Por Rosana de Lima Soares. Na oficina “Crítica de Mídia e Arte Urbana”, buscamos apontar a presença da arte urbana na cidade de São Paulo (SP) e as diferentes narrativas presentes nas mídias a respeito dessa questão, tendo como objetivo analisá-las em perspectiva crítica a partir de aportes dos estudos de discurso e dos estudos culturais. Os objetivos foram: a) compreender a função da crítica de mídia; b) observar diversas narrativas midiáticas em torno de uma mesma questão, enfatizando os estigmas, estereótipos e preconceitos nelas presentes; c) realizar a análise crítica de narrativas midiáticas sobre a questão do grafite na cidade de São Paulo.
A análise de narrativas midiáticas sobre o grafite na cidade de São Paulo visa, portanto, descrever, analisar e interpretar seus múltiplos discursos; compreender e desconstruir os sentidos nelas presentes; propor novos modos de criação e circulação dessas narrativas a fim de produzir outros significados sobre o tema, interferindo em suas apropriações sociais e para a desconstrução de estigmas e preconceitos. Trataremos dos sistemas de produção (circulação), recepção (apropriação) e criação (obras), concebendo-os como interdependentes em relação às manifestações culturais urbanas e seus modos de intervenção social, por meio de conceitos relacionados à crítica de mídia, à análise de discurso, aos modos de construção da representação de alteridades nas mídias e aos estigmas sociais.
Dois eventos recentes motivaram nossas escolhas: o apagamento, por iniciativa da prefeitura, de diversos grafites criados por artistas reconhecidos em lugares destacados da cidade de São Paulo, que foram recobertos com tinta cinza em nome do “embelezamento” e “higienização” da cidade; e a iniciativa de um morador de um bairro turístico de São Paulo (conhecido por ter espaços de grafite em suas ruas) de pintar de cinza um grafite presente no muro de sua casa a fim de chamar a atenção do poder público para questões locais. Os dois eventos foram amplamente noticiados nas mídias, em diversos formatos, dos quais escolhemos os seguintes conteúdos: imagens fotográficas de grafites na cidade de São Paulo; reportagens de telejornais tradicionais e de programas jornalísticos televisivos; vídeos na internet sobre os episódios.
O protocolo para análise crítica dessas produções foi estabelecido a partir de quatro pontos. O primeiro ponto é a questão da própria crítica, para que pensemos o que é a crítica da mídia, quem pode fazê-la, quais os critérios para realizá-la, sua finalidade e função social. O segundo é questão dos estigmas sociais nas mídias, que nos serve de recorte para um universo bastante vasto, já que essa é uma temática recorrente e importante pois trata das questões de identidade, visibilidade e reconhecimento social, e dos embates entre os diversos grupos sociais. O terceiro diz respeito à análise do discurso crítica, que apresenta uma metodologia para realizar a crítica da mídia em torno da temática dos estigmas sociais. E o quarto ponto é o próprio material empírico escolhido para as análises, também contando com critérios definidos a partir de uma ampla pesquisa para seleção e organização prévia do material coletado. Assim, a temática dos grafites na cidade de São Paulo não será tratada como um tema genérico, artístico ou atemporal, mas a partir de episódios concretos desde que o prefeito, João Dória, resolveu cobrir os grafites em vários pontos da cidade. Essa decisão se mostrou muito midiática e foi largamente midiatizada, pois se trata uma decisão polêmica, com posições favoráveis, opiniões contrárias, manifestações de rua, protestos, falas de organizações não governamentais, artistas, movimentos sociais, autoridades públicas, moradores. Temos aí uma grande variedade de discursos e uma polifonia narrativa em torno desse tema tanto na televisão como em jornais, revistas e internet, especialmente muitas produções audiovisuais que nos auxiliam a refletir sobre a questão da arte de rua na cidade de São Paulo.
Rosana de Lima Soares é professora livre-docente no Departamento de Jornalismo e Editoração e no Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). É coordenadora do Grupo de Estudos de Linguagem: Práticas e Midiáticas (MidiAto) e bolsista de Produtividade em Pesquisa (CNPq).