Por Julia Alvarenga.
O ano de 2020 foi acometido pela atroz pandemia de COVID-19 e o mundo foi obrigado a parar. Também, foi estimulado a repensar a melhor maneira de prosseguir. Influenciados pelas novas circunstâncias, os artistas continuaram produzindo e se reinventando. Um dos resultados da produção em meio ao caos é o álbum folklore, de Taylor Swift.
Swift é uma cantora natural dos Estados Unidos e tem nove álbuns de estúdio. Ela iniciou sua carreira na música country e decolou a partir do álbum Fearless (2008), contendo músicas populares como You Belong With Me e Love Story. Ao longo de sua trajetória, ela conquistou vários prêmios, incluindo 11 estatuetas do Grammy — uma das maiores premiações do mundo da música. No último mês de março, a cantora ganhou, justamente, a sua décima primeira, a terceira em uma das mais importantes categorias: o Album of the Year (Álbum do Ano), por folklore.
A cantora estadunidense lançou o folklore em julho no último ano, com conteúdo lírico análogo ao momento soturno em que vivemos. Minimalista, os títulos das músicas são grafados em letra minúscula. O teor criativo, bucólico e romântico das composições retoma características como o escapismo, a fuga do presente e o retorno ao passado — apesar de também tangenciar a crise pandêmica. Além disso, há um abundante uso de figuras de linguagem; Swift se apresenta uma verdadeira criadora e contadora de histórias.
Em folklore, conta-se com músicas como the last great american dynasty, que narra, com divertidos detalhes e excelente articulação, a verídica história de Rebekah Harkness, antiga moradora de uma mansão em Rhode Island que agora pertence à artista. Além de comentar a realidade, a cantora também decidiu criar histórias novas e fictícias, em seu próprio universo. Três músicas – cardigan, august e betty – comunicam-se entre si e formam a história de um triângulo amoroso; cada música é escrita na perspectiva de uma das partes envolvidas, e os fãs puderam brincar de descobrir os entrelaces.
Taylor Swift se aproveita do escapismo em músicas como seven e the lakes. Na primeira, a cantora foge da realidade e retoma o passado, na idade de sete anos de idade. Ela divaga sobre o sentimento genuinamente infantil e nostálgico de agir conforme mandam seus instintos, e de amar intensamente como uma criança. Já em the lakes, Swift usa uma poesia rebuscada para denunciar seu urgente desejo pela fuga e insatisfação com sua realidade. Mesmo em um trocadilho esperto, a cantora cita o nome Wordsworth — o maior poeta romântico inglês.
A cantora também dedilha sobre a fragilidade do momento, especialmente relativo ao emocional humano. Na música this is me trying, a letra foca na absurda dificuldade de suportar o momento que se vive, mas que a tentativa de superação, quase em súplica, ainda está presente. Em mirrorball, a artista menciona o reflexo involuntário do desejo de constantemente agradar outras pessoas, mesmo sozinha; mesmo quando o mundo se fecha, como na pandemia. Nas palavras de Swift, ainda que fechem o circo, ela permanecerá na corda bamba e no trapézio, preparada para montar um show.
A música que mais se localiza no momento atual, entretanto, é a calma, mas afiada, epiphany. A construção lírica relaciona o serviço dos profissionais de saúde a soldados batalhando durante uma guerra. Em uma das mais tristes composições do álbum, a artista se distancia de metáforas para expor a crua verdade e os intensos desafios de médicos com a fatídica realidade das perdas. Em uma das mais intensas estrofes, diz:
“Something med school did not cover / Someone’s daughter, someone’s mother. / Holds your hand through plastic now / “Doc, I think she’s crashing out” / And some things you just can’t speak about” (Algo que a escola de medicina não cobriu / A filha de alguém, a mãe de alguém. / Seguram sua mão através do plástico agora / “Doutor, acho que ela está desmaiando” / E sobre algumas coisas você simplesmente não consegue falar.) (SWIFT, 2020).
O álbum folklore possui dezesseis músicas, com o acréscimo de uma faixa bônus. Poucos meses após seu lançamento, a estadunidense disponibilizou um documentário pela Disney Plus chamado Folklore: Sessões no Long Pond Studio. Nele, a cantora fornece uma explicação sobre cada uma de suas composições — incluindo aquelas citadas anteriormente nesse texto. Ademais, é nesse filme onde as músicas do álbum foram tocadas em conjunto pela primeira vez, por causa do isolamento, e em forma acústica. Taylor Swift lançou um álbum irmão do folklore em dezembro, chamado evermore. Com letras e histórias tão boas quanto o primeiro, ele ainda há de participar das futuras premiações.
O folklore foi um álbum distante dos trabalhos anteriores de Swift, mas que de qualquer forma foi recebido de braços abertos pelo público e pela crítica profissional. De maneira geral, o disco se tornou uma espécie de refúgio para os fãs, que, juntamente com a artista, mergulharam em seu folclore bucólico — escapando do caos; transformando-o em arte.
Julia Alvarenga é monitora do CCM e graduanda em Cinema e Audiovisual pela PUC Minas.