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Crise do clima e mobilidade urbana: entenda os impactos no cotidiano

Carros na Avenida Teresa Cristina em Belo Horizonte

Carros no trânsito na Avenida Teresa Cristina, em Belo Horizonte. Foto: Breno Delfino

Uma das maiores e mais relevantes capitais do Brasil, Belo Horizonte foi construída em cima de diversos rios, córregos e brejos. Como todo assentamento urbano, também foi necessário que se desmatassem áreas enormes de matas nativas para dar lugar à cidade. Mesmo com todos os benefícios econômicos, sociais, habitacionais e de infraestrutura, que são fruto da construção de uma cidade nesses moldes, chegam também problemas de longo prazo com os quais os habitantes são forçados a lidar. A mobilidade urbana se destaca entre esses problemas.

Mobilidade urbana nada mais é que a forma como os cidadãos se locomovem no espaço urbano, o que demanda transporte público e coletivo adequado, assim como vias preparadas para o caótico trânsito de veículos. Os problemas da mobilidade se relacionam com o fato de que todo o ambiente natural precisou ser alterado para a construção da cidade, de modo que enchentes, piora da qualidade do ar, altas temperaturas e até pragas animais passam a fazer parte da rotina da população, caso políticas públicas de mobilidade também não se atentem para questões ambientais.

Entendendo a mobilidade

Ana Marcela Ardila Pinto, professora de sociologia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é especialista em sociologia urbana e mobilidade. Colombiana, ela trabalhou na prefeitura de Bogotá na estruturação do planejamento urbano da capital da Colômbia, e veio para o Brasil em 2007. Ela explica que mobilidade implica correlação entre pessoas, meio ambiente e desenvolvimento urbano.

A mobilidade está relacionada com o deslocamento, com a prática cotidiana das pessoas, com a forma como as cidades estão dispostas, com o meio ambiente e com a infraestrutura, tanto dos veículos, como das cidades.

Ana Marcela Ardila Pinto, professora da UFMG

Segundo a pesquisadora, a mobilidade no Brasil e, mais especificamente, em Belo Horizonte, é muito problemática, com alto números de carros, falta de ciclovias, falta de infraestrutura nas calçadas para locomoção a pé. Além disso, ela critica a rede de transporte público, muito limitada e caótica, que consome grande quantidade de recursos naturais e de território.

Semáforo aberto para pedestres / Foto: Breno Delfino

“No caso de BH, o planejamento da cidade foi feito de forma a centralizar as instituições e serviços da cidade, tornando muito complexo [o deslocamento] para a população”, explica Ana Marcela Ardilla. A pesquisadora ainda completa que, em sua maioria, a população da capital é periférica e tem baixo poder aquisitivo, o que dificulta a locomoção para realizar desde atendimentos médicos, até assistir a uma peça de teatro ou ter acesso à educação.

A partir de sua experiência na Colômbia, a professora comparou a infraestrutura das duas capitais e indicou que, apesar de também ter seus problemas, Bogotá tem mais infraestrutura para mobilidade urbana, com a presença de ruas que permitem a locomoção de carros, ônibus, bicicletas e pedestres. Ela conta que a capital colombiana tem um conjunto de ciclovias criadas para que as crianças possam ir com facilidade às escolas com bicicletas, iniciativa que poderia ser incorporada nas cidades brasileiras.

Belo Horizonte: promessas e problemas

Há pelo menos 20 anos, promessas para ampliação do metrô de Belo Horizonte são feitas. A última grande obra de ampliação foi realizada em 2002, com a inauguração das estações 1º de Maio, Waldomiro Lobo, Floramar e Vilarinho. Desde então, vários governantes já estiveram no poder, e a pauta metrô sempre foi prometida, porém, nunca tirada do papel. Para Ana Marcela Ardila, a promessa do metrô de BH é difícil de ser cumprida: “É muito caro, necessita de planejamento rigoroso e causa impactos ao meio ambiente”.

