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Crescem alternativas para unir espaço urbano ao rural

Agricultura familiar de Brumadinho abastece casas em BH

Há um ano, a professora Thaíse Andrade, de Belo Horizonte, recebe em casa semanalmente vegetais orgânicos cultivados em Brumadinho, cidade mineira localizada a 55 quilômetros da capital. Desde o nascimento de sua filha, Thaíse sentiu-se mais motivada pelo desejo de que a família comesse alimentos mais saudáveis e sem agrotóxicos,  e encontrou no Instagram o perfil Sabores da Terra, negócio de uma família de produtores rurais que vivem na cidade do interior. 

O projeto é comandado por Elisa Milanez que, com seu filho e  marido, vive no Assentamento Pastorinhas, em Brumadinho, há cinco anos. Com a chegada da pandemia, as feiras em que o casal vendia seus produtos fecharam. Eles também pararam de fornecer para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), do Governo Federal, para alimentação nas escolas públicas de ensino básico. Com a renda diminuída, Elisa teve a ideia de criar o Sabores da Terra para começar a vender seus produtos nas mídias sociais: “Eu falei para o Adalto: você não tinha a feira? Então, essas pessoas precisam comer e não estão podendo sair. Quer coisa mais prática do que receber aquilo que elas gostavam, aquilo que elas conhecem, na casa delas?”, conta a produtora rural.

Atualmente, uma vez por semana, o casal acorda cedo para pegar estrada e fazer entregas em Belo Horizonte para as mais de 50 famílias que, assim como Thaíse, se interessaram pelo modelo de negócio. Adalto, marido de Elisa, cuida, sozinho, do cultivo de todos os vegetais que serão vendidos, não apenas para as famílias atendidas pelo Sabores da Terra, mas também para as empresas para as quais fornecem. Já Elisa cuida da casa, do filho, dos animais, da produção dos produtos minimamente processados que também vendem – como geleias, doces e molhos – e atende clientes pelo WhatsApp. 

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Famílias expandem atividades em assentamento

Elisa já tinha o projeto em mente mas, antes da pandemia, ainda não sabia exatamente como executá-lo: “A pandemia adiantou uma coisa que era sonhada lá atrás”, conta. Apesar de hoje terem uma ampla lista de clientes, no começo não foi bem assim: por meses após a criação do Sabores da Terra, eles tinham apenas três clientes em Belo Horizonte. “O que me fez insistir foi acreditar que ia dar certo, que com o tempo as pessoas iam conhecer e que o mundo naquele instante estava criando uma nova demanda, uma nova oportunidade. Eu me sentia confiante e esperançosa!”, relata.

O Assentamento Pastorinhas, onde Elisa e sua família moram, surgiu em 2001, com a ocupação por famílias sem terra e formação de um acampamento em uma fazenda improdutiva da região de Brumadinho. Por anos, as famílias viveram em barracas, até o reconhecimento judicial como assentamento. Agora, o próximo passo é o reconhecimento de posse. O assentamento fica em uma área de 156 hectares de preservação ambiental de Mata Atlântica. Atualmente, vivem 22 famílias, que tiram dali o próprio sustento.

Elisa, que mora no Assentamento Pastorinhas há cinco anos, conta que a vida rural não é exatamente como esperava: “No campo você trabalha da hora que levanta até a hora que deita e o agricultor familiar mora onde produz”, conta ela, e completa: “Hoje, eu valorizo muito mais o pequeno agricultor, porque é muito difícil”. Ela deixou a vida na cidade e a profissão de enfermeira para se tornar agricultora quando se casou com Adalto, que vive lá desde a época do acampamento. Menos de dois anos depois, houve o rompimento da barragem de rejeitos de mineração da Vale: “a cidade ficou um caos”, relembra. Apesar disso, o assentamento não foi atingido pela lama e nem teve o solo contaminado.

Elisa explica que existem três formas de produção:  orgânica, tradicional e transicional para agrofloresta. “Isso tem que ser uma escolha de cada agricultor, a gente não pode obrigar a pessoa a fazer o cultivo de certa forma. A gente pode ajudar as pessoas a se conscientizarem sobre o não uso de agrotóxicos”, ela defende.

