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Podcast conta a história do jornal Binômio, fechado pela Ditadura em 1964

Irreverente e combativo, noticiário circulou por doze anos em Belo Horizonte

31 de março de 1964. Essa data, que recentemente completou seis décadas, é lembrada pelo início da Ditadura Militar no Brasil. Mas o dia também marca outro fato histórico: o fechamento, em consequência do golpe, do jornal “Binômio: sombra e água fresca”, um dos mais inovadores da imprensa nacional. A história do jornal é o enredo de uma série de podcasts produzida por estudantes do curso de jornalismo da PUC Minas. 

Criado em Belo Horizonte, em 1952, por José Maria Rabêlo e Euro Arantes, o Binômio foi na contramão de outras publicações locais. A linha editorial era caracterizada pelo humor e pelas denúncias políticas, a começar pelo nome, uma sátira ao programa do então governador Juscelino Kubitschek. De acordo com Ângela Carrato, jornalista e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o jornal foi um “oásis” para leitores acostumados com o “comodismo da imprensa mineira”, e “destoava” dos demais. “O binômio chegou a ter tiragem acima de 60 mil exemplares, número muito maior do que o líder da época, o Estado de Minas. Mas o que era oásis para uns, era pesadelo para outros, principalmente o setor conservador e reacionário que existe em Minas Gerais até hoje”, conta.

Um jornal fora da curva

Em função de reportagens e charges polêmicas, citando figurões do governo e da alta sociedade, o Binômio sofreu várias retaliações, incluindo situações de violência física contra os jornalistas. Além disso, foi recolhido das bancas pela polícia mais de uma vez, mas conseguiu reverter as ações por ordem judicial. Durante o governo de Bias Fortes (1956-61), o jornal teve que ser impresso no Rio de Janeiro, por pressão do governador contra as gráficas belo-horizontinas que o imprimiam anteriormente. Em 1961, os militares chegaram a invadir e destruir a redação, em um ato contra a liberdade de imprensa que ganhou destaque internacional na revista norte-americana Time e no jornal francês Le Monde.

Carrato, que possui várias publicações acadêmicas sobre o Binômio, destaca as inovações do noticiário. “Ele foi o primeiro jornal brasileiro a usar cor no título. Era um jornal que cobria todo espectro temático: esportes, sociedade, cidades, cultura, movimentos sociais. Outro ponto importante é que, nos anos 1950, a maioria dos jornais usava a fotografia de forma escassa. E o Binômio não, ele usava fotos de até uma página inteira quando julgava necessário, não só na capa, mas internamente”, afirma. A pesquisadora também ressalta as manchetes chamativas: “Era um jornal sarcástico e usava o humor para denunciar as situações de desigualdade e injustiça. O que tem muito a ver com a razão de ser do jornalista”.

Quanto mais eu estudo a imprensa mineira e a imprensa brasileira, mais eu vejo como o Binômio foi um jornal importante, revolucionário e quase ‘premonitor’ do que viria a acontecer.

Ângela Carrato, jornalista, pesquisadora e professora da UFMG
José Maria Rabêlo, fundador do Binômio, em 2014. Foto: Flávia Cristini/ Portal G1

Legado para o jornalismo brasileiro 

Para o jornalista Lélio Fabiano, que começou sua carreira no Binômio, em 1962, o jornal foi uma grande escola. “A rotina da redação era assim: me davam as pautas, eu era orientado: ‘você vai escutar fulano, fulano e fulano’, e então ia para o campo fazer a apuração, com essas fontes e outras que se desdobravam”. Lélio acredita que esse tipo de jornalismo investigativo ainda existe, mas está mal distribuído. “O jornalismo hoje é muito declaratório. Falta esse espírito que o Binômio tinha, de ir atrás, pesquisar, ficar dias investigando o que aconteceu e por quê aconteceu”, afirma. 

Moisés Rabinovici, hoje comentarista internacional da TV Band, também foi foca (jargão usado para denominar jornalistas iniciantes) no jornal, e destaca que o Binômio influenciou diversos veículos independentes que surgiram nos anos seguintes, como O Pasquim e o Jornal da Tarde. “A imprensa naquela época não tinha nenhuma modernidade, ousadia ou inovação. E esses jornalistas que criaram o Binômio promoveram uma revolução. Esse é o grande legado do jornal, que se deve ao Euro e ao Zé Maria. Se não fossem eles, esse time não seria reunido. Muitos grandes nomes do jornalismo brasileiro começaram a carreira lá, como o Ziraldo e o Fernando Gabeira”, diz. 

Rabinovici afirma que atualmente é difícil encontrar um jornal “produtor da notícia”, pois, em geral, os noticiários cobrem os grandes fatos, mas não vão atrás de furos de reportagem. 

O sucesso de um jornal depende da sua diferença entre os outros. Você vai em uma banca e tem todos os jornais expostos. Qual deles se diferencia? Ganha o leitor o que for singular, o que souber ser diferente sem ser forçado, usando apenas a criatividade. Hoje é difícil ter algum. Estamos carentes dessa criatividade que começou no Binômio e se espalhou por outros lugares. É raro encontrar.

Moisés Rabinovici, jornalista

Ditadura e exílio

No dia anterior ao golpe de 1964, houve uma tentativa de prisão de José Maria Rabêlo, fundador e diretor do Binômio, na chamada “Operação Gaiola”, uma caça a supostos líderes de esquerda em Minas Gerais. Devido a isso, o jornalista teve que fugir para o exílio na Bolívia e, assim que os militares tomaram o poder, o jornal foi forçado a encerrar suas atividades. 

José Maria Rabêlo se despedindo dos filhos antes de ir para o exílio, 1964. Foto: Kaoru Higuchi/ Jornal do Brasil

José Maria faleceu em dezembro de 2021. Ele deixou sete filhos, entre eles Fernando Rabêlo que, no início da Ditadura, tinha apenas dois anos. As marcas do exílio ecoam até hoje. “Depois do golpe, quase todos os dias eles iam lá em casa à procura do meu pai, que estava escondido e depois fugiu do país. Eu e meus irmãos ficamos um ano sem vê-lo, só nos reencontramos em 1965, no Chile”.

Fernando conta que a família Rabêlo permaneceu no Chile até o país também sofrer um golpe militar, o que forçou a ida deles para a França. 

Só fui conhecer o Brasil com 17 anos. Era uma vida muito tumultuada, isso prejudicou o nosso processo educacional. Medo, ameaças. A nossa luta foi pelo direito de voltar para o nosso país. Nós fomos criados sem os avós, os tios, os primos. Voltar para o convívio no Brasil, com a família e os amigos. Meu pai nos ensinou a não ter ressentimentos, a seguir a vida e deixar as coisas ruins pelo caminho”

Fernando Rabêlo, filho de José Maria Rabêlo

O podcast “Binômio: sombra e água fresca” está disponível no Youtube e no Spotify. Acompanhe também no instagram: @podcastbinômio

Amanda Pena

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