Outro problema de Belo Horizonte, na visão da socióloga, são os shoppings, centros comercias e conjuntos habitacionais, como os condomínios de alto padrão, que não têm um sistema de deslocamento completo, o que faz com que as pessoas que frequentam ou vivem nesses locais utilizem mais carros, intensificando o trânsito.

Ao falar sobre os sistemas de transporte por aplicativos, a socióloga pontuou que, teoricamente, visando uma melhoria ambiental, esse meio não ajuda em nada. Porém, é válido se pensar num sistema de aplicativos coletivos, mesmo que deslocando menos pessoas que um ônibus, por exemplo. “Esse tipo de transporte seria menos danoso quando comparado com o uso de carros particulares”, comenta.

A pesquisadora explica que o modelo ideal de mobilidade urbana permitiria que pessoas de diferentes perfis socioeconômicos chegassem aonde querem ir, com transporte próximo de suas casas, durante dia e noite, de baixo custo. “Um sistema que fosse bonito e bem distribuído, ou seja, um sistema voltado para a cidade”.

Passageiros aguardam ônibus na Av. Pres. Juscelino Kubitschek, em Belo Horizonte. Foto: Breno Delfino

Como a Europa lida com a mobilidade urbana?

Perguntada sobre o sistema europeu, Ana Marcela Ardilla enfatiza que é muito funcional, porém, há ressalvas acerca de seu funcionamento e de uma eventual comparação com a mobilidade no Brasil: “Os países são menores e têm uma população menor, isso facilita o planejamento de mobilidade urbana. Outro fator é a cultura das pessoas [na Europa] de que o transporte público é algo ‘chique’. Isso é fundamental para facilitar o transporte e conectar uma cidade“. Segundo ela, a mobilidade urbana deve ser pensada para todas as pessoas, tanto pobres, como ricos.

Um bom sistema de mobilidade, segunda a pesquisadora, é o da China, onde o governo está aumentando o número de veículos do transporte público e diminuindo o privado. A cidade chinesa Shenzhen é um bom exemplo. Em apenas 10 anos, o município, que era menor em tamanho do que São Paulo, porém, mais poluído, tornou elétrica toda sua frota de ônibus e táxis, contribuindo, assim, para uma melhora significativa nos dados de qualidade do ar e redução da poluição atmosférica. Além disso, o governo chinês investiu em bicicletas elétricas para toda a população, transporte que, além de não cansar usuário, e reduzir o trânsito, ainda colabora com o meio ambiente.

Corroborando com esta percepção sobre a China, o internacionalista Guilherme Lara Camargos Tampieri, especialista em gestão ambiental, compartilha que outro país referência é o Estados Unidos, que tem o projeto New Green Deal, uma série de propostas econômicas que visam ajudar e combater as alterações climáticas. Para Guilherme, outras cidades também devem ser destacadas, como Paris e Milão, que estão diminuindo o número de carros e incentivando o uso do transporte público, e Barcelona que está incentivando a locomoção com bicicletas.

O desafio do planejamento urbano

O problema da mobilidade urbana na cidade de Belo Horizonte é também consequência de um planejamento urbano insuficiente ainda na época da construção da cidade. Cabe lembrar que o traçado original da capital estava circunscrito à Avenida do Contorno – que, hoje, limita apenas a região central.

Mapa do traçado original da cidade de Belo Horizonte / Arquivo Público Mineiro

Políticas de planejamento devem não só levar em conta a facilidade de acesso e o meio ambiente, como também as prováveis mudanças tecnológicas que virão no futuro e afetarão fortemente a forma como os moradores se locomovem”.

Ana Marcela Ardila Pinto, professora da UFMG

Levando em conta que a área geográfica da cidade se expande conforme a demanda, é natural também que as políticas de mobilidade devam estar em constante atualização, visando servir aos novos arranjos estruturais urbanos. Guilherme Tampieri, por exemplo, trabalha também como consultor de mobilidade e mudanças climáticas para o Movimento Nossa BH, participa de diversos movimentos sociais relacionados à mobilidade urbana e às mudanças climáticas.