Aumenta a busca por orgânicos durante a pandemia

Thaíse Andrade não foi a única a se interessar pelo consumo de vegetais sem agrotóxicos durante a pandemia: uma pesquisa realizada pela Associação de Promoção dos Orgânicos (Organis) mostrou que entre março e outubro de 2020 a busca por esse tipo de alimento cresceu 45%. A professora conta que, além da produção livre de agrotóxicos, o modelo de agricultura familiar foi importante para que ela se tornasse cliente do Sabores da Terra: “Esse modelo é mais sustentável, valoriza a mão-de-obra local, além de agregar valor afetivo à comida!”.

Atualmente, a agricultura familiar é responsável por 80% da produção global de alimentos e se caracteriza também por produzir de acordo com a flora regional e com maior diversidade de cultivo, o que faz com que ela seja mais ecológica, uma vez que não empobrece o solo e promove o equilíbrio ambiental. Lei 11.326, de 24 de julho de 2006, estabelece que a agricultura familiar é configurada por “aquele que pratica atividades no meio rural, possui área de até quatro módulos fiscais, mão de obra da própria família, renda familiar vinculada ao próprio estabelecimento e gerenciamento do estabelecimento ou empreendimento pela própria família”.

Tecnologia e criatividade auxiliam agroecologia urbana

A pesquisadora e gestora ambiental Natália Almeida, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) do Rio de Janeiro,  aponta que existem outras formas de consumo de agricultura sustentável nas grandes cidades, que geralmente são esquecidas: “Essa agricultura urbana acontece na prática principalmente nas casas, nos quintais, com plantas medicinais, com pequenos roçados urbanos, e em um movimento muito forte de compostagem”. Natália ressalta a importância desses espaços não apenas para a boa alimentação, mas também para a cultura, uma vez que este é um hábito típico do brasileiro. Ela destaca também como são importantes as iniciativas que incentivam a criação de sistemas agroflorestais em espaços urbanos, como o plantio de árvores frutíferas em praças e parques.

Foi pensando em auxiliar pessoas na busca por essas árvores frutíferas que, em 2015, três estudantes dos cursos de Tecnologia da Informação, Ciências da Computação e Ciências Ambientais da Universidade Federal de Brasília (UnB) – Adarley Grando, Vinícius Magalhães e Fábio Rezende – criaram o aplicativo Fruit Map, que está disponível para download na Appstore e no Google Play. O app mapeia, a partir de colaborações dos próprios usuários, pés de diversas espécies de frutas em diferentes cidades no Brasil. 

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A pesquisadora Natália Almeida também comenta sobre a possibilidade da realização de listas de compras coletivas: pessoas que se juntam para fazer grandes compras em produtores orgânicos e redistribuem entre si – assim, conseguem comprar por um preço menor. “Formem grupos de compras coletivas: além de ficar mais barato, a gente vai se libertando do supermercado e comendo com mais saúde”, ela afirma.

Saiba mais sobre a Rede Marfil, indicada por Natália para realizar as compras coletivas.

Em Belo Horizonte, a prefeitura oferece também a  Feira de Orgânicos, realizada  semanalmente em 13 pontos da cidade. Contudo, entre eles, apenas cinco estão fora da regional centro-sul, que concentra a renda média mais alta de toda a capital, de acordo com dados do Mapa da Desigualdade. Em entrevista ao Colab, Juliana Mattos Magnani, Diretora de Fomento à Agroecologia e Abastecimento da Subsecretaria de Segurança Alimentar e Nutricional (SUSAN) da Prefeitura de Belo Horizonte, informou que, apesar disso, a cidade tem outros pontos em que é possível ter acesso a alimentos agroecológicos e de agricultura familiar, como a Feira da Agricultura Urbana, a Feira Direto da Roça e, ainda, a aquisição diretamente das Unidades Produtivas, que hoje contam com 45 pontos em todas as nove regionais.

As Unidades Produtivas Coletivas e Comunitárias são espaços de cultivo promovidos pela Prefeitura. Nelas, são plantadas frutas, hortaliças, legumes, plantas medicinais e condimentares. É possível, também, se cadastrar para trabalhar nesses espaços (para isso é preciso se inscrever pelo edital).

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Helena Fernandes Tomaz

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