Por Jessica de Almeida.
A cobertura jornalística focada em cidades, chamada em algumas redações de Gerais, Cidades, Diário, costuma figurar o primeiro caderno dos jornais impressos. Da mesma forma, é a editoria que concentra o maior número de repórteres. Notícias a respeito da mobilidade urbana e trânsito são comuns, mas elas traduzem os leitores às reais problemáticas dos transportes, suas origens e soluções?
Cobrir o que ocorre nas ruas e avenidas, com atendimento ao interesse público, exige compreensão da complexidade do tema, das particularidades dos diversos modos de deslocamento às desigualdades socioespaciais.
Ao retratar a realidade dos que precisam e querem usar a bicicleta como meio de transporte, seja como modal único ou em combinação com o transporte coletivo, por exemplo, é comum o uso do termo “acidente” para ocorrências de trânsito que resultam da irresponsabilidade de motoristas. A escolha torna as más condutas no trânsito como algo banal e gera dúvidas sobre a responsabilidade da ocorrência, afinal, a “acidente” é um acontecimento fortuito, fruto da casualidade.
A violência no trânsito é uma das principais causas de mortes e incapacitações temporárias ou permanentes no Brasil. Ela provoca fenômenos conhecidos, esperados, evitáveis. Fenômenos sobre os quais o poder público patina, mas ainda encontra dificuldade em emplacar soluções – sendo a principal delas a diminuição da velocidade de ruas e avenidas.
“Ocorrência”, “colisão”, “capotamento”, “atropelamento” ou mesmo uma descrição mais detalhada da situação, como “invasão da calçada”, são termos mais adequados do que “acidente” para retratar as fatalidades no trânsito. A propósito, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) alterou a terminologia acidente de trânsito para “sinistro de trânsito”, provando que mudanças lexicais fazem parte da transformação de realidades violentas.
O mesmo ocorre quando emprega-se expressões como “pedestres disputam espaço com carros”. É preciso trazer pacificação ao ecossistema da mobilidade e o entendimento de que todos juntos formam o trânsito. As chamadas, títulos, manchetes e comentários da grande imprensa são territórios informativos e neles devem morar a ideia de compartilhamento e democratização das vias se o objetivo é atender ao interesse público.
Para amenizar os efeitos (ou falta deles) das coberturas fatalistas ou pouco voltadas à remediação dos problemas da mobilidade urbana, cada vez mais jornalistas têm aderido à prática do jornalismo de soluções.
É possível que os efeitos negativos e de desestímulo ao uso de outros modais de transporte que não sejam os carros dêem lugar a possíveis respostas para os desafios enfrentados cotidianamente por pedestres, ciclistas, entregadores e usuários do transporte coletivo? Sim. A busca pelo interesse público e pela participação informada estão no reporte de medidas de infraestrutura, fiscalização, educação e comunicação. Elas precisam de espaço na atual cobertura da mobilidade urbana. A pacificação não é uma necessidade apenas do trânsito, mas também das redações.
Jessica de Almeida é mestranda em Comunicação Social pela PUC Minas.