Por: Neemias Feres
Nos últimos anos, a participação de celebridades na política tem se tornado um fenômeno cada vez mais comum em diversos países. Figuras do entretenimento, do esporte e das redes sociais têm utilizado sua popularidade para conquistar cargos públicos e influenciar o debate político. Essa tendência, porém, levanta discussões sobre os benefícios e desafios dessa participação, pois, enquanto alguns enxergam nelas a capacidade de mobilizar a sociedade e trazer visibilidade para pautas importantes, outros questionam sua experiência e preparo para enfrentar as complexas demandas da gestão pública.
O ingresso de celebridades na política pode ser uma faca de dois gumes. Por um lado, elas podem trazer atenção para temas importantes, criar mobilização e engajamento, e até mesmo apresentar propostas que chamem a atenção para questões sociais. Por outro lado, celebridades não têm necessariamente o preparo técnico ou a experiência para lidar com os complexos desafios administrativos e políticos de um país.
O cantor Gusttavo Lima, durante uma live no Instagram na madrugada de sábado, 8 de fevereiro de 2025, emocionou-se ao falar sobre a Presidência da República, afirmando ter conversado com Deus sobre o assunto. Na segunda-feira, 3 de fevereiro, ele havia dito que “só Deus poderia parar um sonho”. Gusttavo compartilhou sua história de superação, mencionando que, quando criança, viveu em condições de extrema pobreza e precisou fugir da fome, descrevendo a realidade de milhões de brasileiros que ainda enfrentam dificuldades semelhantes.
Ele relatou experiências difíceis de sua infância, como comer abóbora com farinha e água fingindo ser leite, e ressaltou a falta de segurança e infraestrutura no país. O cantor também falou sobre sua perda familiar e como, no passado, questionou a existência de Deus. Apesar de não ser político e não estar filiado a um partido, Gusttavo Lima acredita que sua vida tem um propósito e que Deus o teria escolhido para se tornar presidente da República.
Pablo Marçal, empresário e influenciador digital, sinalizou uma possível aliança com o cantor Gusttavo Lima para a eleição presidencial de 2026, mas deixou claro que seu objetivo é ser o cabeça da chapa, concorrendo à presidência, e não como vice. O convite para uma aliança foi feito pelo presidente do Partido Renovador Trabalhista (PRTB), Leonardo Avalanche, que sugeriu que Gusttavo Lima fosse lançado como candidato a presidente, com Marçal como vice. No entanto, Marçal não concordou com esse arranjo.
Além do PRTB, outra a celebridade, como Gusttavo Lima, se lança na política com um discurso emocional e religioso, sem uma base sólida de políticas públicas e sem o devido preparo, há o risco de que a figura de autoridade seja baseada mais na popularidade e no carisma do que na competência ou no conhecimento necessário para a governança. Além disso, as promessas feitas por figuras carismáticas podem ser vagas ou irrealistas, levando a frustrações entre os eleitores quando não são cumpridas.
Outro ponto é que celebridades têm uma capacidade única de influenciar a opinião pública. A adoção de um discurso populista pode, por sua vez, criar uma “seita” de seguidores s legendas, como o União Brasil e o PP, têm demonstrado interesse por Gusttavo Lima, mas preferem vê-lo como candidato ao Senado por Goiás, ao invés de uma candidatura presidencial. Apesar disso, o cantor anunciou sua pré-candidatura à presidência em janeiro e recebeu apoio público de Marçal, que inclusive fez questão de parabenizá-lo pela decisão.
A movimentação política em torno de Gusttavo Lima e as disputas de poder entre os envolvidos deixam claro que, embora o cantor tenha se aventurado na política, ainda há muita indefinição sobre qual papel ele desempenhará no cenário eleitoral de 2026. O cenário parece indicar uma busca por protagonismo, tanto de Marçal quanto de outras lideranças partidárias, enquanto o cantor ainda avalia suas opções.
O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) criticou as pessoas que estão “menosprezando” a iniciativa do artista. Para o parlamentar, a pré-candidatura de Gusttavo Lima mostra que a escassez de representação política atinge “do cidadão comum ao sertanejo milionário”.
“Erra quem menospreza a fala do Gusttavo Lima sobre uma candidatura presidencial. Erra por não entender que na democracia qualquer um pode ser candidato, mas principalmente por não perceber a carência de representação política que aflige do cidadão comum ao sertanejo milionário”, disse Vieira no X (antigo Twitter).
Aliados próximos de Bolsonaro, os deputados Capitão Alberto Neto (PL-AM) e José Medeiros (PL-MT) adotaram uma retórica diferente dos outros políticos de direita. Eles rebateram a ideia do sertanejo de se candidatar à Presidência afirmando que ele deveria ser um “embaixador”. O termo faz referência ao apelido pelo qual Gusttavo Lima é conhecido no mundo da música.
A possível candidatura de Gusttavo Lima à Presidência expõe um cenário preocupante da política brasileira, onde a popularidade muitas vezes se sobrepõe à qualificação e à experiência administrativa. Embora o senador Alessandro Vieira defenda o direito democrático de qualquer cidadão se candidatar, sua argumentação ignora a necessidade de preparo técnico para ocupar um dos cargos mais complexos do país. A política exige mais do que carisma e engajamento; demanda conhecimento profundo sobre economia, gestão pública e relações internacionais. Além disso, a reação de aliados de Bolsonaro, que sugeriram que o cantor fosse um “embaixador” em vez de candidato, reforça a ideia de que mesmo dentro do espectro político da direita há o reconhecimento de que celebridade não é sinônimo de capacidade política.