Das áreas centrais aos bairros, o transporte coletivo é um dos modais mais utilizados pela população. Seja pela sua praticidade ou tarifa acessível, os cidadãos estão muito satisfeitos com a estrutura, segurança, acessibilidade e agilidade das viagens cotidianas dentro dos ônibus. E não são apenas os passageiros, mas também os trabalhadores que operam dentro do sistema rodoviário e exaltam os constantes investimentos realizados para o bem-estar deles durante o trabalho. Não há como negar, o transporte público de Berlim é o melhor do mundo.
Segurança para quem?
Ainda que o ônibus seja um dos principais meios de transporte coletivo, não só na Alemanha, país que domina o ranking com o melhor transporte público do mundo, mas, em todo o Brasil, incluindo Belo Horizonte, cotidianamente a população reclama e suplica por melhorias nos ônibus. E com razão, segundo uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Um terço (36%) dos brasileiros passa mais de uma hora no trânsito. Sendo que pelo menos 8% da população gasta mais de três horas. O órgão entrevistou mais de duas mil pessoas, acima de 16 anos, economicamente ativas em cidades do Brasil com mais de 250 mil habitantes. O levantamento ocorreu entre os dias 1°e 5 de abril deste ano.
Maria Maria é um dom, uma certa magia
Entre os problemas constantemente descritos pela população, está a insegurança – fator que afeta, predominantemente, mulheres, pessoas negras, classe social CDE, população LGBTQIAP+ e pessoas com deficiência (PCD). Os dados são da mais recente pesquisa “Percepções sobre segurança das mulheres nos deslocamentos pela cidade”, realizada, em 2021, pelos institutos Locomotiva e Patrícia Galvão, com apoio da ONU Mulheres e Uber.
Passageiras relatam olhares insistentes, cantadas indesejadas, comentários de cunho sexual, e até perseguição, discriminação, passadas de mão e estupro. Como podemos observar no gráfico, os casos de olhares e cantadas nos ônibus de Belo Horizonte são mais numerosos do que nas outras alternativas.
Desafios enfrentados dentro dos ônibus
Caminho se conhece andando
Gabriela de Menezes Barreto, analista de pesquisa do Instituto Locomotiva, explica que a percepção de plena segurança, segundo a pesquisa realizada, é sentida majoritariamente por homens, pessoas brancas, não LGBTs e não PCDs. Além de pessoas com rendas mais altas e moradoras de áreas nobres ou regiões centrais da cidade.
Ainda que o acesso à cidade e à segurança seja um direito constitucional, como o direito à saúde e à educação, a lógica de ônibus de Belo Horizonte e de rota inviabilizam o acesso à cidade e a segurança. Luana Costa, jornalista especialista em direitos humanos e cidadania – formada pelo Instituto de Direitos Humanos de Minas Gerais denuncia que esse sistema violenta e impede os cidadãos de “viverem uma vida com liberdade e com dignidade nas cidades”.
Fatores de inclusão e acessibilidade estão diretamente relacionados às práticas de dignidade, o que inclui o combate às dificuldades que PCDs têm para se locomover na cidade. “As pessoas cegas, por exemplo, a cidade não está preparada para recebê-los, seja uma pessoa cega que não consegue às vezes se deslocar sozinha, uma pessoa cadeirante, com baixa audição e/ou visão. A cidade não acolhe essas pessoas porque tanto ela quanto os transportes coletivos não foram pensados, planejados e projetados para acolher esse grupo”, denuncia Luana Costa.
A insegurança da mulher
Atos que geram constrangimento e/ou insegurança, como nos casos de assaltos, são os mais sentidos pelas mulheres. No entanto, como também foi observado, ocorrem casos mais graves. A nutricionista Marana Hauck, de 37 anos, conta em entrevista ao podcast Papo de Busão que o ato de ser importunada sexualmente é muito comum.
Porém, um episódio em específico marcou sua experiência dentro do ônibus quando ela tinha cerca de 16 anos. (Ouça o relato no player ao lado. Mas, atenção: o áudio tem gatilho de assédio).
Ainda que o ocorrido não tenha sido sentido fisicamente, ela se diz traumatizada. Hoje, depois de mais de 20 anos utilizando o transporte coletivo, Marana não utiliza mais ônibus, mas teme pela segurança da filha de 18 anos, que já sofreu assédio na espera de um ônibus e dentro do transporte.
