Por Gustavo Fernandes
Comumente rejeitados pela crítica especializada, blockbusters de ação que não buscam certa polidez estética tendem à rejeição também por parte do público. Talvez devido à tendência de se buscar por realismo e verossimilhança, diversos filmes que permitem a si mesmos certo grau de inventividade não costumam ser sempre vistos com bons olhos.
Um bom exemplo de como o cinema hollywoodiano sofreu uma transição gradual rumo ao padrão límpido é o subgênero de super-heróis. Nos anos 2000, o maior expoente do gênero era a aclamada trilogia Homem-Aranha (2002 – 2007), de Sam Raimi. A vida do conhecido personagem da Marvel foi retratada pelo diretor com uso expressivo de cores, camadas e variação atmosférica: ação desmedida, humor, romance e uma forte tendência ao melodrama, tudo sob um guarda-chuva aventuresco que viabilizava a organicidade do amontoado de nuances proposto por Raimi.
Na década seguinte, no entanto, o protagonismo foi tomado pela franquia Vingadores, da Marvel Studios. Caracterizada por seu apelo popular de proporções consideravelmente mais contidas que a trilogia de Raimi, é interesse como boa parte da desenvoltura outrora comum ao gênero de super-heróis deu lugar a uma zona de conforto que perdura até hoje nos filmes do estúdio. É como se existisse uma necessidade de calcular o quanto se deve intensificar momentos de energia narrativa a fim de conter o máximo possível a emoção em cena. O melodrama deu lugar ao drama de proporções irrisórias e sem muito apelo. As sequências de ação extremamente inventivas deram lugar a cenas tão cuidadosamente coreografadas que soam até mais curtas e seguras do que realmente são. Na contramão da polidez do estúdio, diversos cineastas do nicho impõem sua própria identidade em seus filmes – apesar da aparente exigência industrial pela pasteurização estética.
Frequentemente estereotipado por seus traços estilísticos próprios, Michael Bay nunca foi queridinho da crítica especializada. Sua tendência de abordagem escrachada o distanciou da aprovação majoritária. Com “escrachada” me refiro ao uso fortemente desenvolto de instrumentos de linguagem: tanto o humor quanto a ação em seus filmes parecem invocar um universo próprio em que absolutamente tudo é possível e justificável por si só. O anseio pela verossimilhança e pela sutileza definitivamente não se mostra presente na obra do diretor, que ainda hoje é visto como um dos cineastas de ação mais autorais de Hollywood, embora também seja vítima de desdém da maioria.
Conhecido por seu trabalho como líder da franquia de terror Invocação do Mal, James Wan também não teme ser extremamente expressivo em seu trabalho como diretor de ação. Seus últimos dois envolvimentos com o nicho retratam muito bem sua desenvoltura ao lidar com o gênero e a vasta gama de possibilidades advindas dele. Tanto em Velozes e Furiosos 7 (2015) quanto em Aquaman (2018), o cineasta constrói seu próprio universo particular repleto de texturas, nuances e energia. Em ambos trabalhos, Wan não teme se entregar ao melodrama e dialogar diretamente com uma construção que evita sutilezas a fim de se relacionar ainda mais fortemente com seu público. Afinal, o que esperar de um “arrasa-quarteirão” se não um filme que busque justamente fazer jus ao termo?
Quem entende como ninguém a importância do apelo de um blockbuster de ação é Zack Snyder. Fortemente influenciado pela concepção mítica e pelo gracejo de contornos épicos, o cineasta não teme tratar seus personagens como figuras quase santificadas, e construir todo um universo ao redor da força emanada por eles. Por meio de uma construção poética muito própria, o diretor trabalha com reforço constante de seu propósito de frequentemente engrandecer suas histórias, conferindo a elas tons de epopeia e, se necessário, de tragédia. Um de seus traços mais característicos é o uso de câmera lenta frequente. Tal marca enfatiza o propósito do diretor de tornar seus filmes grandes obras repletas de momentos memoráveis e de máximo desfrute possível.
Outro cineasta frequentemente desdenhado por se entregar a uma dinâmica autoral dentro do nicho de blockbusters de ação é Paul W. S. Anderson. O diretor, conhecido por seu trabalho com 4 filmes da franquia Resident Evil, não teme desafiar as leis da física e imergir o público num universo muito particular dentro de sua filmografia – em que absolutamente tudo é possível e pode ser justificado simplesmente pela necessidade de entreter e instigar emocionalmente seu público. Ouso dizer que, em pleno 2021, a maior ousadia que um diretor de blockbuster pode ter é a de se comprometer com o entretenimento desmedido de seu público, independentemente das leis da física que precise ignorar.
A busca pela dinâmica realista em filmes de ação é compreensível e, em muitos casos, rende bons e memoráveis frutos. A contenção de experimentação em prol da ascensão da verossimilhança, no entanto, vai na contramão das liberdades artísticas características da feitura cinematográfica. A tendência de anseio pela sutileza e pela dinâmica de pés no chão é, ainda hoje, muito refutada por diversos cineastas – que, embora não sejam sempre queridinhos da crítica especializada, arriscam na concepção de obras memoráveis repletas de espírito e inventividade.
Gustavo Fernandes é graduando em Cinema e Audiovisual e monitor do CCM.