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Beatriz Trevisan: a produtora d’A Mulher da Casa Abandonada e O Ateliê

Jornalista conta sobre suas produções em podcast e dimensões éticas

O Podcast “A Mulher na Casa Abandonada” conta a história e investigação dos crimes de Margarida Bonetti, uma caricata figura que mora em uma mansão caindo aos pedaços em Higienópolis, São Paulo. Ela foi acusada de trabalho análogo à escravidão na década de 1970 por manter em cárcere privado e sem remuneração sua empregada doméstica, à época, em território estadunidense. Este podcast gerou comoção nacional, com direito a cobertura ao vivo da “captura” de Margarida, embora seus crimes estivessem prescritos.

Já o Ateliê acompanha a denúncia da artista Mirela sobre abusos psicológicos, financeiros e sexuais que sofreu no Ateliê do Centro, uma escola com dinâmica de seita sob a liderança do também artista Rubens Espírito Santo. Ambas produções foram feitas pela jornalista Beatriz Trevisan em parceria com o também jornalista Chico Felitti.

Em entrevista, a jornalista conta sobre as repercussões de suas produções, as implicações éticas de investigações jornalísticas de tamanha dimensão, o encontro com Rubens Espírito Santo e suas projeções para futuros projetos. Confira a entrevista na íntegra:

Primeiro, você poderia fazer uma rápida apresentação?

Sou a Bia, Beatriz Trevisan, hoje eu sou formada em jornalismo e do ano passado para cá a minha carreira começou a se focar mais em podcast, com produção de podcast, e é basicamente o que eu faço hoje. Produzo podcasts, escrevo roteiros e, por exemplo, n’O Ateliê fui a narradora e também revezei a narração com o Chico Felitti. Acho que pode me apresentar assim: como produtora de podcast.

No seu âmbito pessoal, você sempre se interessou pelo gênero do true crime, de investigações, ou foi uma coisa recente na sua vida?

Então, isso foi bem recente, tanto para mim quanto para o Chico também. Falando sobre mim desde a faculdade, eu sempre me interessei muito por histórias da vida real, da vida comum, por mais que eu acho incrível também falar sobre pessoas conhecidas, importantes, e assuntos relevantes com pessoas públicas. Eu gosto muito de contar a história da vida comum assim. Eu sempre gostei, desde a faculdade. Sempre ia mais por caminho é tanto que o meu TCC foi sobre isso. Eu passei 20 dias no Piauí e contei histórias de catadores de caranguejo e fiquei 20 dias convivendo com pessoas de uma comunidade muito pequenininha, de ribeirinhos, que vivem da natureza. Para a gente, hoje em dia, nosso trabalho é contar histórias de pessoas comuns. É que na vida real, no cotidiano, é onde tem mais histórias extraordinárias, onde saem mais coisas que a gente nunca imaginava, mas estão ali, no nosso lado mesmo, e a gente não está vendo. Então eu acho que o true crime ele surge muito, acho que talvez pelo timing, acho que sempre foi um gênero que atrai muito público, muito interesse das pessoas. Não sei por que as pessoas gostam muito de crime, ler e ouvir e falar sobre crimes. O Chico ele já tinha feito um livro sobre o João de Deus antes, mas o [podcast] A Mulher da Casa Abandonada (MCA) veio inicialmente, nem como um true crime me mesmo; ele veio como uma história de uma casa, uma mansão abandonada, em um dos bairros mais ricos de São Paulo e do Brasil, uma mansão que está caindo aos pedaços de uma mulher que a gente descobre que é muito rica, de uma família de nome. É uma herdeira que mora num lugar caindo aos pedaços, sendo que ela poderia morar em qualquer lugar. Quando a gente descobre que ela já foi procurada pelo FBI vira um true crime.

Mas a nossa intenção nem era essa. A nossa intenção era fazer uma crônica social, fazer isso representar o Brasil todo com um crime que ainda é impune e que ainda existe, né? A gente viu agora mesmo, por exemplo, os casos de trabalho análogo à escravidão com o Lollapalooza, ou das vinícolas do Rio Grande do Sul, se eu não me engano. Então, quando a gente descobre que existe isso num bairro tão rico e todo mundo do bairro sabe, né? Acho que se representa muito o Brasil, o quanto a gente passa batido para um assunto desse. É um assunto ainda muito comum, então, inicialmente era isso, até porque já era um processo finalizado, sabe? Não era um true crime, por se assim dizer. A gente entende o true crime mais como um “Caso Evandro”, um “Projeto Altamira” que é uma coisa de leituras de processo, de mostrar como foi todo esse processo com a polícia. O nosso projeto não foi muito assim, mas acabou virando um true crime para as pessoas compreenderem melhor.

