Apontamentos sobre BAILE (Summer Ball)

POR: Ana Clara Torres Ribeiro

A obra de Cíntia Domit Bittar – escritora, diretora, editora e produtora – “BAILE (Summer Ball)” é um curta-metragem que possui 18 minutos. O filme, lançado em 2019, foi produzido e distribuído pelo serviço “Novelo Filmes”, podendo ser assistido de maneira gratuita no site da produtora. Esta análise se propõe a uma perspectiva crítica da película.

O filme se caracteriza por mostrar a realidade do dia de Andréa (Emilly de Jesus), uma criança de em média 10 anos de idade, junto de sua mãe Lourdes (Patrícia Saravy) e de sua bisavó (Adélia Garcia Domingues). A diretora utiliza de uma narrativa sensível e intimista, que causa proximidade e identificação com os acontecimentos. O filme mantém uma filmagem vertical, de enquadramento 9:16, que faz uma relação com a dimensão das fotos que são representadas em momentos da obra.

O curta se inicia com uma cena de Lourdes, fazendo uma foto 3×4 de uma senhora e, apesar de ser cuidadosa e atenciosa, a passagem é, de certa forma, impessoal por representar o trabalho da mãe de Andréa. Lourdes demonstra ser uma mulher trabalhadora com muitas responsabilidades, tendo uma aparência cansada e uma personalidade séria e um pouco fechada.

A sensibilidade transmitida na obra se estende à visão de mundo pelos olhos de uma criança que, apesar de possuir muitas responsabilidades e obrigações, ainda está crescendo e compreendendo sua própria realidade, além de estar aprendendo sobre a vida. A personagem de Emily de Jesus foi construída de forma delicada, a diretora do curta conseguiu claramente transmitir o olhar de curiosidade infantil em Andréa, uma criança que se mostra fascinada por pessoas e pelas histórias que elas carregam, o que evidencia sua coleção de fotos 3×4 de desconhecidos.

A composição do cenário, como móveis e utensílios, juntamente da escolha dos figurinos, destaca o contexto financeiro da família, de simplicidade. Visão que é enfatizada quando Andréa tenta retirar de maneira gratuita o remédio de sua bisavó em uma farmácia e esse benefício acaba sendo negado, por decorrência de cortes governamentais e, consequentemente, Lourdes pensa em soluções para conseguir a medicação, considerando até vender sua câmera ou procurar por outras farmácias na intenção de encontrar de forma gratuita.

O curta é protagonizado por mulheres negras que formam uma família na qual se presume ser de matriarcas, visando o fato de que em nenhum momento da história uma figura masculina é vista ou citada. A obra possui um tom de celebração e homenagem à feminilidade e força feminina, apresentando cenas que comovem o espectador, por apresentar um cunho de delicadeza e vulnerabilidade. Seguindo o teor de enaltecimento às mulheres negras, em excursão escolar pela galeria de deputados, a professora, nomeada de Tia Julia, cita Antonieta de Barros (1901-1952), que foi uma professora, jornalista e política, sendo a primeira deputada negra do Brasil, além da primeira mulher deputada de Santa Catarina. Em voltas pela galeria, Andréa cola sua foto 3×4 ao lado dos quadros de líderes dos deputados, que são homens e, em sua grande maioria, brancos. Bittar conseguiu transmitir uma crítica social pela ação da criança, uma mulher negra, ao fixar sua imagem no corredor.

Em todo o filme, Andréa possui uma relação de grande curiosidade por sua bisavó, por sua história, idade e vida, chegando a perguntar para a mente da senhora “Tem alguém aí?” (13’49’’), na intenção de obter uma resposta da bisa que, já bem idosa, não se comunica verbalmente durante o decorrer da obra, exceto pela última cena, além de precisar de cuidados básicos por sua neta e bisneta, como banho e alimentação. As interações da criança com a bisa são afetivas e intimistas e geram um sentimento de empatia e sensibilidade, capazes de tocar o espectador em pontos pessoais e profundos.

A cena de encerramento do curta faz um paralelo com a de abertura, porém, representa Andréa tirando uma fotografia de sua bisavó, que foi maquiada e vestida pela criança, visando o retrato da senhora. Ao fotografar, Andréa diz: “Ô, Bisa. Dá um sorriso. Só um sorrisinho. Pensa em alguma coisa boa da tua vida.” (15’20’’), em seguimento, a personagem de Adélia Garcia questiona a bisneta, acreditando ser outra pessoa, então diz: “Nós vamos pro baile, Susana?”, a fala da senhora cria uma interpretação à escolha do título do filme. O olhar da bisa é intenso e, juntamente de seu sorriso, transmite uma infinidade de histórias por muitos anos de vivências.

A obra de Cíntia Domit Bittar aborda temas político-sociais de modo leve, porém, sem deixar de lado críticas indispensáveis ao sistema. O enquadramento da filmagem do curta é ousado e fascinante, permitindo a interpretação a uma referência ao formato das imagens rápidas de takes feitos por câmeras de celulares e, também, como citado no segundo parágrafo, possibilita uma alusão à dimensão das fotos 3×4, que são uma parte significativa do curta. O filme foi exibido em diversos festivais de cinema, no Brasil e em países do exterior e, além de ter vencido premiações, a obra foi nomeada melhor curta-metragem pela academia brasileira de cinema em 2020 e se tornou qualificada ao Oscar em 2021. Bittar fez um trabalho lindo com “Baile (Summer Ball)” .

Referências:
Domit Bittar, CÍNTIA. “Baile (Summer Ball).” 2019.
Disponível em: https://www.novelofilmes.com.br/baile

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