Por Roberto Barcelos. O professor de Comunicação Social, Mário Viggiano, é um dos tradutores do livro “Televisão: Tecnologia e Forma Cultural”, escrito Raymond Williams em 1974. Hoje, enfrentamos uma nova possibilidade de televisão, algo híbrido, nas palavras do professor, que mistura televisão com internet e altera as formas de consumo. Em um momento em que o digital e as plataformas de streaming ocupam um novo espaço para exibição de séries, filmes, telejornais e novelas, é preciso pensar novamente os efeitos dessa “nova” tecnologia na sociedade. Como ela age de forma cultural e como agimos com ela.
1) O livro foi publicado há 42 anos, mas agora você e o professor Márcio Serelle fizeram a tradução. Qual a pertinência dos temas discutidos por Williams em sua obra para pensarmos o modelo de televisão atual?
É curioso pensar que o livro foi escrito há 42 anos, mas mantém certa atualidade. Williams em 1970 fez um estudo interessante da televisão sobre os aspectos técnicos e, principalmente, culturais dela como um aparelho. Como a tevê é capaz de difundir e transmitir ideias, pensamentos e influenciar toda uma cultura e uma sociedade? É importante pensarmos sobre qual a sua importância, não apenas em um aspecto técnico, pois tivemos o seu desenvolvimento a partir da eletricidade, mas também dentro da sociedade e de como os programas são capazes de influenciar. O que tem acontecido na sociedade de hoje? Quais são os principais temas discutidos? É muito interessante, porque a televisão também é um reflexo da sociedade, com a programação que reflete grupos específicos e certas demandas. Por muito anos, ela foi configurada como uma babá eletrônica no Brasil, com programas que educavam de alguma forma as crianças que assistiam. É possível ver em pesquisas sobre o consumo de mídias que a televisão ainda é o meio mais acessado pela população brasileira. Raymond Williams elaborou uma pesquisa muito interessante ao analisar a programação de uma emissora britânica e depois uma emissora americana na década de 70. Ele pensou sobre o que está ali, quais são as questões culturais que estão sendo transmitidas e discutidas. Precisamos pensar no que ele anteviu, na possibilidade da exploração da TV aberta e as sinalizações dos canais fechados, de parabólicas e seus impactos no ponto de vista cultural.
2) Hoje a televisão é plural e onipresente, adaptada à tecnologia digital e sua facilidade de transmissão. Contudo, o ministério responsável pela tecnologia e comunicação levantou a proposta de limitar o uso de internet. Esse limite interfere diretamente no consumo do conteúdo televisivo nas plataformas de streaming. Qual a principal dificuldade das emissoras brasileiras de se adaptarem à plataforma digital?
Precisamos analisar duas perspectivas. Primeiro, há uma mudança no sistema analógico para o digital. Ele está sendo desligado aos poucos para o outro ser acionado. Uma grande parte da população tem acesso às televisões de LCD e tecnologia, por isso já passaram para o digital. Contudo, existe uma questão: por que as emissoras ainda não conseguiram desligar totalmente o sistema analógico? Há uma regulamentação de que ele precisa ser desligado em breve, mas nem todas as camadas sociais do Brasil conseguiram realizar essa troca. Principalmente por não estarem financeiramente preparadas. É necessário comprar ou um aparelho televisivo novo que suporte o sinal ou um conversor. Muitos canais vão perder a audiência por causa disso. Percebo que as emissoras entraram com pedidos para aumentar esse prazo, o que significa que existe um número grande de espectadores que ainda não fizeram a passagem de um sinal para o outro. A segunda perspectiva é curiosa, pois você tem a chegada de uma nova maneira de perceber a televisão; o audiovisual por streaming. Temos a implosão do modo tradicional de como ela existe. No sistema de streaming perdura outro tipo de programação, onde podemos controlar o que vamos assistir. É muito diferente da TV aberta e fechada, porque eles oferecem uma programação e precisamos nos adequar. Dessa forma, é estabelecida uma concorrência que as nossas emissoras não estão preparadas para lidar. A ameaça externa do streaming, por causa de sua flexibilidade no consumo do conteúdo, seja ele no computador, tablet, celular ou na própria televisão, contribuiu para que as emissoras abertas veiculassem seu conteúdo à internet. Essa é uma maneira encontrada para dar a resposta. No meio disso, o governo acabou embarcando na proposta ao tentar sobretaxar as emissoras estrangeiras e as possibilidades de streaming também estrangeiros, para proteger o mercado brasileiro de alguma forma. Uma coisa é fato, gradativamente nós vamos partir para um novo jeito de lidar com essa nova televisão, um veículo híbrido misturado com a internet.
3) Foi dito no posfácio a relação existente entre os programas televisivos, pois são organizados dentro de um conjunto de interações e segmentos intencionais. A transferência do conteúdo para a plataforma online quebraria essa lógica de interação? Com a narrativa transmídia, como podemos pensar no efeito dos programas no cotidiano?
Pensemos na internet, mesmo que sejamos capazes de realizar as nossas próprias escolhas, as páginas virtuais possuem algum tipo de patrocínio e de inserção que podemos perceber. Temos nestas páginas a informação e algum tipo de anunciante oferecendo um serviço. O interessante é a capacidade da internet de perceber o conjunto de sites que acessamos, para depois oferecer em propagandas produtos e serviços que atraem a nossa atenção. Mesmo na página institucional já percebemos algum tipo de propaganda, fora as possibilidades do próprio merchandising que vai acontecer nas séries. Temos o personagem segurando a latinha de refrigerante, até mesmo as roupas que eles usam podem ser percebidas por esse âmbito. Assista a série, ouça a trilha sonora e compre os souvenires. Aqui no Brasil já temos essa experiência com as novelas, porque roupas e acessórios viram moda depois de serem vestidos. Mesmo com a segmentação entre os programas, é importante haver algum tipo de linearidade nos pensamentos e de inserção dentro do programa. Será possível que o espectador, de alguma forma, seja convidado a usufruir uma nova experiência. Há uma possibilidade futura de pausar a cena do que assistimos e criar algum tipo de interação com ela. Por exemplo, abrir uma nova janela para buscar determinado produto que aparece nela. Williams imaginava coisas nesse sentido em 1970, até constatou sobre as programações e como as inserções aconteciam. No seriado, filme ou telejornal, somos levados para algum tipo de questionamento cultural. Não podemos perder de vista a possibilidade de algum tipo de consumo compartilhado e de cultura também compartilhada.
Roberto Barcelos é graduando do curso de jornalismo da PUC Minas e monitor do Centro de Crítica da Mídia.