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A personagem Ângela Diniz, uma mulher branca, com o cabelo castanho, está dentro de um carro conversível prata, no banco do motorista. Sua mão esquerda sobre a cabeça e seu olhar é distante.

Entre lacunas e acertos, cinebiografia conta a história de Ângela Diniz

Em 30 de dezembro de 1976, a socialite mineira Ângela Diniz foi assassinada pelo namorado, o empresário Doca Street, com quatro tiros no rosto. O crime aconteceu em uma casa de veraneio em Búzios e ganhou repercussão nacional. A história é contada no filme Angela, do diretor Hugo Prata, que estreou nos cinemas em setembro e no streaming no início de outubro.

A cinebiografia é a primeira obra ficcional sobre o caso, retratado anteriormente apenas em formatos documentais, como o podcast Praia dos Ossos (2020), da Rádio Novelo, que atingiu 4 milhões de plays. Também não é a estreia de Prata nesse tipo de produção. Ele assinou a direção do filme Elis (2016), sobre a vida da cantora Elis Regina.

No longa metragem de 2023, a trajetória de Ângela Diniz (Isis Valverde) é contada do dia em que ela conhece Doca Street (Gabriel Braga Nunes) até o momento do assassinato. De acordo com o diretor, a escolha do recorte foi proposital, pois o objetivo é mostrar que o passado da socialite não tem nenhuma ligação com seu desfecho, contrariando o que os advogados de defesa de Doca tentaram afirmar. Assim, durante 1 hora e 45 minutos, o foco fica totalmente na relação conturbada do casal, que durou apenas quatro meses e terminou de forma trágica. 

O filme acerta ao retratar, em várias cenas, como funciona um relacionamento abusivo. É possível perceber claramente como Doca é cada vez mais agressivo e possessivo em relação à namorada. O comportamento problemático se revela desde atitudes sutis, como o controle das vestimentas e o ciúme de ligações telefônicas, até atos escancarados, como agressões físicas e verbais. Além disso, a trama chama atenção para uma questão crucial: como a intervenção das pessoas ao redor pode evitar que a violência se agrave, em contrapartida ao que diz o ditado popular: “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”.

Porém, apesar das excelentes atuações dos atores, a obra deixa lacunas na apresentação dos personagens. O espectador que não conhece o caso não sabe detalhes importantes, como o status de ambos nas colunas sociais, o divórcio polêmico e a mudança de Ângela Diniz de Belo Horizonte para o Rio. Isis encarna muito bem o espírito da “Pantera de Minas”, mas falta contextualizar mais quem era essa mulher livre, à frente do seu tempo e, principalmente, qual era seu impacto na sociedade da época. O erro do julgamento de valor não está na história dela, e sim na visão dos que a julgam por esse prisma.

Já a escolha de não retratar o julgamento foi assertiva, visto que este foi longo e complexo, por isso daria um filme à parte. A opção, segundo a direção, também foi estratégica, pois o tribunal foi o lugar onde a honra de Ângela foi mais atacada. Entretanto, é inegável que perde-se uma das partes mais emblemáticas acerca do crime, a mobilização de mulheres de todo o Brasil, em 1981, na campanha “Quem ama não mata”, que resultou na condenação do réu a 15 anos de prisão.

O destaque fica para a protagonista Isis Valverde, que interpretou Ângela em todas suas nuances, desde a autenticidade até as angústias. Gabriel Braga Nunes também acertou a essência de Doca, uma figura dúbia que exala machismo e passionalidade em suas atitudes. É uma produção interessante, mas que peca mais pela falta do que pelo excesso. Obviamente, o tempo de tela limita as possibilidades de abordar tudo, mas a história de Ângela Diniz é bem mais do que o curto período em que viveu com seu assassino, e o filme, que leva seu nome no título, deveria mostrar mais de sua vida.

Confira o trailer do longa:

Amanda Pena

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