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imagem do jornalista Vladimir Herzog em preto e branco, em frente a uma máquina de escrever
Vladimir Herzog, o Vlado, foi jornalista, professor e cineasta brasileiro | Foto: Acervo de fotografia do instituto Vladimir Herzog

Vladimir Herzog, 50 anos depois

Em 25 de outubro de 1975, o jornalista e professor Vladimir Herzog apresentou-se voluntariamente ao DOI-CODI, em São Paulo, para prestar depoimento sobre sua relação com o Partido Comunista Brasileiro. Horas depois, foi encontrado morto. A versão oficial dizia “suicídio”, mas as marcas no corpo mostravam o contrário: Herzog havia sido torturado até a morte.

A morte de Vlado não foi apenas o fim trágico de um jornalista, mas o marco de uma virada na ditadura militar. O caso gerou indignação nacional e internacional, desafiou o silêncio imposto pelo regime e revelou a força da sociedade civil diante da censura e da violência de Estado.

imagem em preto e branco do suicidio forjado de Vladimir Herzog, ele está pendurado com uma coda amarrada no pescoço
Foto forjada pelo exército brasileiro do jornalista Vladimir Herzog morto na sede do quartel-general do II Exército no bairro do Paraíso, Zona Sul de São Paulo, em 1975. — Foto: Divulgação/Acervo de fotografia do Instituto Vladimir Herzog

A Catedral da Sé

Sete dias após o assassinato, um ato ecumênico na Catedral da Sé reuniu cerca de oito mil pessoas, entre líderes religiosos, jornalistas, artistas e cidadãos comuns. Católicos, judeus e protestantes se uniram para denunciar o crime e prestar solidariedade à família Herzog. A cerimônia, liderada por Dom Paulo Evaristo Arns, rabino Henry Sobel e pastor Jaime Wright, marcou o início de uma resistência pública à ditadura militar e tornou-se símbolo da defesa dos direitos humanos e da liberdade de expressão.

imagem em preto e branco de milhares de pessoas reunidas na Catedral da Sé
Para a missa de sétimo dia, um ato ecumênico na Catedral da Sé reuniu cerca de oito mil pessoas | Foto: Reprodução Documentos Revelados

Cinquenta anos depois, a mesma catedral voltou a ficar cheia, mas desta vez para rememorar a vida e o legado de Herzog. No ato inter-religioso deste ano, familiares, jornalistas e defensores dos direitos humanos reafirmaram no último dia 25 de outubro que memória, verdade e justiça seguem sendo princípios inegociáveis.

Durante a cerimônia, a presidente do Superior Tribunal Militar, Maria Elizabeth Rocha, emocionou o público ao fazer um pedido de perdão pela atuação do STM e das auditorias militares durante a ditadura. “Eu peço, enfim, perdão à sociedade brasileira e à história do país pelos equívocos judiciários cometidos pela Justiça Militar Federal em detrimento da democracia e favoráveis ao regime autoritário. Recebam meu perdão, a minha dor e a minha resistência.”

O jornalista Matheus Leitão, autor do livro Em Nome dos Pais e filho da também jornalista Míriam Leitão, que foi vítima da ditadura, participou da cerimônia na Catedral da Sé e conta que o ato trouxe, “um momento de esperança” por incluir um pedido de perdão. Para ele, esse gesto tem grande significado simbólico, mas não elimina desafios concretos.

“Eu lutei a minha vida inteira, através do meu jornalismo, em relação aos direitos humanos e aos crimes cometidos contra os brasileiros, crimes de lesa humanidade cometidos contra os brasileiros durante a ditadura, e contra o povo negro. Eu passei a vida inteira com a certeza de que esse pedido de perdão era muito importante, e foi muito importante. Mas nós vimos logo em seguida essa chacina, que aconteceu no Rio de Janeiro… O Brasil tem tentado,  através da sociedade civil, através do bom jornalismo, mudar essa nossa realidade, né? Foi muito importante, eu acho que não tira a importância do pedido de perdão que foi dito à família Herzog, à família Rubens Paiva e à minha família… Mas também nos coloca numa situação de desafio enorme ao ver que de fato a ditadura continua nas periferias”, desabafa Matheus.

Herzog e o compromisso com a verdade

imagem de Vladimir Gerzog em pé de frente ao palácio do planalto
Foto: Divulgação | Acervo de fotografia do instituto Vladimir Herzog

Herzog foi um profissional apaixonado pelo jornalismo e pela democracia. Dirigiu o telejornalismo da TV Cultura, foi professor na Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA) e formou gerações de repórteres comprometidos com o interesse público.

Para muitos profissionais, Herzog representa a ética como essência do jornalismo, o dever de apurar, questionar e informar, mesmo diante do medo. Criado em 1979, o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos é hoje um dos principais reconhecimentos a trabalhos jornalísticos que defendem a democracia, a ética e os direitos humanos no Brasil. 

O professor Getúlio Távora, da Faculdade de Comunicação e Artes (FCA) da PUC Minas, destaca que Herzog representa um ponto de inflexão na história do país. “É um símbolo para todos nós jornalistas de resistência, de luta pela democracia, de luta contra o regime de exceção, luta contra o autoritarismo, e também mostra os perigos que a nossa profissão está sujeita… A morte do Vladimir Herzog em 1975 representa um movimento e um momento de inflexão no regime militar. Porque em 1975, 11 anos já de período militar, a sociedade já estava enfadada, já não aguentava mais.”

Também professora na FCA e coordenadora do Projeto LiBertha, vinculado ao Grupo Bertha de Pesquisa, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Fernanda Sanglard ressalta que Herzog foi vítima do autoritarismo por duas vezes. “A família dele precisou fugir dos horrores da Segunda Guerra Mundial e da perseguição nazista aos judeus, e assim veio parar no Brasil. Veio menino para o país, aos 9 anos, e a família acreditava ter encontrado um lugar de paz. Mas eis que a ditadura o perseguiu e os agentes de Estado o assassinaram e forjaram um suicídio logo desmascarado.” 

Fernanda ressalta que apenas recentemente a família de Herzog teve direito à correção do atestado de óbito, que ainda constava incorretamente o suicídio e aumentava a dor da família e o sentimento de insjustiça em todos aqueles que sabem que o jornalista foi morto sob tortura. “A luta dessa família, que vai transformar a dor em resistência, criar o Instituto Vladimir Herzog e lutar pelos direitos humanos e pelo jornalismo livre, torna-se exemplo, uma demonstração de força.”

Por que lembrar é resistir

Lembrar Herzog é mais do que reverenciar o passado, é reafirmar o papel do jornalismo como instrumento de democracia. Como destaca o Manifesto em Nome da Verdade, publicado pelo Instituto Vladimir Herzog:

“Herzog foi morto porque acreditava que o jornalismo e a verdade são forças transformadoras. Mantê-lo vivo na memória é proteger o futuro.” 

Em um país que ainda enfrenta desafios à liberdade de expressão e à valorização do jornalismo ético, o legado de Vlado nos convoca a não silenciar diante da injustiça. Cinquenta anos depois, seu nome continua sendo um lembrete de que defender o jornalismo livre e o direito à informação é sempre um ato de resistência.

Conteúdo produzido por Lais Milagres e Izabella Gomes, sob a supervisão da professora e jornalista Fernanda Sanglard. 

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