Por Fábio Garcez.
Após a edição de 2020 ter sido cancelada devido à pandemia da Covid-19, em 2021 finalmente tivemos o retorno do Cannes Lions, o maior festival de criatividade do mundo, que ocorreu entre os dias 21 e 25 de junho, julgando trabalhos tanto desse ano quanto do anterior. Com um grande número de campanhas focadas em pautas sociais e na exploração de novas mídias em busca de conectar melhor as pessoas, essa edição evidenciou o quanto a pandemia foi um grande catalisador para muitos problemas da sociedade contemporânea. Em contrapartida, ela também escancarou a urgência da solução para essas questões, o que levou o mercado e os profissionais da comunicação e da publicidade a repensarem o seu papel em meio a esse contexto, tendo que se reinventar criativamente.
Tais mudanças refletem no evento em si, tanto em seu formato, dessa vez virtual, quanto em seus critérios e prioridades na premiação. Os principais premiados dessa edição foram, em sua maioria, voltados para problemas reais e atuais, como a campanha “#WombStories”, da Libresse, vencedora do Grand Prix de Titanium (o principal do festival) e de outros GPs nas categorias Health & Wellness e Film Craft, que buscou retratar de forma única a experiência feminina em relação ao útero, dos momentos de maior prazer aos de maior sofrimento.
Vale também apontar alguns dos muitos destaques nesse sentido vindos da América Latina, como o case argentino Degree Inclusive, da Unilever, no qual foi criado um desodorante adaptável para pessoas com deficiência, e o colombiano Tienda Cerca, da AB InBev, no qual foi desenvolvida uma plataforma digital para facilitar o contato entre os pequenos comerciantes locais e a população, após o fechamento dos estabelecimentos por conta da pandemia.
O Brasil, apesar de ter conquistado apenas 67 leões (o menor número de prêmios em Cannes desde 2012), encerra sua participação no festival pela primeira vez na história com três Grand Prix em uma única edição, o que pode indicar um futuro mais positivo para a publicidade brasileira. Um deles foi pela campanha Eu Sou para o Starbucks, que transformou unidades da rede em locais nos quais pessoas transgênero poderiam mudar oficialmente seus nomes.
Ao observar esses e outros exemplos de trabalhos premiados no evento, é possível constatar alguns fatores em comum: coragem ao tocar em temas sensíveis e explorar novos mercados, consistência no posicionamento e nas ações das marcas ao longo dos anos e criatividade utilizada para solucionar desafios e gerar resultados. Pode-se afirmar, portanto, que Cannes Lions não premia mais unicamente o aspecto criativo das campanhas e peças inscritas, o que é o reflexo de uma ressignificação do valor e da função da criatividade nesse mercado, e o seu potencial de sair do campo das ideias e impactar objetivamente a realidade.
A princípio pode parecer negativa e limitadora essa associação direta da criatividade com a eficácia, por meio da análise de dados a respeito do comportamento do consumidor. Afinal, se o que é premiado é só o que traz resultados de um ponto de vista de negócios, como garantir que todas essas empresas não estejam sendo apenas oportunistas, realizando esses projetos criativos com o único interesse no lucro e nos benefícios mercadológicos que eles podem trazer? Certamente é um questionamento válido, mas a união entre criatividade e dados traz alguns frutos positivos.
Um exemplo é que, aliando-se a essas métricas, a criação no meio publicitário se distancia de uma posição totalmente lúdica (bem mais subjetiva e difícil de avaliar) para se aproximar da vida real. Reconhecer a importância disso é perceber que não bastam mais só ideias geniais e exercícios de futurologia, é preciso ser criativo para impactar e transformar a sociedade hoje. Além disso, apresentar estatísticas ao cliente como argumento para defender o potencial de resultados de uma ideia é uma forma de transmitir segurança, o que tende a render mais recursos e mais liberdade aos criadores. Isso permite a realização de projetos ousados e disruptivos, o que é extremamente positivo tanto para quem faz, quanto para quem consome esses produtos midiáticos.
Enfim, é por acompanhar essas constantes mudanças do mercado e do mundo e entender a necessidade delas que o festival de Cannes Lions continua importante, premiando, direcionando e inspirando o que se espera de uma comunicação relevante e bem executada hoje. Como um evento que tanto molda quanto reflete seu meio há tanto tempo, é essencial que enalteça cada vez mais o poder da publicidade na normalização de novos pensamentos e na desconstrução de preconceitos no cotidiano, bem como o valor da criatividade enquanto uma ferramenta poderosíssima de transformação social verdadeira, buscando soluções para desafios humanos e globais.
Fábio Garcez é monitor do CCM e graduando em Publicidade e Propaganda pela PUC Minas.