POR: João Víctor Plá
No final do ano de 2018, uma iminente onda de manifestações e protestos abalaram o Sudão. Esses protestos tinham como objetivo a deposição do ditador Omar al-Bashir, que governou o país por quase 30 anos e que em abril de 2019, foi deposto por militares que deram um golpe de Estado e assumiram assim, o poder do terceiro maior país da África. Bashir foi deposto em abril e em dezembro foi condenado por corrupção. Após o golpe de Estado de 2019, o país foi governado por um conselho militar, conhecido como “Conselho Militar de Transição” (TMC), liderado por Adbel Fattah al-Burhan e, em agosto do mesmo ano, o TMC se juntou a líderes civis da oposição formando, portanto, o Conselho Soberano de Transição. Em outubro de 2021, esse governo dividido entre militares e civis chega ao fim com outro golpe de Estado feito pelas forças armadas, que tomaram o poder do país em sua totalidade. Desde então, o país do norte da África não tem um dia sequer de paz. O conflito entre Abdel Fattah al-Burhan (líder das Forças Armadas Sudanesas) e Mohamed Hamdan Dagalo (comandante das Forças de Apoio Rápido) já matou mais de 4 mil pessoas (uma média de 40 mortes por dia), entre elas civis, trabalhadores, mulheres e crianças e isso foi pouco noticiado pela mídia global, diferentemente da guerra da Ucrânia que têm sido noticiada quase que diariamente.
Golpe Militar de 2021
“Há muitas diferenças entre os dois conflitos e os interesses envolvidos. Mas a resposta internacional e humanitária à guerra no Sudão tem sido praticamente inexistente, ao contrário do que acontece na Ucrânia”, diz Nisrin Elamin, professora da Universidade de Toronto. A falta de atenção da mídia – e de diversos órgãos globais – para países subdesenvolvidos ou pouco desenvolvidos pode estar totalmente ligada a um racismo que está enraizado no mundo. No livro “Herança do Golpe”, Jessé Souza faz um excelente resumo do que seria esse racismo. Ele diz: “Afinal, ‘racismo’ passa a representar toda forma de se reduzir o outro à animalidade dos afetos e do corpo, retirando, desse modo, seu estatuto humano.” A partir do momento em que quase 40 pessoas morrem por dia em uma guerra e essas informações não são noticiadas, a população desse país e o próprio país são reduzidos à animalidade, são considerados menos importantes tendo em vista que no norte do globo uma guerra e diversos outros conflitos são noticiados quase que diariamente em todo o mundo.
Sudaneses nas ruas em busca de uma democracia
O Sudão, país que passou por tantas dificuldades internas e hoje enfrenta uma guerra, encontrou-se às margens da atenção midiática global. Como citado pela Professora Nisrin Elamin, o descaso de órgãos humanitários e da mídia perante estes conflitos está totalmente enraizado no que o sociólogo Jessé Souza denomina como racismo e até mesmo como o “racismo cultural e étnico”. O evidente contraste entre o tratamento da guerra da Ucrânia e a guerra do Sudão, expõe uma clara seletividade por parte da mídia e da população, tendo em vista que matérias como a guerra do Sudão não geram repercussão no país. Evidencia, também, um grande dilema enfrentado hoje no mundo, que é a desigualdade social e a desvalorização da vida humana em determinados lugares do mundo, uma vez que países africanos são marginalizados na mídia mundial e não são considerados importantes em comparação a outras partes do mundo, mesmo enfrentando conflitos que são até piores e mais urgentes do que em outras partes do planeta.
Levando em consideração o que foi exposto, é importante refletir e buscar incessantemente por informações não só de uma parte do globo, mas de todas. Torna-se importante a luta para que organizações mundiais deem o suporte necessário para que o conflito no Sudão acabe e que a mídia dê exemplo a todos os cidadãos, mostrando o que está acontece nesta parte do mundo. Todas as vidas importam independentemente de sua geografia ou contexto.
Mais de 200 mil pessoas já fugiram do país desde o início dos conflitos