“Atualmente, em decorrência da frequência com que utilizo o ônibus e da minha idade, eu me sinto mais segura, mas porque eu estou sempre vigilante. Na época em que o episódio aconteceu, não havia botão do pânico, nem redes sociais, que ajudam bastante”, diz. Ela completa que, ainda que a situação seja negligenciada, as mulheres estão deixando de ter vergonha e de se culpabilizar, para expor as situações.
Para Luana Costa , mulheres estão mais inseguras, “porque a dinâmica de viver na cidade nos impede de acessar os lugares com liberdade”. Segundo ela, diferente dos homens que, comumente, fazem um trajeto pendular (de ida e volta), as mulheres, para além do trabalho, compram itens para casa, resolvem questões pessoais, cuidam de outras pessoas, entre diferentes tarefas. “Nós fomos colocadas nesse lugar – o de cuidadoras”.
Como Luana Costa explica, “essa carga passa pelo corpo feminino, o que afeta o deslocamento e dinâmica em função desses cuidados. Então, teoricamente, esse sistema de deslocamento nem nos atende, já que nem o planejamento urbano é pensado a partir das nossas especificidades”.
A certidão pra nascer, a concessão pra sorrir
Como mulher, negra, nascida e criada em Venda Nova, região norte de BH, Luana Costa soma ao seu estudo sobre mobilidade urbana a sua experiência com o transporte coletivo, que ela considera uma ferramenta que fomenta a exclusão social. “A nossa cidade pode ser recortada por uma questão racial”, comenta. A jornalista se emociona ao contextualizar a dinâmica das cidades, em que pessoas negras autodeclaradas ocupam as margens, pois a distribuição geográfica reflete as consequências do processo de escravidão.
A questão da insegurança está completamente conectada a isso, uma vez que na estrutura urbana dos grandes centros, a precariedade está às margens. Então, óbvio que eu me sinto mais insegura ao me deslocar na cidade, porque não conto com ônibus nos horários que estão corretos. As pessoas da periferia têm de atravessar grandes vias para acessar o ônibus de Belo Horizonte – embora seja um direito social, ele não é assegurado pelo estado. Então, além de rodar uma catraca, a gente ainda tem que pagar por esse serviço social. Enquanto uma pessoa preta, periférica, mas também enquanto mulher, a dinâmica da cidade violenta o meu corpo.
Luana Costa, jornalista e especialista em direitos humanos e cidadania
Segundo a pesquisa do Instituto Patrícia Galvão, 46% dos entrevistados apontaram que pessoas negras correm mais risco de sofrer violência do que brancos/não negros em seus deslocamentos.
O palhaço ri dali, e o povo chora daqui
Criado em 2016, o vagão exclusivo para mulheres no metrô de BH lançava-se como um promissor investimento para a segurança do público feminino. Contudo, após quase oito anos da sua criação, o vagão não tem sinalização ou divulgação sobre seu uso. O vagão “rosa”, como é popularmente chamado, une-se à medida “Botão do pânico”, implementada em 2018 por uma parceria entre Guarda Municipal, BH Trans e CBTU. No entanto, são vários os relatos de passageiras que denunciam a entrada de homens nos vagões exclusivos. As ações, ainda que raras, visam a segurança da mulher.
No entanto, são problemáticas, como no caso do botão do pânico que fica ao lado do motorista, ou seja, no início do ônibus. Em um cenário de assédio, a vítima terá que se deslocar até a frente do veículo para pedir que o motorista acione o botão. Ainda assim, o motorista pode decidir não acionar. Só então haverá um chamado à guarda municipal.
Luana Costa enxerga a situação como violenta, em que “o olhar de julgamento das pessoas que estão ali, também gera um constrangimento”. Além disso, fica a duvida se a corrida será mesmo interrompida e o medo de atrasar os outros passageiros em circunstância da sua denúncia. A jornalista ainda ressalta a falta da representação feminina na elaboração de projetos nesta temática.
Iniciativas sugeridas por mulheres na pesquisa do Instituto Locomotiva:
Vale ressaltar que, segundo o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), proporcionalmente, existem 86,8 homens para cada 100 mulheres na capital mineira. Em números absolutos, são 1.239.813 mulheres contra 1.075.747 homens, ou seja, 164.066 pessoas do sexo feminino a mais. Pelo menos 8 entre 10 mulheres utilizam alguma das medidas a seguir por medo ou insegurança: evita passar por locais desertos / escuros; pedem para que outras pessoas esperem você em casa; escolhem o lugar em que vão se sentar no ônibus pensando na segurança e evitam sair à noite.
