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Foto da paisagem dos prédios históricos de Tiradentes.

“Está fadada ao fracasso a nação que idolatra mitos inventados mas não conhece sua história”

Em seu livro mais recente, Lucas Figueiredo conta a história do homem por trás do mito de Tiradentes

Jornalista formado pela PUC Minas, Lucas Figueiredo escreveu cinco livros-reportagem, foi escolhido pelas premiações Jabuti, Esso e Vladimir Herzog. Em seu livro mais recente, Tiradentes – Biografia de Joaquim José da Silva Xavier, Figueiredo fala sobre a construção da figura de Tiradentes como herói da República e a verdadeira história por trás do homem que ele foi.

Capa do livro “O Tiradentes”, de Lucas Figueiredo

Confira a seguir a entrevista de Lucas Figueiredo ao Colab, que foi editada para fins de clareza e concisão:

Com o início do período republicano, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, ganhou o título de “herói nacional”, que permanece associado a ele até hoje. De que forma a associação de Tiradentes a este posto contribui para o imaginário brasileiro dos heróis da nação?

O movimento republicano do início do século XIX precisava de um herói para melhor embalar suas propostas, e Joaquim José da Silva Xavier caiu como uma luva no cumprimento desse objetivo. Naquela época, a figura de Tiradentes foi moldada de forma a emular a figura de Jesus Cristo, de fácil aceitação popular. Portanto, a figura que louvamos como herói da nação não é o homem Joaquim José, de carne e osso, mas uma invenção.

Em entrevista à Companhia das Letras, você disse que Tiradentes “sempre foi tratado de maneira muito institucional” e que, nesta biografia, você pretendia “ver o lado desconhecido, quem era o Joaquim”. O que, enquanto nação, ganhamos ao ver o outro lado dos nossos heróis?

Está fadada ao fracasso a nação que idolatra mitos inventados mas não conhece sua história e a história dos homens e mulheres que moldaram nosso país. No caso de Tiradentes, acredito que o personagem real é muito mais interessante que o mito. Conhecer quem foi, de fato, Joaquim nos ajuda a entender quem somos e como chegamos até aqui.

Em Minas Gerais, naturalmente, rememoramos mais a Conjuração Mineira do que outros movimentos separatistas ou independentistas do Brasil. Isso nos dá, de alguma forma, outra percepção da Independência do Brasil? 

É compreensível que a Conjuração Mineira tenha um interesse maior em Minas Gerais, mas, de fato, nosso Estado tem a tendência de subvalorizar outros movimentos de independência e/ou de contestação da autoridade portuguesa na colônia. Nossa história de independência é uma colcha de retalhos, e a Conjuração Mineira é um pedaço importante disso, pois foi a primeira tentativa real de buscar a separação de uma parte da colônia em relação a Portugal. A Conjuração Mineira fracassou em seus objetivos, mas colocou de pé uma ideia de independência que seguiria viva, inclusive estimulando outros movimentos pelo Brasil.

Hoje, sabemos da frustração de Joaquim José da Silva Xavier na carreira militar. No entanto, sua imagem de herói nacional está diretamente atrelada ao militarismo, assim como outros símbolos cívicos. Como você vê essa vinculação na atualidade, em meio às comemorações do Bicentenário da Independência durante o governo Bolsonaro?

Joaquim ocupava o posto de alferes (patente mais baixa do oficialato na época) da cavalaria de Minas Gerais quando participou da Conjuração Mineira. Mas não apenas isso. Ele foi a principal referência militar do movimento, responsável por estratégias de combate e defesa. O comandante da cavalaria na época, Francisco de Paula Freire de Andrada, também fazia parte do movimento, mas, para o grupo, em questões de estratégia militar, Tiradentes era mais importante que o comandante. Portanto, é mesmo impossível dissociar a origem militar de Tiradentes quando se fala de sua história e da Conjuração Mineira. Porém, em relação à possível utilização, por parte do governo Bolsonaro, da figura de Tiradentes nas comemorações do Bicentenário da Independência, isso deve ser encarado como mais um capítulo da eterna manipulação e reutilização do mito Tiradentes.

Quais símbolos, representações e heróis da Independência você acha que poderiam ser evocados pelos brasileiros durante este Bicentenário e que ainda permanecem silenciados ou ocultos?

Seria muitos nomes porque foram muitos os movimentos. Para citar apenas um, também da Conjuração Mineira, destaco dona Hipólita Jacinta Teixeira de Melo. Fazendeira rica da comarca do Rio das Mortes (hoje, região de São João Del Rei), mulher do conjurado Francisco Antônio de Oliveira Lopes, dona Hipólita foi uma revoltosa muito ativa, sobretudo na articulação do grupo por meio das cartas que escrevia (ela era alfabetizada, coisa rara na colônia). Quando o movimento foi descoberto pelas autoridades coloniais portuguesas e começou a ser desmantelado, dona Hipólita agiu com grande coragem, tentando articular os revoltosos que pretendiam seguir adiante com o movimento, ao mesmo tempo, que apontava o caminho de saída para aqueles que não estavam mais dispostos a lutar. Dona Hipólita não foi arrolada como ré no processo judicial da conjuração, mas, ainda assim, teve seus bens sequestrados pela Coroa, e seguiu lutando por anos para reaver o que lhe era de direito. Seu nome, porém, nunca foi incluído entre os heróis do movimento.

Leia o dossiê completo sobre o Bicentenário da Independência

Helena Fernandes Tomaz

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