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Foto de Laysa, ela é uma mulher jovem, com cabelos longos e escuros e olhos castanhos. Ela dá um meio sorriso e segura um certificado da NASA. Na imagem ao lado, uma foto de seu asteroide.

Desbravadora do universo: aos 18 anos, mineira Laysa Peixoto descobre novo asteroide e é reconhecida pela NASA

A estudante mineira de 18 anos Laysa Peixoto descobriu, em agosto de 2021, um novo asteroide, e foi reconhecida pela maior agência espacial do mundo: a NASA. A jovem, da cidade de Contagem, cursa Física na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e já foi medalhista na 23ª Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica e na a Competição Internacional de Astronomia e Astrofísica de 2020, colecionando medalhas de prata e bronze.

O corpo espacial detectado foi nomeado LPS 003, a partir das iniciais de sua descobridora, que também é técnica em Informática e estudou em escolas públicas durante toda sua formação estudantil. Além da paixão pelo espaço e pela tecnologia, Laysa é escritora e violinista integrante da Orquestra Cefart do Palácio das Artes. Com a mais recente descoberta, ela já planeja seus próximos passos no mundo da astronomia.

Para conhecer Laysa e sua jornada até o grande feito, confira a entrevista a seguir, que foi editada para fins de clareza e coesão:

Como e quando surgiu seu interesse pelos cosmos e pela astrofísica?

Meu interesse pela astronomia e pelo cosmos começou muito cedo, quando eu ainda era criança. Como a maior parte das crianças, eu sempre gostei de questionar as coisas, de entender como as coisas funcionavam, vivia fazendo perguntas para todo mundo. Eu gostava muito de observar o céu, tanto de dia quanto à noite, gostava de observar as estrelas, gostava de observar as nuvens, o sol. Quando eu tinha oito anos,  ganhei um DVD da série Cosmos, com Carl Sagan e, desde então, minha paixão cresceu ainda mais. Pude vislumbrar um mundo, um universo diferente do que eu imaginava existir naquela época, minha perspectiva e minha noção das coisas mudou muito com esse primeiro contato com a astronomia. E, durante o Ensino Médio, participando de Olimpíadas Científicas como a OBA, o interesse cresceu ainda mais.

Como foi o processo de identificação do asteroide LPS 003?

No início de 2021, eu me inscrevi no Caça aos Asteroides, um projeto de pesquisa voluntário da NASA, com a União Internacional de Colaboração Astronômica e, desde então, eu tenho analisado as imagens que eles enviam, à procura de um asteroide. Eu analiso as imagens com um software chamado Astrometrica, e analiso cada região das imagens. Como os asteroides são muito pequenos, eles vão aparecer no tamanho de um pixel na imagem, então, é um processo demorado porque são muitos detalhes, muitas coisas que devem ser analisadas com calma. Demorou muito tempo para analisar cada conjunto de imagens enviadas por eles. Fiquei muitos meses analisando várias, obtidas pelo telescópio Pan-STARRS, do Observatório Astronômico da Universidade do Havaí. Depois de muitos meses enviando relatórios, logo após identificar um ponto em movimento que tem as características de um asteroide, eu enviei um relatório com essas características e o identifiquei com as três iniciais do meu nome e o número da sequência em que eu encontrei esse ponto em movimento. Felizmente, no dia 13 de agosto, eles confirmaram um dos pontos que eu identifiquei, o LPS 003. Demorou muitos meses até que  realmente um dos pontos que eu identifiquei fosse considerado um asteroide. É muito gratificante saber que essa busca de tantos meses deu certo.

Asteroide LPS003 / Foto: Arquivo Pessoal

No ano de 2020, você foi medalhista de prata na 23ª Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica. Para você, esta olimpíada contribui para o descobrimento e incentivo de novas mentes na área, especialmente para aquelas de escolas públicas?

