A Representação Feminina em O Gambito da Rainha

Foto: Reprodução/Netflix

Por Beatriz Xavier, Helenna Dias e Sarah Cafiero.

A minissérie de ficção O Gambito da Rainha (2020), baseada no livro homônimo de Walter Tevis, narra a trajetória de Beth Harmon da infância em um orfanato até se tornar a primeira campeã mundial de xadrez. Ainda aos 9 anos, a protagonista é apresentada ao jogo pelo zelador do orfanato onde mora e já demonstra um raciocínio excepcional. Por volta dos 13, Beth é adotada e começa a participar de competições oficiais. Enfrentando o machismo e o vício em substâncias, ela persiste estudando e derrotando seus oponentes até o Campeonato Mundial de Xadrez.

O resumo pode dar a impressão de que a série segue um caminho de combate ao machismo no xadrez, o que ela de fato tenta fazer, mas a espectadora atenta a isso pode sair frustrada. Por trás do discurso feminista, a narrativa reforça estereótipos e minimiza a violência contra jogadoras. Ao comentar a série em entrevista à BBC, a enxadrista húngara-americana Susan Polgar conta agressões que já vivenciou jogando contra homens: “Em vez de aceitar a derrota ou me parabenizar, ele lançou as peças sobre o tabuleiro”. 

Na série, as poucas personagens femininas relevantes parecem condenadas a um fim trágico ou desinteressante. A mãe biológica de Beth se suicida. A adotiva morre de hepatite durante um dos torneios. Apenas sua amiga Jolene, única mulher negra da série, parece ter um destino favorável como assistente jurídica, ainda que parte do seu sucesso se deva a um homem. O desenvolvimento dessa personagem, porém, não é acompanhado, já que ela aparece de maneira relevante apenas no primeiro e no último episódios. 

Jolene é ainda a única amiga de Beth. E isso não se deve apenas à sua dificuldade de relacionamento: em diversas cenas, Harmon parece desprezar elementos tradicionalmente ligados à feminilidade, como ao descartar a boneca e ao deixar a festa das colegas de escola. Jolene criança é apresentada como pouco feminina, ou seja, não é fútil e tola como as outras e, por isso, merece a amizade de Beth. Além dela, as companhias da protagonista são predominantemente homens: somente eles estão no nível intelectual dela. Isso reforça a ideia de que para alcançar uma qualidade ligada ao masculino, como a inteligência, é necessário negar o feminino, associado a características negativas.

Ademais, apesar de a protagonista perder as primeiras partidas contra o zelador, logo mostra-se naturalmente dotada para o jogo. Dessa forma, a série passa que para mudar uma situação social você deve ser especial, nascer com o dom. É fato que há pessoas com maior facilidade em determinadas atividades, mas a narrativa coloca Beth com seu talento como a única capaz de abalar a estrutura machista da sociedade e ter um desfecho de sucesso.

Dito isso, precisamos esclarecer que a série não é nem de longe um caso perdido: feitas as devidas ressalvas, traz discussões importantes, com uma protagonista forte construindo seu nome num meio masculino. É válido assistir com um olhar crítico, identificando onde a série peca e desfrutando da narrativa bem construída, personagens complexos e direção de arte notável.

O Gambito da Rainha – 1 temporada (EUA, 2020). Netflix. 

Direção: Scott Frank

Roteiro: Scott Frank

Elenco: Anya Taylor-Joy, Bill Camp, Marielle Heller, Moses Ingram, Christiane Seidel, Rebecca Root, Chloe Pirrie, Akemnji Ndifornyen, Harry Melling, Patrick Kennedy, Jacob Fortune-Lloyd, Thomas Brodie-Sangster e Marcin Dorocińsk.

Duração: 7 episódios com cerca de 60 min.

Trabalho produzido para a disciplina Análise e Crítica de Filmes, do curso Cinema e Audiovisual.

REFERÊNCIAS

DUARTE, Fernando. ‘O Gambito da Rainha’: série da Netflix ignora o sexismo no xadrez, diz ex-campeã. BBC, 27 nov. 2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-55087124>. Acesso em: 17 abr. 2021.

REIS, Ana. Jogadoras de xadrez contam o que é real ou fake em “O Gambito da Rainha”. Universa, 08 nov. 2021. Disponível em: <https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/11/08/jogadoras-de-xadrez-contam-o-que-e-real-ou-fake-em-o-gambito-da-rainha.htm?cmpid=copiaecola>. Acesso em 20 abr. 2021.

SABBAGA, Julia. Para campeã brasileira de xadrez, O Gambito da Rainha pega até leve no machismo. Omelete, 13 nov. 2020. Disponível em: <https://www.omelete.com.br/netflix/o-gambito-da-rainha-campea-de-xadrez-comenta>. Acesso em 17 abr. 2021.

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