Por Gabriela Barbosa.
O ano de 2018 marca o bicentenário de uma das obras mais aclamadas e reconhecidas da literatura mundial: Frankenstein, escrito pela inglesa Mary Shelley. A obra, considerada por muitos berço da ficção científica, foi o pontapé para a criação do seminário De Shelley a Atwood: Ficção Científica por Mulheres, que ocorreu na Faculdade de Letras (FALE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no dia 6 de novembro. O evento foi organizado pelo Núcleo de Utopismos e Ficção Científica e, nessa primeira jornada, a palestra de abertura foi articulada pelo professor Julio Jeha.
Em “Ética da criação em Frankenstein”, Julio Jeha fez um apanhado biográfico de Mary Shelley e do enredo da sua obra, enunciando algumas questões que permearam a escrita, a publicação e a circulação do livro. Na primeira publicação de Frankenstein, não constava o nome da autora. Muitos atribuíram a criação ao pai ou até ao marido de Mary Shelley, sem imaginar que ela poderia ter sido a responsável. Na época com 18 anos, Shelley construiu o enredo a partir de um encontro com amigos e de uma competição para saber quem criava a história de terror mais assustadora.
Julio Jeha atribui o sucesso à sua complexidade narrativa, pois coloca em discussão questões de autoria e verdade narrativa, sem traçar uma história linear dos acontecimentos, levantando as perspectivas pelo ângulo de outros personagens e suscitando uma reflexão: quem é o monstro – a criatura ou o criador? O aspecto do espelhamento é comentado, se referindo a personagens que se veem como um reflexo de outros, assim como Dr. Frankenstein e a sua criação. Jeha também cita a palavra “simpatia”, escrita 19 vezes ao longo da obra, demonstrando uma demanda da criatura frente ao mundo.
Para além da palestra de abertura, a jornada contou com duas mesas redondas. A primeira, “Ficção científica contemporânea escrita por mulheres”, propôs um diálogo entre três trabalhos: a “Ficção Científica por Mulheres Negras”, por Fernanda Sousa Carvalho; “De totalitarismo de O conto da aia à promessa de novo começo da trilogia MaddAddam: as narrativas distópicas de Margaret Atwood”, por Melissa Cristina Silva de Sá e “Os Limites da Imaginação na Ficção Científica de Octavia Butler”, por Silvia Moreira dos Santos Rocha.
Já a segunda mesa redonda comentou sobre as “Transgressões midiáticas em ficção científica”, com os seguintes trabalhos: “O Estado totalitarista como metáfora para a moderação do inconsciente. O caso de Kallocain de Karin Boye.”, por Valéria S. Pereira; “La science-fiction française no cinema: Agnès Varda e Les creatures”, por Pedro Groppo e “‘Hopeful Monsters’: gênero e transgressão”, por Juliana Borges.
Durante as discussões, enfatizou-se a imagem inferiorizada que o gênero de ficção científica carrega no mundo literário. Entretanto, o estilo pode ser pensado como um lugar de valorização de uma cultura ou de um povo marginalizado em face a uma sociedade que o invisibiliza. O gênero traz em si uma humanidade que não necessariamente está descrita na veracidade de sua estética, mas nas relações, na sua visão crítica do mundo e nas suas representações.
Assim, consegue, fora do que se considera uma “alta literatura”, questionar realidades e apontar suas falácias, brechas e problemas. Especialmente quando se dá voz a um grupo silenciado no cânone literário, tal qual as mulheres e suas devidas intersecções, se observa uma das funções da escrita no que Melissa Cristina Silva de Sá citou sobre O Conto da Aia: contar histórias ajuda a entender o mundo a sua volta, mesmo que ele não pareça ter solução, além de uma maneira de prolongar a própria existência, mantendo a sanidade, a reflexão e a manutenção do seu “eu”, mesmo em um contexto caótico.
Gabriela Barbosa é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUC Minas e graduada em Publicidade e Propaganda. É membro do grupo de pesquisa Mídia e Narrativa.