As olimpíadas científicas têm um espaço muito grande no meu coração. Eu admiro muito todas as pessoas que organizam as olimpíadas, que se dedicam para ajudar os alunos que estão inscritos. Realmente, as olimpíadas científicas mudaram a minha vida, aumentaram a minha perspectiva. Eu pude acreditar mais em mim mesma, pude perceber que era possível entender, dominar um assunto, fazer todos os cálculos necessários para a prova. Aplicar conhecimentos matemáticos e físicos em uma prova de olimpíada é algo transformador, eu percebi que eu era capaz de ir bem. E eu fui bem, fui medalhista de prata. Depois, fui para a seletiva internacional, disputei a final da Competição Internacional de Astronomia e Astronáutica, conquistei o bronze e foi um momento muito especial da minha vida.

As olimpíadas científicas podem transformar a vida de todos os alunos.

Nessa minha jornada escolar, eu descobri as olimpíadas muito tarde, descobri praticamente sozinha, no Ensino Médio. Então, é muito importante que as escolas públicas incentivem os alunos a participarem. A maior parte das escolas, se não todas, participam da Olimpíada Brasileira de Matemática, mas não há uma preparação, os alunos não são preparados para a prova e, muitas vezes, podem sentir que não são suficientes ou que não são capazes de realizar uma prova. Assim, os alunos ficam desanimados. Eu percebi muito isso estudando no ensino fundamental e no ensino médio. É muito importante que os professores incentivem os alunos e preparem eles, dando exercícios parecidos com a prova e tudo mais. E é importante também se dedicar fora da escola, isso faz a diferença.

Eu espero que as olimpíadas científicas sejam valorizadas em todas as escolas e que mais alunos possam se interessar, que possam ter oficinas de astronomia, de física, de literatura, de artes. É algo realmente muito importante e que vai impactar a vida dos alunos. Existem tantas olimpíadas legais: da língua portuguesa, de arte, de história, de física, entre outras. Então, eu tenho certeza que a arte, a  cultura, a educação, a matemática, a astronomia, podem aumentar a perspectiva das pessoas, elas podem fazer o que elas amam. É muito importante que alunos possam também pesquisar as olimpíadas que interessem, o assunto que eles gostam. Se a gente for fazendo isso desde o ensino médio, vai ser mais fácil saber que caminho seguir e a gente vai se sentir mais preparado também, então, as olimpíadas são imprescindíveis na vida de um estudante.

Você tem algum incentivo financeiro para permanecer na área da pesquisa científica?

Eu ainda não recebo nenhum incentivo financeiro para as minhas pesquisas científicas. Além da caça aos asteroides, eu estou escrevendo um artigo em conjunto com outras colegas sobre matéria escura e ondas gravitacionais, e nós não recebemos nenhum incentivo financeiro, mas espero que possamos receber em breve.

Nós realmente amamos o que nós fazemos. As pesquisadoras, os pesquisadores e a pesquisa como um todo devem ser valorizados no país.

Esses dois projetos de pesquisa que eu mencionei são voluntários e não são vinculados à faculdade, mas em breve espero realizar minha iniciação científica. Estou indo pro 2° período do curso de Física e espero que em breve isso ocorra.

Quais são os principais desafios que você enfrenta como uma mulher jovem em uma área predominantemente masculina?

Logo após o ensino médio, eu ingressei em um projeto chamado Desbravadoras do Universo em que a história de mulheres cientistas, de centenas de mulheres que mudaram as história, são contadas, porque elas realmente foram apagadas da história propositalmente. Esse projeto me ajudou muito a me ver na ciência, a ver outras mulheres. Foi criado por mulheres cientistas e, desde o momento em que eu entrei, conheci várias mulheres pesquisadoras dessa área, do Brasil e de outros lugares. Participando de outro projeto, e é nesse projeto que estou fazendo o artigo que mencionei, chamado Meninas e Mulheres nas Galáxias, eu conheci várias pesquisadoras e foi fantástico, eu me senti representada.

O maior desafio, na minha opinião, é não conseguir se enxergar como pesquisadora em um lugar que o mundo te faz acreditar que não é pra você.

