Por Fabíola Duarte; Giovana Cangussú; Marina Lemos; Paola Mariano.
Compreender o papel da comunicação social é fundamental para entendermos as dinâmicas da vida cotidiana. Diferentes usos da mídia foram decisivos, até mesmo, em diversos embates históricos. No contexto das Grandes Guerras Mundiais, por exemplo, técnicas de persuasão midiáticas influenciaram a opinião pública de forma a validar investidas bélicas totalitárias. Acreditou-se, inclusive, na onipotência dos meios, cujos efeitos nos modos de agir e pensar da audiência eram tidos como instantâneos, já que ela, supostamente, se constituía em uma “massa” apática, em uma coletividade heterogênea e desestruturada socialmente. Entretanto, a Alemanha Nazista não foi o único país a lançar mão de estratégias propagandísticas. Os Estados Unidos também se utilizaram, nesse contexto, de retóricas similares para promover seu próprio estilo de vida. Até mesmo figuras aparentemente inocentes como o personagem do Pato Donald foram acionados nesse esforço.
No curta-metragem A Face do Fuehrer (1943), o diretor Jack Kinney mostra por meio de um sonho do Pato Donald como a experiência nazista foi prejudicial para os próprios alemães e, em contraposição, como os Estados Unidos seria um país ideal para todos. Esse sonho, marcado pela inigualável imaginação do protagonista, revela, com ironia, a forma como o personagem vivia e agia em meio aos soldados nazistas. Esconder a comida, enxergar o relógio com números em formato de suástica, trabalhar compulsivamente sem descanso, fazer saudações a Hitler aleatoriamente mesmo quando ele não estivesse presente são alguns dos elementos expostos na ilusão vivida pelo personagem. No entanto, no final do filme é revelado, com alívio, que tudo não passava de um pesadelo e ele estava salvo em solos norte-americanos. .
A ideia principal desse tipo de discurso era, por meio da propaganda e de outros recursos, buscar o apoio da população à ação dos Aliados e expandir o modelo estadunidense de combate. Nessa perspectiva, a criação de personagens, desenhos e quadrinhos foi uma das estratégias mais bem sucedidas do país e o produtor, roteirista e animador Walt Disney foi uma peça fundamental nesse processo, com filmes e animações de caráter patriótico. Também, nesse cenário, se apostava na baixa criticidade da sociedade de massa, que subverte a autonomia e a individualidade dos sujeitos. Dessa maneira, criações como Pato Donald incentivaram, por meio de sátiras, a resiliência das pessoas diante de um cenário de guerra.
Vencedor do Oscar de Melhor Curta Metragem de Animação, A face do Fuehrer conseguiu propor a população o terrorismo que seria viver em uma sociedade nazista. O sucesso do filme foi tão grande que, como afirma Gabriel Carvalho, um dos escritores do site Plano Crítico, logo após a exibição do curta, milhares de cidadãos se dispuseram a participar da guerra de inúmeras formas e a lutar pela nação. O curta-metragem constrói seu argumento persuasivo ao introduzir ideologias defendidas pelos Estados Unidos de forma cômica e, de certo modo, “leve”, sem utilizar, diretamente, cenários de guerra.
Por um lado, cenas que apresentam símbolos norte-americanos, como roupas estampadas com a bandeira estadunidense e enfeites no quarto do protagonista, foram essenciais para demonstrar o nacionalismo exacerbado do país. Por outro, o roteiro conta com a ironia e ridicularização na forma de apresentar o ufanismo alemão. Cores mais fechadas, símbolo da suástica em evidência nos relógios, nos jardins, na comida e, também, nos instrumentos musicais são alguns detalhes fundamentais na tentativa de, com a idealização desse cenário, deixar marcado imageticamente no espectador o terrorismo e a morbidez de viver a filosofia nazista. O curta ironiza, então, o exagero alemão, em busca de convencer as pessoas a apoiarem as ideias daquele regime.
Na canção principal do filme, que satiriza a supremacia ariana e a obsessão de Hitler pelo poder diz “Nós somos os super homens puros e arianos (…) Não amar o Fuehrer é uma grande desgraça”. O trecho ridiculariza os nazistas ao se vangloriarem pela raça, além de caçoarem da forma como enaltecem Hitler e seus discursos cruéis. Por meio da música, o intuito principal foi mostrar a piada que eram os alemães para os estadunidenses. Em outra cena, que mostra banda militar alemã caricaturada, afere-se, novamente, que não se pode levar a sério expressões nazistas. A mensagem do filme é reforçada em seu desfecho: ao acordar do pesadelo, Pato Donald se depara com uma sombra cujos contornos remetem ao ditador Adolf Hitler, mas logo em seguida percebe que, na verdade, era somente a projeção de um enfeite da Estátua da Liberdade. O alívio diante do espectro-símbolo dos Estados Unidos reforça a superioridade da nação americana.
Essas estratégias narrativas não eximem o filme de tecer críticas mais diretas, evidenciadas na exposição dos discursos totalitários, voltados para legitimação de trabalhos precários. Denuncia-se trabalhos repetitivos e forçados, o que deixa subentendido que, mesmo que houvesse as mesmas práticas de produção nos Estados Unidos, os alemães sempre seriam piores e inferiores por causa de seus métodos autoritários. Em suma, a ideia transmitida pelo o curta é que viver sob regime nazista é o problema e, diante dessa ameaça, o american way of life é a melhor opção.
A partir do momento que este pensamento é apresentado, não só para a nação norte-americana, mas sim para todo o mundo, percebemos a importância dos meios de comunicação na proliferação de certas ideias, principalmente em um contexto caótico marcado profundamente pela vulnerabilidade social. O filme A Face do Fuehrer foi criado com o intuito de formar, reformular e transformar afetos e percepções, utilizando-se de um inimigo inquestionável e da fragilidade coletiva diante da guerra para afirmar o heroísmo de um país que, na verdade, também não deixa de perpetuar injustiças e segregações. Assim, conhecer de forma efetiva e crítica os usos propagandísticos da mídia é fundamental para evitarmos que certos fantasmas retornem não somente nos sonhos, mas na materialidade da sociedade contemporânea.
As alunas são graduandas do 4° período do curso de Jornalismo da PUC Minas.