Por Clara Pellegrini
Todos os cinemas contra-hegemônicos – por mais singulares e imensamente distintos entre si que sejam – compartilham do desafio de lutar para alcançar espaços e públicos que o cinema dominante já tem como dados. Nesse sentido, a Mostra de Cinemas Africanos proporciona, desde 2018, um espaço de exibição em território brasileiro para filmes de variadas durações, gêneros e territorialidades, de cineastas africanos contemporâneos que tenham sido realizados nos últimos cinco anos; em sua maioria, inéditos no Brasil. A curadoria seleciona produções originárias de diferentes países da África e também de territórios afrodiaspóricos, geralmente a partir da trajetória desses filmes em festivais notáveis ao redor do mundo – é, como consta no site da Mostra, “uma chance rara ao público brasileiro de criar repertório sobre uma cinematografia vibrante e diversa em temáticas, paisagens e estéticas”.
Esse ano, a Mostra de Cinemas Africanos acontece entre os dias 12 e 22 de março. Tendo sido anteriormente realizada em diferentes localidades brasileiras (como Salvador, Porto Alegre, Aracaju, Poços de Caldas e São Paulo), a edição de 2021 ocorre especialmente em formato online – única maneira possível no atual contexto pandêmico, com números cada vez mais alarmantes e sem perspectiva de melhora imediata. A iniciativa é viabilizada através de uma parceria com a Spcine Play, plataforma pública de streaming nacional que conta com mais de 300 títulos no catálogo (entre filmes e séries), todos acessíveis gratuitamente até o dia 31 de março de 2021 – vale conferir, além dos filmes da Mostra, outras ótimas produções disponíveis. Para ter acesso às obras é necessário um rápido cadastro, feito a partir do próprio site da Spcine Play, na plataforma parceira Looke; depois, é só acessar a aba referente à Mostra de Cinemas Africanos e dar o play.
Na edição de 2021 serão exibidos 7 documentários em longa metragem e 14 curtas de ficção, todos legendados em português e disponíveis apenas em território brasileiro. Os curtas-metragens têm curadoria de Ema Ribeiro, Jamile Cazumbá e Alex Antônio e são divididos em três programas temáticos, que estreiam nos dias 13, 15 e 17 de março, às 19 horas, ficando disponíveis até o final da Mostra sem limite de visualizações – vale notar que as sessões inaugurais de cada programa contam com comentários de especialistas. Como descrito no site, “O primeiro programa de curtas, intitulado Memória: performatividades entre-tempos reúne cinco filmes que exploram linguagens experimentais em torno de nuances da memória. O segundo, Vivências do novo e perspectivas do agora, explora a diversidade de experiências das infâncias e juventudes africanas contemporâneas. Já o terceiro, Corpo-território: transversalizando os espaços, apresenta narrativas que colocam em disputa diferentes noções de territorialidades quando falamos de África. Os filmes que compõem a programação de curtas são todos de ficção, incluindo quatro inéditos no Brasil: Ward e a Festa da Henna (Egito), Tab (África do Sul), Encrenqueiro (Nigéria) e Boa Noite (Gana) – este último integra a shortlist para indicação ao Oscar 2021.”
No que tange aos longas, a edição deste ano exibe, de maneira inédita, apenas documentários africanos contemporâneos. A curadoria é de Ana Camila Esteves e Beatriz Leal Riesco – idealizadoras da Mostra – e os filmes ficam disponíveis por apenas 72 horas após a estréia na plataforma da Spcine Play, com limites de visualizações específicos por documentário – é importante, portanto consultar a programação para se organizar quanto à exibição. Segundo as organizadoras, “a ideia foi trazer para o Brasil filmes que giram em torno da ideia de ativismos africanos, traçando um breve panorama das formas contemporâneas de luta e resistência em diversos territórios do continente. Tanto no âmbito macro como no micro, as narrativas apresentadas oferecem ao público brasileiro um repertório atual sobre exercícios diários de lutas cotidianas, que vão desde enfrentamentos corpo a corpo na rua até investigações íntimas sobre o passado e a relação com diferentes gerações de uma família”. Tangenciando ativismo, crítica social e protagonismo feminino, os documentários são dirigidos por cineastas do Quênia, Marrocos, Gana, Egito, Etiópia e República Democrática do Congo. São eles: Pare de nos filmar (2020), Softie (2020), Descobrindo Sally (2020), Vamos Conversar (2019), Um Lugar sob o Sol (2019), Sakawa (2018) e Me Chamo Samuel (2020), longa que encerra a Mostra – todos os 7 nunca antes exibidos no país.
Além dos filmes e comentários de especialistas nos três programas de curtas, a programação conta ainda com uma mesa redonda sobre o documentário nos cinemas africanos contemporâneos e a produção de um catálogo com apresentações dos filmes e textos de convidados. Esta edição da Mostra de Cinemas Africanos acontece junto ao Cineclube Mário Gusmão, projeto de extensão da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, e tem realização da Ana Camila Comunicação e Cultura em parceria da Spcine Play, com apoio financeiro do Estado da Bahia. Vale notar que, além da Mostra, são desenvolvidos também outros projetos, como parcerias de curadoria e programação com diversos festivais no Brasil e no mundo, cursos e outras atividades de reflexão sobre e formação em cinemas africanos e o projeto de cineclube Cine África, em Salvador.