Amar é um deserto
Tenho 47 anos e há 27 atuo com o transporte. É um sonho de criança, vindo do meu pai, que era motorista de ônibus, toda minha família trabalhava como motorista”.
Ricardo Borges, motorista de ônibus
Este é um relato de Ricardo Borges, um dos entrevistados no podcast Papo de Busão. Com anos de profissão, ele afirma ser feliz com o que faz. Ele tirou sua carteira C aos 18 anos e foi trabalhar com caminhão. Aos 21, tirou a carteira D e começou seu trajeto nos ônibus, depois, trocou para a E, para ônibus articulados e carretas. Desde então, trabalha há 23 anos nos coletivos, profissão que escolheu por amor.
Apesar de trabalhar com o que gosta, Ricardo já passou por situações que o levaram ao medo, como assalto a mão armada e uso de faca como repressão. Em entrevista, ele relembra a vez em que um assaltante entrou em seu ônibus, deu um tiro para cima e depois colocou a arma em seu ouvido, anunciando o assalto. Na época, ainda contava com a presença de seu parceiro de trabalho, o cobrador, profissional que foi retirado do sistema de ônibus de BH.
Apesar de assustadora, esta é uma realidade que permeia ruas e avenidas da capital Mineira. De acordo com a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), somente em 2023, o número de furtos e roubos nos coletivos públicos de Belo Horizonte correspondia a 1.842 ocorrências no período de janeiro a setembro.
A insegurança reside no comportamento de quem precisa estar nos ônibus diariamente e também em pontos em ruas e avenidas. A socióloga urbanista Ana Marcela Ardila, professora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) explica que nas ruas e avenidas o medo é carregado de muitos fatores, entre eles, a falta de iluminação nas ruas e avenidas no período noturno e o processo de desertificação dessas áreas à noite.
Em um de seus estudos, a socióloga diz que a construção de muros também colabora para o índice de assaltos. Com base em suas análises, pôde-se perceber que os bairros com mais residências muradas são os locais com maior incidência de criminalidade.
De acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho, o motorista de ônibus é aquele profissional que dirige veículos de empresas particulares, municipais e interestaduais, aciona comandos de marcha e direção, bem como conduz o veículo no itinerário, respeitando as regras e normas estabelecidas no trânsito, com a finalidade de transportar os passageiros dentro de uma localidade.
Mas a realidade mostra que a profissão vai além desta definição, enfrenta desafios e repressões vindas dos usuários insatisfeitos. De acordo com relatos, os motoristas são expostos a assaltos, ameaças e descaso no trânsito diariamente. A rotina desgastante tem afetado a saúde física e principalmente psicológica dos motoristas.
De acordo com Ana Marcela Ardila, o desenho urbano de Belo Horizonte é precário. Com vias muito longas e centralização de serviços públicos em poucos locais, o que colabora, segundo ela, para um tráfego intenso e lento. Tais fatores prejudicam o trânsito da cidade e a saúde mental dos motoristas. Nesse cenário, é preciso que políticas públicas sejam criadas para que o bem-estar dos motoristas seja garantido. Na ausência delas, cabe aos órgãos trabalhistas lutar por seus direitos.
O Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários de Belo Horizonte e Região (STTRBH), fundado em 1949, é o órgão responsável pela luta dos motoristas dos ônibus públicos da capital mineira. Com audiências públicas, greves e reivindicações, é o sindicato que vai à luta pela melhoria das condições de trabalho dos motoristas de ônibus.
Em junho de 2022, a Comissão de Transporte, Comunicação e Obras Públicas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou uma audiência pública para debater as melhorias na condição de trabalho dos motoristas. Além do debate sobre as condições de infraestrutura do ambiente de trabalho, a audiência passou pela temática da saúde mental dos motoristas.
Presente na reunião, a psicóloga do Sindicato dos Rodoviários de BH e Região, Susan Rafaelle Soares Barbosa, afirmou que os motoristas profissionais são a terceira categoria que mais adoece. É também a que mais registra afastamento temporário e a quarta que mais obtém aposentadoria por invalidez.