Mas ele acredita que a situação no Brasil é catastrófica, principalmente desde o início do governo Bolsonaro. “Isso se deve, principalmente, ao desmatamento na Amazônia, com a destruição da floresta para a mineração, agropecuária e práticas agrícolas, principalmente plantação de soja”, detalha o consultor. Segundo Tampieri, a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) para redução da emissão de gases estufa no Brasil era muito promissora e poderia gerar um grande impacto, porém, com a chegada do governo atual, essa meta passou a ser mais conservadora, tendo como efeito direto o momento pandêmico: o mundo inteiro reduziu suas emissões enquanto o Brasil teve um grande aumento.

Ao relacionar o panorama das grandes cidades e enquadrando Belo Horizonte na perspectiva, o especialista defende que o maior problema da emissão de gases é o alto número de carros que têm maior emissão per capita do que um ônibus, por exemplo. Entretanto, Guilherme Tampieri é otimista ao falar de Belo Horizonte, que é uma das cidades precursoras no debate para a melhoria em relação às mudanças climáticas. Segundo ele, a capital tem estudos sobre a adequação do setor rodoviário, o aeroporto de Confins, a produção de energia e a geração de resíduos sólidos.

Outro aspecto pontuado por Tampieri, foi a questão da sociedade já sofrer com os impactos diretos das mudanças no clima, como deslizamentos, enchentes, ilhas de calor e inundações. Além disso, no ano de 2020 Belo Horizonte sofreu com o maior período chuvoso da história no mês de janeiro, e o registro da maior temperatura de sua história, 37°C. Segundo ele, alargar as vias, como foi feito na capital, é muito prejudicial ao clima, uma vez que mais carros circulam e a mobilidade por outros meios é dificultada.

Ciclovias em BH

Na capital mineira, o transporte público tem preço elevado, ainda que seja possível justificar os valores em função do preço do combustível. Mas, como observa Tampieri, até pouco tempo atrás, mesmo com os combustíveis mais baixos, as passagens ainda eram muito caras. “Juntamente com a demora nos deslocamentos de ônibus, [os preços] tornam mais difícil a vida das pessoas que necessitam do transporte público“, comenta.

Além de consultor, Guilherme Tampieri também é um dos principais nomes no mundo das bicicletas em BH. O especialista participa de vários projetos de implantação de ciclovias e é um entusiasta pelo aumento das bicicletas na capital mineira. No entanto, ele destaca a falta de ciclovias e ciclofaixas na cidade, a falta de segurança para o ciclista e a má distribuição de locais reservados para os ciclistas ao longo das vias. A falta de planejamento da cidade também prejudica aqueles que pretendem se locomover de bicicleta ou a pé, uma vez que conta com poucas vias exclusivas para ciclistas e também calçadas seguras para os pedestres.

A animação abaixo retrata a distribuição das ciclovias em BH, com dados de extensão e classificação (ciclovia/ciclofaixa).

Ciclovias de Belo Horizonte ainda cobrem poucos quilômetros e estão mal distribuídas pela cidade.

Existem soluções?

Para Guilherme Tampieri, apenas com a união de diversos setores da sociedade uma melhora nas questões de mobilidade será efetivada: “Isso parte do princípio de governos federais, estaduais e municipais investirem na mobilidade e preservação do clima, e também a sociedade perder o preconceito quanto ao transporte público e os meios sustentáveis”, defende. Além disso, pensando em soluções mais diretas, o especialista acredita que “uma estratégia seria pensar na flexibilidade no horário das atividades urbanas: comércio em uma hora, atividades escolares em outra, para distribuir a mobilidade ao longo do dia, e também o incentivo ao uso do sistema de caronas“.

Para alcançarmos um equilíbrio entre mobilidade e clima precisamos evoluir muito ainda.

Guilherme Tampieri, consultor e especialista em gestão ambiental

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Reportagem de Artur Nogueira, Breno Delfino, Felipe Gomes e João Macedo para a disciplina Laboratório de Jornalismo Digital no semestre 2022/1, sob orientação da professora Verônica Soares.
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