Por Gustavo Fernandes.
Comumente enxergada como um dos formatos mais conservadores do audiovisual brasileiro – e geralmente subestimada por estudiosos do campo –, vez ou outra a telenovela vai ao encontro de profissionais com tendência à experimentação. É o caso de José Luiz Villamarim, renomado diretor conhecido por imprimir o frescor realista ao folhetim diário tupiniquim, mas sem abrir mão do tradicional melodrama do gênero.
Graduado em Economia pela PUC Minas, Villamarim estreou na TV Globo em Anos Rebeldes (1992). Ao longo do tempo, ele trabalhou com diferentes autores e diretores e foi desenvolvendo e aperfeiçoando sua própria linguagem, empregando-a a diversos formatos de audiovisual, de telenovelas ao longa-metragem, como Redemoinho (2016).
Um dos trabalhos de maior destaque da carreira de Villamarim é Avenida Brasil (2012), novela de João Emanuel Carneiro com direção de núcleo de Ricardo Waddington, em que foi responsável pela direção geral ao lado de Amora Mautner. Mautner e Villamarim possuem identidades bastante distintas, cada um com sua própria personalidade. Enquanto Villamarim opta por utilizar poucos cortes em suas cenas, Amora não tem isso como prioridade. O instinto do diretor é notável em diversas cenas da novela, muitas delas caracterizadas por longos planos e, muitas vezes, pela câmera na mão – recurso comum ao cinema documental e de ação, responsável por imprimir crueza e, em alguns casos, tensão através da instabilidade.
Os trabalhos mais expressivos de Villamarim na TV Globo tomam corpo a partir do fenômeno que foi Avenida Brasil, com a direção geral da minissérie O Canto da Sereia, escrita por George Moura e estrelada por Isis Valverde. No ano seguinte, a dupla retomou a parceria em outra minissérie que foi um fenômeno de crítica e repercussão: Amores Roubados. Ainda em 2014, a dupla assinou O Rebu, novela das onze aclamada pela crítica especializada pela qual Villamarim recebeu o prêmio APCA de Melhor Direção. Em todos os três trabalhos, Villamarim empregou sua linguagem pessoal com esmero e precisão, conferindo frescor a cada um deles através de sua simplicidade característica.
Em 2016, o diretor assumiu a condução da minissérie Justiça, de Manuela Dias. Ambientada em Recife, a história acompanha a jornada de quatro personagens distintos que cometeram crimes e que tiveram as respectivas vidas atravessadas pela justiça. Para a obra, Villamarim reforçou os traços característicos que foi desenvolvendo ao longo dos anos, fazendo uso expressivo da crueza realista, sempre aliada à intensa emoção característica do gênero melodramático. A minissérie também faz uso expressivo de pouca iluminação, a fim de reforçar ainda mais o realismo da trama de Manuela Dias – cujo texto possui uma abordagem atrelada justamente ao estilo de Villamarim, viabilizando um encontro artístico praticamente ideal.
Em 2018, Villamarim retomou sua parceria com George Moura e Sérgio Goldenberg na supersérie Onde Nascem os Fortes, ambientada no sertão, assim como foi a minissérie Amores Roubados. Para a obra, o diretor também retomou a parceria com Walter Carvalho, seu diretor de fotografia habitual. O uso de longos planos, de recorrente câmera na mão e de uma decupagem econômica marcaram a produção, assinalada também pelo uso da razão de aspecto 21:9 – comum no cinema, mas pouco frequente na TV aberta –, assim como a minissérie Justiça. O coração idílico de Onde Nascem os Fortes muito se deve ao domínio estético de Villamarim e Luisa Lima (diretora geral da supersérie e parceira frequente de Villamarim), sempre buscando reforçar a atmosfera bucólica associada à constante alternância entre tensão, contemplação e aconchego.
Em 2019, o diretor retomou a parceria com Manuela Dias para a condução de Amor de Mãe, novela das nove protagonizada por Regina Casé, Adriana Esteves e Taís Araújo. Embora a trama possua um apelo muito mais emocional, Villamarim preservou diversos de seus traços característicos: as cenas realizadas de forma econômica com poucos planos – geralmente estáticos ou em câmera na mão – e o constante flerte entre realismo e melodrama. O resultado é algo dificilmente visto mesmo no cinema brasileiro contemporâneo, haja vista a tendência de uniformização estética nele presente, em que o realismo busca distância do melodrama e o melodrama busca distância do realismo. O divórcio entre as diferentes linguagens não é prioridade de Villamarim, apesar de a telenovela possuir convenções das quais é difícil se desvencilhar.
É interessante como até no cinema, o diretor demonstra habilidade no uso econômico de recursos audiovisuais e, mesmo assim, a capacidade de manter distância de obras cinematográficas neorrealistas que fazem uso expressivo da desdramatização – afinal, o principal traço de Villamarim é a associação entre realismo e melodrama, o que foge do formato imposto pelo cinema excessivamente cru e relutante à fabulação característica de obras que buscam a abordagem naturalista.
Em 2021, Villamarim assumiu a direção de teledramaturgia da TV Globo. Em seus trabalhos autorais, o diretor já demonstrou domínio e impôs sua própria marca, além da valorização da experimentação dentro do segmento. Agora, espera-se que ele mantenha sua tendência e imprima tanta identidade à sua era à frente do departamento quanto imprime em seus trabalhos autorais. Afinal, embora seja frequentemente colocada em segundo plano ou mesmo rejeitada por diversos estudiosos de cinema, a TV brasileira é palco de experimentação e pluralidade linguística – e devemos apreciá-la como apreciamos nosso cinema.
Gustavo Fernandes é monitor do CCM e graduando em Cinema e Audiovisual pela PUC Minas.