A reportagem entrou em contato com o Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários para entender como eles têm atuado nessa busca por melhorias. Entretanto, não obteve respostas até a data de publicação.
A solidão é o pior castigo
Como um corpo, o transporte público funciona a partir de seus membros. Cada um com sua determinada função para que o funcionamento seja pleno e eficaz. A ideia é perfeita, a execução, nem tanto. Desde 2018, Belo Horizonte sente os impactos da retirada dos trocadores dos ônibus públicos na capital. Na época em que a mudança ocorreu, o ex-presidente da Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte, Célio Bouzada, explicou que a retirada dos cobradores foi uma espécie de “retaliação” das empresas de ônibus devido ao não reajuste da tarifa.
A justificativa usada para a retirada dos cobradores está ligada à falta de reajuste nas tarifas dos ônibus e ao possível aumento desta devido ao uso de mais um funcionário no ônibus (o cobrador). O último reajuste efetivo foi realizado em 2018, quando a passagem passou de R$3,80 para R$4,50. Em 2021, o ex-presidente da BHTrans, Diogo Prosdocimi, afirmou em CPI que a manutenção dos cobradores nos ônibus impactaria em um acréscimo de R$0,20 nas tarifas. Em 2023, outro reajuste elevou a passagem para R$6,90, mas o valor foi posteriormente reduzido para R$4,50 devido a negociações entre a Prefeitura e as empresas de ônibus.
Segundo André Veloso, mestre em geografia e integrante do movimento Tarifa Zero em BH, a retirada dos cobradores é uma demanda antiga dos empresários de ônibus. Ele explica que a maioria dos custos dos cobradores vem da mão de obra utilizada. Isso significa que quanto maior for a demanda por ônibus públicos na capital, maior será o número de cobradores investidos. “Essa característica sobre os cobradores sempre foi vista como algo ruim para os empresários”, cita Veloso.
Isso pode ser entendido com base nos procedimento de cálculo das tarifas, o que Diogo Prosdocimi, ex-presidente da BHTrans afirma, “pode ser explicado se for levado em conta que o cobrador/agente de bordo corresponde na tarifa em até 20% dos gastos”.
Brechas
Em Belo Horizonte, a Lei 10.526, de setembro de 2012 discorre sobre a possibilidade dos ônibus circularem sem o agente de bordo nas madrugadas, domingos e feriados. Mas, segundo André Veloso, “essa Lei abriu uma brecha para que os empresários retirassem os cobradores para além do que o regulamento permitia”. Do ponto de vista operacional e para os usuários, a ausência dos cobradores é ruim. Veloso afirma que a presença do agente de bordo é essencial para a administração dos ônibus. Segundo ele, é preciso ter dois funcionários: o motorista e o agente para auxiliar todos os que estão presentes no ônibus, no embarque e desembarque, em caso de dúvidas e até mesmo em casos de violência.
Se você dirige e usa o celular ao mesmo tempo e é pego, você leva uma multa. Mas quando o motorista de ônibus dirige e cobra a passagem ao mesmo tempo, isso é considerado normal”.
André Veloso, do Movimento Taifa Zero
Hoje, o motorista enfrenta essa dupla função, uma administração integral do ônibus, o que afeta a sua saúde mental.
O cobrador é o braço direito da gente. Companheirismo, o cobrador ajuda demais, depois que tirou eu e muitos colegas pedimos pra afastar, mas como eu gosto disso aqui, tive que me adaptar
Ricardo Borges, motorista de ônibus de Belo Horizonte
Ricardo é um dos motoristas que enfrenta os impactos de redução de custos e vive na adequação da falta de políticas públicas. Até o momento da publicação desta reportagem, não há projeto em vigor que garanta a retomada dos cobradores/ agentes de bordo nos ônibus em Belo Horizonte.
Não lhe trago flores
Segundo o IBGE, com base na Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) realizada em 2022, no Brasil, cerca de 18 milhões de pessoas afirmam ter algum tipo de deficiência. Em Minas Gerais este número corresponde a cerca de 10% da população mineira, o que corresponde a 20.539.989 de pessoas.
Compreende-se que a principal Lei de Acessibilidade no Brasil, a Lei N° 10.098, exige que as pessoas com deficiência tenham acessibilidade em todos os estabelecimentos, sejam eles públicos ou privados, ambientes físicos ou digitais. A lei tem como objetivo quebrar barreiras no dia a dia dos PCDs seja no âmbito urbano, na segurança, comunicação ou transporte.
