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Movimento punk retorna ressignificado em 2021

Como a pandemia impulsionou a volta do punk, estilo de vida associado à autoexpressão que vai muito além de música

Lançado em junho de 2021, o live-action Cruella, da plataforma de streaming Disney+, recebeu grande aclamação pelos fãs da vilã. Sua estética urbana e elementos de nostalgia e atemporalidade faz referência direta ao movimento punk da década de 1970 e mostra o casamento entre a moda e o punk. A personagem principal, vivida pela atriz Emma Stone, é uma estilista que prega os ideais do movimento: liberdade, criatividade e o viés político de insatisfação com o autoritarismo.

Também a trilha sonora reflete a explosão do rock dos anos 1970, com composições de The Rolling Stones, Black Sabbath e David Bowie embalando uma ambientação não tão distante da sociedade de 2021: crise econômica e tendência estética mais ligada à cor preta e à customização. Para além das relações e coincidências com o tempo presente, o que o filme nos permite saber sobre a volta do movimento punk no século XXI?

Origem do punk e o retorno do movimento

Surgido nos Estados Unidos e na Inglaterra no início da década de 1970, o punk foi um movimento jovem de contracultura que promoveu certa idealização da paz e da liberdade individual. À época de seu surgimento, a sociedade passava por uma grande crise econômica.

Na década de 1970, a “moda” punk foi bastante contrastante com a moda anterior do hippie, contracultura marcada pela filosofia da paz e amor e visual mais natural, com vestuários largos e bastante coloridos. Naquele momento, o punk era caracterizado por um visual urbano com bastante couro e uso de roupas customizadas, além da expressão artística com viés bem crítico e incisivo.

Hoje, em outro momento de crise econômica e social, é possível observar essa cultura em ascendência a partir de uma nova geração do pop punk, com estética atualizada e expressão de sentimentos e emoções, promovendo temas ligados à saúde mental, além da ascensão de uma nova geração de celebridades.

Intensificado pela pandemia da Covid-19, o novo movimento também faz um retorno à estética da customização, tanto no Brasil quanto no exterior, como reflexo de uma juventude que quer mudança e um senso unitário de identidade.

O “novo punk” é um movimento intergeracional – com o ciclo dos adultos de 30 anos, juntam-se as gerações jovem-adulta e a dos nascidos nos anos 1970 e 1980. O novo punk inclina-se, na indústria da música e do entretenimento, a uma expressividade bastante aflorada.

A ressignificação do punk

A jornalista e doutora em Ciências da Comunicação Caroline Govari, integrante do Laboratório de Pesquisa CULTPOP da Unisinos, afirma que sempre teve uma relação bastante estreita com o punk e isso foi o que a motivou a iniciar suas pesquisas em torno do movimento. Seus estudos abrangem as culturas urbanas, formações de identidade, territorialidades, performances no rock, cenas e gêneros musicais, pesquisa biográfica e memória. Para ela, a volta do punk tem mais a ver com os estudos de subculturas do que com os estudos de fãs.

“Quando falamos especialmente do punk, ele é uma subcultura e um gênero que, historicamente, se construiu como uma expressão musical do anti-autoritarismo-sistêmico-fascista, do repúdio às censuras, da provocação política, entre outras bandeiras. Se, por exemplo, ele volta “rompendo” com essas expressões, gera uma espécie de ruptura performática que frustra a expectativa dos fãs, provocando uma série de crises diante da recepção do público.”

Carol Govari

A também pesquisadora Ivone Gallo comenta que os movimentos das décadas de 1970 e de 2020 têm características diferentes: “Vejo que as manifestações do punk em diferentes momentos da história recente têm caráter bem diversificado. São grupos distintos uns dos outros, são heterogêneos. Algumas características foram marcantes como a irreverência, a contestação. Hoje, talvez, em alguns grupos, essas características tenham desaparecido no que se refira a ação política, apesar do visual contestador, a prática pode ser bem conservadora.”

Ela também acredita que, hoje, haja o esvaziamento do conteúdo crítico de contestação dos integrantes do movimento punk original, uma vez que não se vê tanto uma organização da vida econômica e de padrões de relacionamento quanto havia na década de 1970/1980.

Foto de Nick Fewings, no Unsplash

Punk pop rock no mainstream

Novas estrelas como Willow Smith, Olivia Rodrigo, Yungblud e Jxdn, juntamente com o retorno de artistas de meados dos anos 2000, como Avril Lavigne e a banda Evanescence, vêm se destacando no mainstream da música atual. Na primeira semana de junho de 2021, por exemplo, a cantora Olivia Rodrigo esteve com quatro músicas, do álbum de pop rock SOUR de 2021, na lista das 10 músicas mais tocadas globalmente na Billboard Global 200.

