Por Rodrigo Siqueira Rodrigues.
Do dia em que o primeiro caso do novo coronavírus foi confirmado no país, em 26 de fevereiro de 2020, até a presente data, governo, mídia e órgãos de saúde travam uma guerra para conter não apenas a disseminação do vírus, como também as fake news relacionadas à doença. Como vimos em matéria neste blog, a Organização Mundial da Saúde (OMS) explica que, além da pandemia, o mundo vive uma infodemia: isto é, uma infestação de informações falsas. No entanto, entidades de vários países trabalham desde o início do surto para conter a propagação de notícias falsas.
A Aliança Internacional de Checagem de Fatos (IFCN, na sigla em inglês) é uma delas. Lançada em janeiro de 2020, a rede foi a primeira a reunir jornalistas, verificadores de fatos, educadores e estudantes de todo o mundo para analisar notícias relacionadas ao novo coronavírus. Para se ter uma ideia, entre os meses de janeiro e maio de 2020, mais de 6,2 mil informações que envolviam a Covid-19, divulgadas em 74 países, foram classificadas como falsas. “É a maior batalha que os checadores do mundo já enfrentaram. Nunca houve um episódio que gerasse tanta notícia falsa, em várias línguas, ao mesmo tempo”, disse Cristina Tardáguila, diretora-adjunta da IFCN.
No Brasil, a Agência Lupa, em parceria com a Folha de S. Paulo, ficou responsável por verificar a autenticidade das notícias associadas ao novo coronavírus. Eles desenvolveram um site que classifica as afirmações sobre curas, contágios, teorias da conspiração, autoridades, situação de um país na pandemia e outros, em nove categorias: “verdadeiro”, “verdadeiro, mas”, “ainda é cedo para dizer”, “exagerado”, “contraditório”, “subestimado”, “insustentável”, “falso” e “de olho”.
Abaixo, uma pequena lista com manchetes de notícias propagadas no Brasil, checadas pela Agência Lupa e classificadas como falsas:
- Chá de boldo evita a Covid-19;
- O H1N1 foi mais letal que a Covid-19 no Brasil;
- Governo brasileiro aplicará taxas a todos que forem pegos na rua após 24 de março;
- Máscaras faciais reduzem a imunidade e ajudam a espalhar o coronavírus;
- Covid-19 pode ser curada com uma infusão de alho, limão e jambu;
- Vitamina C com zinco previne e trata a infecção por coronavírus;
- Evite beber água fria durante a pandemia;
- Receita para álcool caseiro: misture 3 partes de etanol com 1 parte de água;
- A auto-hemoterapia cura a Covid-19;
- Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) está vendendo 500 frascos “abençoados” de desinfetantes para as mãos.
Outro caso de fake news que viralizou e recebeu ampla repercussão na imprensa e nas redes sociais foi o da vendedora Valdete Pereira. Ela gravou um vídeo acusando a prefeitura de Belo Horizonte de enterrar pedras e pedaços de madeira em caixões no lugar de supostas vítimas da Covid-19. Segundo seu advogado, Alexsander Ribeiro, Valdete teria visto a informação em uma outra rede social. Coincidentemente, uma cliente na loja onde a vendedora trabalha também comentou sobre o assunto, o que a fez acreditar na veracidade do ocorrido.
Mas a preço de quê pessoas compartilham notícias falsas? Por que não procuramos fontes confiáveis de informação? Uma reportagem publicada pela VEJA, em 2018, traz um estudo feito pela revista Science com a possível resposta.
De acordo com os pesquisadores, o ser humano é mais propenso a consumir “notícias” e comentários que estão de acordo com seus modos de pensar e ignoram informações que desafiam suas opiniões e ideologias.
Entre os psicólogos, esse processo recebe o nome de “raciocínio motivado”: em vez de escolhermos conclusões derivadas de evidências – raciocínios, fontes de dados, interpretações – que têm mais chance de nos levar à verdade, somos emocionalmente induzidos a buscar os meios que vão ao encontro com nossas visões de mundo.