Mas, segundo Sandro Benigno, um dos entrevistados do Papo de Busão, nem tudo são flores. Morador de BH desde 1998, Sandro tem mobilidade reduzida nas mãos e conta já ter passado por situações constrangedoras dentro do transporte público. Ele relata que, em uma das ocasiões em que estava entrando em um ônibus, o motorista arrancou e, na tentativa de não cair ao chão, machucou os nervos de sua mão. Hoje, ele não utiliza mais o transporte público, devido às diversas ocorrências a que foi submetido dentro dos ônibus em BH.
Você pode conferir o episódio na íntegra em que Sandro conta mais sobre sua história. Ele debate sobre possíveis melhorias na acessibilidade pública, aqui, no Papo de Busão.
Em resposta, a BHtrans informou que em casos de acidentes dentro dos ônibus, o motorista é instruído a parar o veículo, verificar possível gravidade e dar o encaminhamento necessário. Se preciso, ele deve se deslocar para a unidade de saúde mais próxima ou acionar o Samu. Esta é mais uma função incumbida ao motorista do transporte coletivo de BH.
Acessibilidade é inclusão
A inclusão social pode ser compreendida como a estratégia de garantir que todos os cidadãos tenham oportunidades de acesso a bens e serviços, como saúde, educação, emprego, renda, lazer, cultura, entre outros. Sobre o tema, conversamos também com a jornalista Bruna Buzette que tem má-formação na coluna. Este fator a impede de ter mobilidade nas pernas e, por isso, se locomove com cadeira de rodas. Por motivos de precariedade na acessibilidade, Bruna não usa o transporte público em BH.
Bruna não enxerga a inclusão como algo eficaz em Belo Horizonte. Ela afirma que, hoje, a acessibilidade nos ônibus é péssima e, apesar de já estar calejada da situação, o sentimento ainda é de frustração. Para ela, falta que os órgãos responsáveis olhem de fato para a população PCD.
A socióloga Ana Marcela Pinto afirma que, antes de tudo, a melhoria nos transportes e locais públicos deve ser pensada para a autonomia. Autonomia não só de pessoas com deficiência, mas de toda a população. “Uma solução é a disponibilidade de ônibus com pisos mais baixos, fator que traria autonomia para pessoas com deficiência, idosos e crianças”, opina. Ela ressalta, no entanto, que o desenho urbano da cidade não é acessível.
Tuas ideias não correspondem aos fatos
A equipe de reportagem foi às ruas para coletar a opinião dos usuários do transporte coletivo de BH sobre seus principais problemas. A categoria com maior alvo de críticas foi o atraso dos ônibus. O Instituto Realtime Big Data em pesquisa ouviu 1.500 moradores de Belo Horizonte para saber a opinião sobre os serviços públicos ofertados.
De acordo com a pesquisa, 59% dos entrevistados classificaram a qualidade do transporte público como ruim ou péssimo, destes, 17% criticaram a demora dos ônibus. Os fatores para esse problema são muitos, mas, como explica a socióloga Ana Marcela Pinto, principalmente, a má construção das avenidas da capital e centralização dos pontos de maior serviço público como, por exemplo, a aglutinação de hospitais no centro da cidade. Sendo assim, o fluxo de veículos se aglomera em pontos específicos, o que contribui para engarrafamentos e consequentemente atrasos dos ônibus.
O atraso também pode ser explicado “pela falta de ônibus para as linhas“, como afirma Ricardo, motorista de ônibus. Além de afirmar em entrevista para o Papo de Busão, que faltam motoristas e que são poucos ônibus por linha, o que acaba atrasando os horários, na linha em que ele trabalha, são apenas quatro ônibus que chegam a rodar, por dia, quase 150 km.
Além disso, Ana Marcela Pinto afirma que a mobilidade urbana de Belo Horizonte não tem margem para erros: “Há poucas alternativas em casos de acidentes, como áreas de escape”, explica. Ela cita como exemplo o Anel Rodoviário e a construção de hospitais e casas em avenidas de alta velocidade. Como sugestão de melhoria, a socióloga cita medidas como a criação de mais faixas exclusivas para ônibus, a construção de passeios maiores para a manutenção da acessibilidade, ruas mais iluminadas, distribuição dos serviços públicos em regiões diferentes de Belo Horizonte, reordenação do desenho urbano em relação à gestão de crises e manutenção no acesso aos ônibus. Ela salienta que o que garante bom funcionamento, em último caso, é o policiamento. “Primeiro, é preciso boa administração urbana”, defende.