Parte desse sucesso se deve à grande facilidade de viralização de conteúdo, principalmente por aplicativos como o TikTok, que permitiu que o gênero musical punk rock, agora misturado com o pop, ganhasse o gosto do público ao ser disseminado em correntes de vídeos curtos produzidos como tendência. Vídeos de maquiagem, dança e moda fizeram com que as produções de Olivia Rodrigo ganhassem a atenção de criadores de conteúdo na internet, o que fez com que suas músicas e seu estilo se popularizasse ainda mais.

Em entrevista à Vogue, o regulador de conteúdo do TikTok, Bryan Thoensen, afirmou que a grande tendência para 2021 era a autenticidade, criatividade e personalização de roupas do fast fashion, o que permite a formação de uma sensação de pertencimento a uma comunidade. No contexto de isolamento da pandemia, o que os jovens mais querem é essa reconexão com os outros, e uma ótima forma de se fazer isso é a partir de uma estética em comum – o que justificaria o hype em torno do pop punk.

Foto de Nick Bolton, no Unsplash

Fator nostalgia

Um ponto relevante do movimento atual é o quanto a lembrança de momentos passados de jovens adultos, principalmente da infância e juventude, incentiva uma expressão nostálgica.

O retorno do punk é algo extremamente complexo, pois, de um lado, percebemos uma audiência saudosa e ansiosa pelo rito do comeback, e, do outro, estão esses artistas que buscam retomar períodos de maior sucesso e prestígio, desativados, longínquos ou até mesmo antes inexistentes.”

Carol Govari

A pesquisadora Carol Govari, por exemplo, conta que tem relação com o punk desde muito jovem, seja de forma afetiva, jornalística ou acadêmica, e está sempre consumindo algo relacionado ao tema. Por esse motivo, torná-lo objeto de estudo e pesquisa durante a graduação, mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação foi algo natural. Como o rock desencadeou outros movimentos musicais e culturais como o punk rock, a jornalista começou a investigar os impactos histórico-sociais desses gêneros musicais, que têm uma linguagem muito específica no contexto da indústria fonográfica, da cultura pop e das subculturas como um todo.

A respeito do ”revival” desse movimento, a jornalista Carol Govari também comenta que é importante destacar as particularidades relativas ao punk dentro de um contexto nostálgico do rock’n’roll, especialmente quanto a uma espécie de articulaçrão canônica do gênero musical.

“A princípio, a própria urgência discursiva do punk, quando do seu aparecimento, demarca seu presenteísmo: sob uma perspectiva geracional, o movimento se opôs frontalmente ao que entendiam como o passado (mesmo que recente) do rock ao antagonizar com o que chamavam de dinossauros — uma analogia referente tanto às dimensões grandiosas e corporativas de outros artistas (como os prog-rockers), quanto sinalizando o pertencimento destes à uma era já superada.”

Carol Govari
Três membros de banda de punk rock tocando música animados em palco.
O revival do punk se deve ao fator nostalgia

Além disso, a pesquisadora afirma que a questão da nostalgia se tensiona com o processo de “museificação” do próprio punk, sublinhada nas tentativas de revival de bandas clássicas como o Sex Pistols e o Dead Kennedys, que surgiram na década de 1970.

“Ao estarem disponíveis para uma visitação nostálgica temporária, com turnês exibindo-os como uma relíquia do passado, de alguma maneira eles também se cobrem com o “aconchegante cobertor de aceitação e apreciação” do rock clássico. Ou seja, ao estabelecer performances baseadas em muito daquilo que se opuseram inicialmente (a tradição, a oportunidade de lucro de fácil, a iconoclastia), esses artistas particularizaram a relação entre punk e memória de maneira, no mínimo, contraditória”.


Colab Indica:

Publicado em 2021 pela Editora Fi, o livro Perspectivas de pesquisa em Cultura Pop: comunicação, fãs, estéticas e narrativas ficcionais, organizado por Caroline juntamente com os pesquisadores Felipe Estivalet, Larissa Becko e Adriana Amaral, aborda uma multiplicidade de fenômenos e olhares disciplinares e investigativos sobre a cultura pop, tais como as angulações comunicacionais, o lugar do fã, o estético e as narrativas ficcionais.

Além disso, ainda nesse semestre, será publicado o artigo “A turnê cancelada do Dead Kennedys no Brasil: punk, nostalgia e drama social” (ANIMUS, Santa Maria, 2021, no prelo), escrito por Caroline em parceria com os pesquisadores Jonas Pilz (UFF) e Thiago Pereira Alberto (UFJF), também com o tema dessa matéria.


Leia também: O efeito TikTok

Giovanna de Souza

1 comentário

  • Minha cara Giovanna, gostaria de saber de onde vc tirou a afirmação que nos primórdios do Punk “promoveu certa idealização da paz”? Pelo que me recordo os Punk ironizavam a geração anterior de paz e amor e o movimento em São Paulo foi muitas vezes constituído por Ganges, coisa que os próprios “lideres” do movimento da época admitem. Além disto, havia a grande rixa entre os punks de São Paulo e do ABC