Colab
Foto meramente ilustrativa de Sudhir Sharma no Pexels

Racismo ambiental ameaça populações vulneráveis

É impossível falar de mudanças climáticas sem entender o que é o racismo ambiental

O garimpo ilegal em terras indígenas na Amazônia; o rompimento da barragem de Fundão (MG), próxima ao quilombo Degredo; o projeto de mineração da Serra do Curral (MG), onde vive a comunidade quilombola Manzo Kaiango; não por acaso estão localizadas em terras de maioria indígena e negra. Esses episódios são consequências do que é denominado racismo ambiental. 

O termo racismo ambiental surgiu na década de 1970, nos Estados Unidos, justamente para descrever injustiças ambientais em um contexto racializado, como é o caso brasileiro. Naquele cenário de forte luta negra em solo norte-americano, “as pessoas começaram a constatar que a distribuição das políticas ambientais era diferente conforme a cor das pessoas”, explica Bruno Kanela, ativista e líder indígena que atua no Distrito Federal. Kanela participou de debate no Twitter Space do Colab PUC Minas.

“O movimento negro vai questionar a escolha de colocar os aterros sanitários, os rejeitos tóxicos, sempre em áreas onde havia residência de negros e hispanos”, concorda Ângela Maria da Silva Gomes, engenheira ambiental e doutora em Geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Nesse sentido, o termo racismo ambiental reconhece que a discriminação racial também está presente nas políticas ambientais.

Ilustração: Sarah Rabelo

Racismo ambiental e mudanças climáticas

A alteração do clima impacta todo cenário socioambiental do mundo, como o regime de chuvas e o aumento da temperatura global. Contudo, populações que já estão em situação de vulnerabilidade, como indígenas e quilombolas, sofrem mais intensamente com as alterações do clima. Para explicar a relação entre racismo ambiental e mudanças climáticas, Ângela Maria destaca que as vulnerabilidades serão determinantes tanto para a ocorrência do racismo, quanto para acentuá-lo. 

“Isso afeta as comunidades tradicionais, seja os quilombolas e indígenas, seja os agricultores familiares. Mas afeta mais os quilombolas, as comunidades indígenas e o povo de matriz africana, porque a gente tem mais redução dos cursos d’água e essas comunidades têm a natureza como sagrada”, afirma.

De acordo com ela, as dinâmicas sazonais do clima são alteradas com o aquecimento global, o que prolonga o período da seca e transforma as chuvas em tempestades. Ao mesmo tempo, o desmatamento e as queimadas comprometem a qualidade das águas subterrâneas. No entanto, a ação humana traz outras camadas de consequência para os efeitos do clima do planeta: “De maneira genérica, o aumento da temperatura planetária não é resultado só da dinâmica, mas de uma escolha de modelo tecnológico que investiu em uma industrialização que emite gases poluentes, que aceleram o efeito estufa”, explica a pesquisadora, que também é professora do Centro Universitário UniBH.

Além disso, Luciana Vanni Gatti, pesquisadora titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), não desvincula a questão social da econômica. “Quem tem mais condição financeira, tem mais condição de se adaptar às mudanças climáticas, adaptar a vida”, defende. “A administração urbana é feita para os ricos. Não é feita para os pobres. Onde  o pobre mora, inunda, tem vários problemas”, completa. 

Ilustração de Sarah Rabelo

Floresta Amazônica e racismo ambiental

A floresta amazônica, maior floresta tropical do mundo, é uma região que sofre acentuada destruição social e ambiental. O bioma é responsável por gerar umidade para todo o continente sul-americano através dos chamados “rios voadores”. O fenômeno ocorre devido à liberação de enormes quantidades de vapor d’água dessa região para a atmosfera. Luciana Gatti acrescenta: “Nós temos uma fábrica gigante de chuva, que, ao jogar essa quantidade enorme de vapor de água na atmosfera, ajuda a resfriar a temperatura”.