Em Belo Horizonte, a BHTrans criou um aplicativo que mostra as linhas, horários e rotas dos ônibus da capital. A ideia é que a tecnologia auxilie o usuário dos ônibus na conferência dos horários e quais ônibus pegar para cada região. Mas a realidade mostra divergências. Por exemplo, o aplicativo não mostra se o ônibus está atrasado ou se a rota foi modificada.
Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte informou que disponibiliza todas as informações sobre os horários das viagens por meio de seu portal e que os aplicativos utilizam os horários programados do Sistema de Transporte Coletivo de Belo Horizonte. Entretanto, se houver alguma mudança posterior na viagem, a informação permanece como o programado anteriormente no aplicativo. A PBH também afirma que os usuários podem, no entanto, acompanhar a movimentação dos veículos da linha em tempo real, assim como o tempo estimado da chegada do ônibus.
A equipe de reportagem também questionou a PBH sobre a manutenção do aplicativo e explicações sobre a localização e estimativas não serem tão precisas. Até o momento da publicação, não obtivemos reposta.
Me ajude a segurar essa barra que é gostar de você
Diante de problemas, feliz aquele que aprecia o lado bom de uma história. Conhecidos com busólogos, os apaixonados por ônibus carregam um hobby peculiar. Os admiradores do veículo estudam sobre tudo que cerca o tema e até mesmo colecionam miniaturas de ônibus.
O Rafael Carlos, que é servidor público, conta para o Papo de Busão sobre sua trajetória como busólogo, como começou sua paixão por ônibus e como este hobby carrega responsabilidades.
Não tem nada nesse mundo que eu não saiba demais
Apesar de muitos problemas, os ônibus de Belo Horizonte carregam estratégias que, para quem entende, servem como bússola para percorrer os caminhos belo-horizontinos. Para quem não tem conhecimento de qual ônibus pegar para qual região de BH, o segredo é aprender a numeração para se localizar.
Entenda o significado dos números das linhas de ônibus em BH
Os ônibus de BH podem receber dois, três ou quatro algarismos para indicar as linhas. Os veículos interbairro e interbairro perimetral recebem quatro algarismos, em que os dois primeiros identificam a regional em que a linha começa e o outro onde ela termina. Os dois últimos números são sequenciais.
Os ônibus que recebem três algarismos são linhas alimentadoras ou locais, o seu primeiro número identifica a regional e os dois últimos são sequenciais. Para as linhas que possuem dois números, ou seja, as linhas troncais, o primeiro número identifica a regional da estação de integração e o segundo é sequencial.
Ficou confuso? Então confere esse quadro aqui:
Numerações | Regiões |
0 | Hipercentro |
1 | Centro-Sul (com exceção do hipercentro) |
2 | Oeste |
3 | Barreiro |
4 | Noroeste |
5 | Pampulha |
6 | Venda Nova |
7 | Norte |
9 | Leste |
Eu quero ver, por favor me mostre
A linha 9250, por exemplo, tem quatro algarismos, logo, é uma linha interbairro e interbairro perimetral. Seu primeiro digito diz que seu trajeto começa na Regional Leste e seu segundo dígito informa que o trajeto finaliza na Regional Oeste.
Um outro exemplo, agora com a linha 5102: com quatro números, esta é uma linha interbairro e interbairro perimetral. O dígito 5 representa que a linha se inicia na regional Pampulha e finaliza sua rota na regional Centro-Sul. Mas preste atenção: os dois últimos números servem para diferenciar as linhas. Começa no 01 para ônibus diametrais, ou seja, que ligam duas regiões distantes, 30 para os que vão só até o centro e voltam, e 50 para os interbairros.
A princípio, muitas informações podem confundir a cabeça do usuário do transporte público. Contudo, com adaptação e prática, a atividade de relembrar o significado de cada número pode se tornar um hábito e só de “bater o olho”, a pessoa saberá qual ônibus pegar.
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Reportagem produzida por Gabriel Sousa, João Petronílio, Maria Eduarda Mariano e Nara Ferreira para a disciplina Laboratório de Jornalismo Digital do semestre 2023/2, sob supervisão da professora Verônica Soares da Costa.