Por Juliana Gusman. Lançado em 1991, o filme de Ridley Scott, Thelma & Louise, tornou-se emblemático pelo modo como motivou questões acerca da representação da mulher no cinema. A história protagonizada por uma garçonete, Louise (Susan Sarandon), e por uma dona de casa, Thelma (Geena Davis), circunstancialmente transformadas em pessoas fora da lei, transgrediu em seu feminismo. Desde então, Davis dirige seu Institute of Gender in Media, que pesquisa e visa ampliar a participação das mulheres nas indústrias cinematográfica e televisiva.
Em Thelma & Louise, cansadas da monotonia cotidiana regida pelas vontades dos homens que as cercam, as duas amigas decidem viajar em um final de semana. Na primeira parada, a aventura ganha novos rumos. As planejadas férias se tornam uma fuga dos crimes inesperados que comentem no caminho. Perseguidas pelo detetive Hal Slocumb (Harvey Keitel), as foragidas vão em busca da liberdade. O filme recebeu o Oscar de melhor roteiro original de 1992, além de ter concorrido nas categorias de melhor diretor, melhor atriz, melhor fotografia e melhor edição. No entanto, mesmo 25 anos depois que Thelma e Louise embarcaram no Ford Thunderbird 1966, munidas com um revólver calibre 38, questões sobre representatividade e representações da mulher na indústria cultural precisam ser ainda intensamente debatidas.
Geena Davis, como dissemos, encontrou sua arma nesse embate. Aos 60 anos, dirige o Geena Davis Institute of Gender in Media. Fundado em 2004, o Instituto é uma organização que trabalha com pesquisas sobre mídia e entretenimento voltada para a conscientização, educação e engajamento da indústria para melhorar o equilíbrio de gênero, diminuir estereótipos e incentivar a criação de personagens femininas em produtos direcionados para crianças. Por onde atua, a organização vem demostrando sua força. Cerca de 68% de executivos que tem familiaridade com o trabalho do Instituto efetuaram mudanças em mais de dois projetos de suas respectivas empresas.
O Instituto já realizou 12 grandes pesquisas pioneiras, criando o maior corpo de estudos sobre prevalência de gênero no entretenimento nos últimos anos. O resultados são requisitados por grandes companhias e organizações interessadas no fortalecimento da mulher e na criação de papéis significativos. Os estudos são conduzidos por uma equipe da USC Annenberg School for Communicatios&Journalism e revelam a disparidade de oportunidades e os decisivos processos de estereotipização que ocorrem no cinema e na televisão. Anualmente, realiza-se o Simpósio de Gênero na Mídia, encontro em que todos os estudos são colocados em debate. O último, realizado em março de 2016, aconteceu em São Paulo.
Os esforços de Davis para confrontar o sexismo em Hollywood impulsionaram, ainda, a criação do Bentoville Film Festival, que apoia mulheres e fomenta a diversidade de vozes na mídia, oferecendo aos premiados a oportunidade de distribuir e lançar seu trabalho.
Mulheres protagonizam menos de ¼ das grandes produções cinematográficas
Em entrevista, Davis afirma que o sexismo se perpetua nas telas que nos cingem. Segundo dados do Instituto, entre 2010 e 2013, apenas 23% dos protagonistas dos filmes de maior bilheteria eram mulheres, considerando os 11 maiores mercados de cinema do mundo. A atriz observa o aumento da sexualização das personagens, desde muito jovens. Os papéis complexos são escassos, principalmente para atrizes mais velhas. Não obstante, a pesquisa revela que mulheres apresentam corpos magros em uma proporção três vezes maior do que em relação aos homens. Os estereótipos mais comuns são da mulher “tradicional”, representada no âmbito familiar, ou, como aclaram os dados já apresentados, de figuras hiperssexualizadas. Conforme as pesquisas, a ênfase é dada, principalmente, aos aspectos físicos das personagens. Em um estudo realizado entre os anos de 1990 e 2006, abarcando mais de 400 filmes, voltados para públicos diversos, comprova-se que, entre os 15 mil personagens analisados, 73% são homens. Dados apontam, ainda, que em produtos direcionados para o público infantil, personagens femininas aparecem com muito menos frequência.
A televisão vem demonstrado maior capacidade de transgressão: conforme as pesquisas do Instituto, há mais personagens femininas, retratadas com melhores profissões, e protagonistas de séries, com relevância na construção narrativa. Mesmo não sendo um espaço igualitário, é menos verticalizado do que o cinema.
A promessa de grandes mudanças de filmes como Thelma & Louise não se cumpriram. O protagonismo feminino no cinema e mesmo na televisão, que vem demostrando avanços, permanece ainda inferior ao dos homens. A relevância de trabalhos como o do Geena Davis Institute of Gender in Media permanece, portanto, inquestionável, assim como a afirmação da importância de um clássico cinematográfico como Thelma & Louise.
Juliana Gusman é graduanda do curso de jornalismo da PUC Minas. É membro do grupo de pesquisa Mídia e Narrativa e monitora do Centro de Crítica da Mídia.