Um outro termo que nos ajuda a entender a relação das pessoas com as fake news é o de pós-verdade. Eleita palavra do ano, em 2016, pela Oxford Dictionaries – departamento da universidade de Oxford responsável pela elaboração de dicionários –, pós-verdade diz respeito a um desvio, uma reorientação da verdade que é conduzida por meio de interesses particulares de políticos, institutos de pesquisas, agências de relações públicas, organizações da sociedade civil, jornalistas e também do cidadão comum. No ano em que a palavra ganhou destaque, um boato circulou no meio político e repercutiu nas redes sociais: o de que o Papa Francisco teria demonstrado apoio a candidatura de Donald Trump.
A atuação do cidadão comum na era da pós-verdade ganha destaque com a massificação da internet, mais especificamente das redes sociais. O sujeito passa a criar, publicar e compartilhar o seu próprio conteúdo. É essa emancipação do indivíduo que vem estimulando, ano após ano, sua descrença com a imprensa e com as chamadas mídias tradicionais – emissoras de rádio, TV e jornais impressos e digitais. O problema é que algumas informações disseminadas em redes sociais como Facebook ou WhatsApp são falsas, inexatas, exageradas ou incompletas.
Entretanto, ao que parece, a crise epidemiológica do novo coronavírus, um dos momentos mais difíceis vividos pela humanidade desde a Segunda Guerra Mundial, parece recuperar gradativamente o protagonismo da imprensa e das já citadas mídias tradicionais. Isso porque a cobertura realizada por jornalistas e demais profissionais da área, comprometidos em apurar, checar e cobrir a verdade dos fatos, se tornou uma vacina poderosa no combate à propagação das fake news sobre a Covid-19.
Mais do que desmentir notícias falsas, para convencer a população sobre o grau de letalidade do vírus, os principais veículos de comunicação passaram a dar ênfase nos relatos de médicos, enfermeiros e também de familiares que tiveram parentes mortos pelo novo coronavírus. O Jornal Nacional, telejornal da Rede Globo, exibe todas as noites o quadro Aqui Dentro. Nele, profissionais de saúde, que estão na linha de frente do combate à pandemia, gravam vídeos contando o que estão vendo, fazendo e sentindo no dia a dia nos hospitais. Já o dominical Fantástico reúne a cada programa atores da Globo para lerem depoimentos de parentes das vítimas do novo coronavírus. Isso tem feito toda a diferença para reverter o grau de negacionismo da população à realidade da pandemia de Covid-19.
Como vimos, a mídia tradicional vem recebendo destaque pela forma como está abordando assuntos relacionados ao novo coronavírus. Mas é importante destacar que as redes sociais, ainda que sejam os principais meios de disseminação de notícias falsas, também têm atuado no combate às fake news. O Twitter, por exemplo, incluiu tarjas com alertas para informações que podem ser controversas ou enganosas sobre a Covid-19. O Facebook colocou avisos pop-up em conteúdos inverídicos. E o WhatsApp lançou, no início de maio de 2020, um bot, criado pelo Instituto Poynter (IFCN), que checa as informações que circulam pelo aplicativo com uma rede de consulta via chat.
Diante de todas as explicações prestadas, a regra é uma só: tome cuidado com o que compartilha. Antes de repassar conteúdos, certifique-se da veracidade do que está escrito. Na dúvida, siga as dicas elencadas pela IFLA – Federação Internacional das Associações e Instituições Bibliotecárias (IFLA, em inglês) e saiba como identificar se uma notícia é mesmo falsa ou não:
- Considere a fonte da informação: tente entender sua missão e propósito olhando para outras publicações do site;
- Leia além do título: títulos chamam atenção, mas não contam a história completa;
- Cheque os autores: verifique se eles realmente existem e são confiáveis;
- Procure fontes de apoio: ache outras fontes que confirmem as notícias;
- Cheque a data da publicação: veja se a história ainda é relevante e está atualizada;
- Questione se é uma piada: o texto pode ser uma sátira;
- Revise seus preconceitos: seus ideais podem estar afetando seus julgamentos;
- Consulte especialistas: procure um bibliotecário ou consulte um site de verificação gratuito.
Rodrigo Siqueira Rodrigues é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUC Minas.