de jovens que estão em busca de seu primeiro relacionamento amoroso – Olivia, Chloe, Mark, Michael, Maddi, Andrew e Kelvin –, e também dois casais que já estão juntos há algum tempo – Thomas e Ruth, e Jimmy e Sharnae. 

Através dos relatos de familiares, workshops sobre relacionamentos, encontros, interações com amigos conhecemos cada um dos participantes e vemos como a série não tenta retratá-los de forma enfeitada (socialmente apropriada). Eles são livres para demonstrar seus interesses e gostos, além de seus comportamentos peculiares desenvolvidos como um mecanismo reconfortante por pessoas autistas (Olivia, por exemplo, quando se sente agitada ou ansiosa começa a saltitar); e tudo isso é ressaltado de forma positiva.

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), uma a cada 160 crianças tem transtorno do espectro autista (TEA). O transtorno costuma surgir na infância e persiste durante a adolescência e vida adulta. Uma das principais características das pessoas acometidas pelo TEA é a dificuldade nas interações sociais o que, infelizmente, gera muito preconceito e isolamento. 

Enquanto existe uma luta muito grande para que as pessoas com autismo se tornem mais independentes, pouco é falado sobre sua autonomia emocional. Um dos maiores equívocos que persiste hoje na sociedade é pensar que autistas são incapazes de desenvolver conexões emocionais ou sequer desejam tê-las. Da mesma forma que os neurotípicos (pessoas não acometidas pelo TEA), eles se apaixonam, desenvolvem afeto e também esperam reciprocidade. 

A série faz um bom trabalho em mostrar isso, principalmente quando a especialista em TEA, Jordi Rodgers, trabalha com alguns dos jovens os orientando a como expressar emoções de forma mais efetiva e a como compreender melhor as emoções dos outros. Ela é uma figura importante para esses personagens entenderem que não há nada de errado com eles e que, assim como todos, eles também têm direito ao amor. 

Jordi orienta Michael sobre como interagir nos encontros
Fonte: Netflix / Divulgação

Dentre os personagens, alguns se destacam bastante pelo jeito particular e trajetória na série. Um deles é Michael, de 25 anos, que diz que sonha em se tornar um marido e ter uma família. Ele é um dos personagens mais carismáticos da série, sua mãe mesmo diz que toda família devia ter uma Michael. Maddi, 24, tem um apoio muito grande dos pais na sua busca por um parceiro, mas não se preocupa tanto com um relacionamento por se considerar independente e não querer ter filhos. Chloe, de 19 anos, é uma personagem importante por trazer representatividade LGBTQIA+. Ela se identifica como bissexual e ao longo da série tem encontros tanto com homens quanto com mulheres.

Um aspecto interessante da produção é o respeito ao momento dos participantes. Devido à dificuldade de interação social gerada pelo TEA, podemos pensar que a presença das câmeras e da equipe faria com que os participantes se sentissem desconfortáveis e pressionados. No entanto, a produção teve um cuidado especial durante a abordagem, percebendo quando havia um momento de desconforto e era melhor pausar as gravações. Até mesmo durante os encontros, muitas vezes acontecem pausas em que a produção conversa com eles sobre como eles estão se sentindo, o que estão achando da pessoa e da situação como um todo. É admirável o suporte oferecido pela equipe, a sensibilidade de reconhecer esses momentos e priorizar o bem-estar das pessoas. 

Amor no Espectro trabalha a desmistificação de estereótipos
Fonte: Netflix / Divulgação 

A série é muito eficaz em desmistificar muitos estereótipos sobre o transtorno do espectro autista, especialmente aqueles relacionados às habilidades afetivas. É importante que mais conteúdos sobre o tema sejam produzidos com pessoas reais, mostrando seu dia a dia, seus dilemas, alegrias e manias e, principalmente, como autistas são tão capazes quanto qualquer pessoa. 

Além do Espectro (Série documental, Australia, 2019)

Direção: Cian O’Clery;

Narração: Brooke Satchwell

Duração: 5 episódios, de 45 minutos em média.

Distribuidora: Netflix

Trabalho produzido na disciplina de Jornalismo Cultural do oitavo período do curso de Jornalismo do Coração Eucarístico.

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