Esse cenário torna-se desfavorecido com as crescentes taxas de desmatamento que ocorrem na região. Com a redução da cobertura vegetal, menos umidade é liberada para a atmosfera, o que, consequentemente, desregula os regimes de chuva que abastecem o Brasil. De acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a floresta tropical, em 2021, teve os piores índices de desmatamento em dez anos. 

De acordo com dados do DETER, sistema de alerta para o controle do desmatamento, os quatro primeiros meses de 2020 tiveram um aumento de 64% no número de alertas em terras indígenas, em comparação com o mesmo período de 2019.

“Quando olhamos a média anual e para o cenário dos últimos 40 anos, estamos perdendo chuva porque, como a temperatura está aumentando, o vapor de água fica na atmosfera e não condensa”

Luciana Gatti

A quem interessa o racismo ambiental?

Apesar dos efeitos catastróficos, o número de pesquisas relacionadas ao termo racismo ambiental no Google é mínimo. Segundo dados da própria plataforma, países das América do Norte e do Sul são os que mais têm interesse na temática. O Brasil é o segundo no ranking de buscas, ficando atrás apenas do Canadá. Apesar disso, quando comparado com o número de buscas pelo termo “mudanças climáticas”, “racismo ambiental” é menor do que 1%. 

A maior parte das pesquisas brasileiras está concentrada em territórios específicos e com baixo índice de busca. Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco são os estados brasileiros de maior índice na procura do termo, enquanto as regiões mais atingidas pelo racismo ambiental têm poucas buscas, como, por exemplo, a Amazônia.  

Em entrevistas realizadas no campus Coração Eucarístico da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), estudantes, professores, funcionários e frequentadores  foram questionados a respeito do termo. As respostas reforçam o cenário apresentado pelos dados de pesquisa da Google: ninguém sabia o significado.

O termo já desperta a atenção de órgãos internacionais. Em reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, um representante do Itamaraty alegou: “Notamos que o chamado racismo ambiental não é uma terminologia internacionalmente reconhecida. Para o Brasil, a discussão sobre a relação entre problemas ambientais e questões sociais, como racismo, deve levar em consideração um enfoque equilibrado e integrado à dimensão social, econômica e ambiental”.

Para além do desconhecimento da terminologia, retrocessos significativos foram cometidos pelo atual governo federal. Um exemplo disso é a PL da Grilagem, que dispensa a vistoria presencial do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para a titulação das médias propriedades, o que pode acentuar a violência nas regiões em que a ocupação ilegal de áreas de proteção ambiental estão avançando.

O colapso ambiental intenso para populações vulneráveis continua progredindo em meio à inexistência de políticas públicas que impeçam a degradação ambiental. Em abril de 2021, completaram-se três anos sem que nenhuma terra indígena fosse demarcada, delimitada ou homologada no Brasil, o que agrava o quadro de invasões e explorações ilegais. A informação foi divulgada em um relatório da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal

O grupo suspeito de operar a logística do garimpo ilegal na terra yanomami é investigado pela Polícia Federal por movimentar R$ 200 milhões em investimentos na reserva indígena. Rodrigo Martins de Mello, um dos integrantes e defensor do garimpo nessa região, é pré-candidato a deputado federal pelo PL e empresário de empreendimentos que receberam recursos do atual governo federal. 

Segundo dados divulgados pelo Ministério de Minas e Energia, o faturamento dos garimpos ilegais no Brasil é estimado entre R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões por ano. Esses investimentos ameaçam as populações vulneráveis sem que existam políticas públicas de proteção  social e ambiental.

Reportagem de Daniela Diniz, Isabella Cerqueira, Luis Henrique Gonzaga, Maria Fernanda Machado, Sarah Rabelo e Vitória Dias para a disciplina Laboratório de Jornalismo Digital no semestre 2022/1.

Clique aqui e leia mais reportagens do Dossiê: Mudanças Climáticas

Colab PUC Minas

Colab é o Laboratório de Comunicação Digital da FCA / PUC Minas. Os textos publicados neste perfil são de autoria coletiva ou de convidados externos.

Adicionar comentário