Foi mais ou menos o que eu senti na época da escola, porque eu abria o livro de física, de matemática ou de química e não me sentia representada. Não havia muitas cientistas sendo citadas, no máximo, uma ou duas, então, isso é algo muito triste que eu espero que possa ser transformado com o tempo. Com esses projetos, eu tenho certeza que, se eles forem levados para as escolas, as meninas vão conseguir se interessar mais. Na verdade, a maioria tem esse interesse, mas às vezes elas não se sentem representadas, sentem que não há espaço para elas, que vai ser algo muito difícil de ser conquistado. Esse é um dos grandes desafios, o chamado Efeito Matilda.

Eu gosto muito daquela frase do Newton em que ele diz “se eu vi mais longe foi por estar sobre ombros de gigantes”, porque representa muito bem essa questão de vencer esse desafio de achar que não havia espaço pra mim. Olhar para trás e ver esses milhares de mulheres que mudaram a história e fizeram coisas grandiosas, que descobriram a composição do sol, que fizeram o método de calcular distância através de estrelas cefeidas, que conseguiram descobrir a fissão nuclear, entre infinitas outras coisas que as mulheres fizeram e ainda fazem.

Até o momento, felizmente, eu não passei por situações desagradáveis por estar  em um ambiente de estudos predominantemente masculino, mas vejo que as mulheres têm que demonstrar a todo momento que sabem tudo, têm que responder toda e qualquer pergunta que fizerem sobre o assunto e tudo mais, até perguntas muito bobas. O nosso conhecimento, o nosso estudo e a nossa capacidade são questionados na maior parte do tempo, na verdade. Às vezes eu recebo perguntas assim, parece que as pessoas estão tentando testar o que a gente sabe. Isso acontece principalmente com as meninas. Outras amigas da minha área também já me relataram isso. Esse é um grande desafio também.

Qual foi sua reação ao ter sua descoberta reconhecida pela Nasa? Como você comemorou esta conquista?

Eu fiquei muito feliz quando vi meu nome e o nome do asteroide que eu detectei na lista de descobertas recentes. Foi uma experiência única, demorei alguns minutos para processar porque realmente foram muitos meses de trabalho. Tive momentos complicados ao analisar as imagens porque demandava muito tempo, e ainda demanda. Ainda estou analisando algumas, mas fico muito feliz que todo o trabalho tenha dado certo e esse é só o início. Espero encontrar mais e participar de outros projetos que já tenho em mente. Eu me senti muito feliz, comemorei comendo pizza com a minha família e amigos, e  estou muito feliz com essa realização.

E após receber esse reconhecimento da maior agência espacial do mundo, você já sabe quais serão seus próximos passos e objetivos?

Um dos meus próximos passos agora é realizar um curso da NASA que se chama Advanced Space Academy, que será realizado em maio de 2022. Para isso, eu fiz uma vakinha, porque não tenho recursos financeiros para ir até os Estados Unidos e realizar o curso, mas estou muito confiante que vai dar certo e estou animada. É um curso intensivo de treinamento de astronauta, você tem acesso a todos os materiais, equipamentos e participa de uma simulação de uma missão espacial, então, você realmente é treinado como um astronauta pelos engenheiros, físicos e matemáticos da NASA, tendo toda a instrução deles. É uma experiência que eu quero muito ter na minha vida, que com certeza vai agregar muito na minha carreira e, quem sabe, com essa oportunidade, eu consiga outras, futuramente.

 Quero realizar outros cursos para ser astronauta, que é um dos meus grandes sonhos.

Um outro grande objetivo também é continuar firme na minha graduação. Eu vou para o 2° período de Física e estou muito animada para realizar iniciação científica. Já  sei a área em que quero me especializar, que é na astrofísica e na cosmologia, então, estou muito animada por iniciar minha jornada. Quero estudar muitos outros temas e muitos outros corpos celestes.

Dara Russo

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