Em seguida veio “O Ateliê”, que também foi uma denúncia que chegou pra gente. O meu trabalho hoje não é de true crime, tanto que muitas pessoas perguntaram “Ah, vocês vão agora falar muito sobre seita, né?” Porque depois que o podcast foi ao ar, muita gente chegou até nós com histórias do tipo “Eu fiz parte que por 15 anos de uma seita…” ou pessoas que descobriram que atualmente fazem parte de uma. Mas o nosso trabalho não vai ser uma coisa de “Ah, a gente vai se especializar em seitas e contar histórias de seitas”. Não, o nosso trabalho hoje é contar boas e relevantes histórias. “O Ateliê” era uma coisa que também rolou muito por conta do time ali, né? Que a Mirella estava naquele processo de realizar a primeira denúncia contra esse professor, então precisava ser ali naquela hora, e é uma boa história também, porque fala muito sobre muitos assuntos relevantes. Então, mais do que falar sobre true crime, a gente se interessa por boas histórias, independente do jeito que elas sejam. Pode ser de qualquer assunto, desde que seja uma história relevante que signifique algo também, né? Que faça a gente refletir sobre algo ou causar algum tipo de emoção. Acho que é o importante para mim.

Eu acho que vocês conseguiram atingir bem esse objetivo e de trazer emoção, porque muita história tinha passado abatido ou é vista só como uma notícia quente que colocam no jornal de 15 segundos e ninguém dá a devida atenção a assuntos sérios, como uma denúncia de abuso sexual, por exemplo.

Eu acho que o hard news ali é super importante. Mas acho que chega num ponto que vira números, estatística mesmo, e a nossa intenção com o nosso trabalho é trazer sempre esse fator humano assim de que não é só um número, mas é a história de um de uma mulher vítima, é um abuso sexual, abuso físico. A gente falava desde o começo, também. É uma história sobre uma denúncia mais do que é uma história sobre uma seita, é sobre um processo de denúncia. Então, o que existe por trás da decisão de uma mulher de decidir denunciar o que ela sofreu? Qual é todo esse processo? Isso para mim foi muito importante. Assim até para mim mesmo pessoalmente, como mulher, de ver como é esse bastidor, de saber a realidade daquilo; porque a gente até fala sobre isso, em um dos episódios, que a gente conversa com os advogados, que tem todo esse movimento de “Denunciem! Não fiquem caladas, falem sobre isso, levem a público!”, mas… Como que faz isso? Qual é a reação das pessoas? Como você se prepara para isso? Mulheres ainda são vitimizadas quando elas vão à delegacia denunciar um crime. A gente precisa denunciar, mas qual é a realidade disso? Como é denunciar um crime? Como que é pra uma mulher, especificamente, denunciar um crime que ela sofreu, então?

Eu sempre fui muito assim, porque na faculdade eu já falava que eu queria trabalhar com grande reportagem. Eu falava que eu queria trabalhar com revista, por exemplo, que é um espaço que a gente tem para contar histórias do jeito mais aprofundado, porque acho muito mais interessante assim, pra mim, aprofundar mesmo as histórias, mostrar que todas as histórias são boas, claro, mas o que a gente pode descobrir se formos mais a fundo? E quem é essa pessoa que está apontando isso? Eu acho que o meu trabalho hoje, o que eu sempre quis foi realmente ter esse tratamento mais sensibilizado de ouvir a pessoa, trazendo esse fator humano, mesmo que eu acho que na nossa imprensa do dia a dia, às vezes a gente perde, a gente não vê tanto.

Uma coisa que eu percebi com as repercussões dos podcast, principalmente esse último podcast d’O Ateliê é que meio que estourou a bolha de pessoas interessadas em crônicas da vida real, como você mesma disse,e atingiu um público de pessoas que veem espetáculo em tudo. Você acha que esse estouro da bolha fez com que algumas pessoas não entendessem a sensibilidade suas de abordar essas histórias? E o que que você acha que isso provocou no conhecimento do público sobre as histórias?

Eu acho essa uma pergunta muito importante assim que eu acho que a gente poderia falar horas e horas sobre isso, é um assunto de discussões para a sala de aula mesmo. Eu acho que ainda é uma coisa que eu vejo muito hoje, não só com o nosso trabalho, mas acho que as pessoas ainda não entendem muito bem o que é jornalismo. Não sei se você já tem essa percepção assim na faculdade, mas acho que a gente já tem que explicar umas coisas meio básicas do que é jornalismo para as pessoas e acho que elas estão muito acostumadas com um tipo de jornalismo, sabe? De que o jornalismo é, no máximo, um Fantástico que já é além do que as pessoas imaginam, mas um Jornal Nacional, uma Folha de São Paulo? E quando você tenta trazer mais essa sensibilidade, talvez características mais da literatura ou de um documentário, as pessoas estranham, né? Com “A Mulher da Casa Abandonada”, teve muito isso, porque esse podcast furou muito mais a bolha do que “O Ateliê”, né? Virou realmente um fenômeno nacional. E depois teve um momento que algumas pessoas começaram a criticar, né? Falar que a gente estava espetacularizando, dizendo que não precisava da trilha sonora nos episódios, ou que a gente estava descrevendo a Margarida como uma mulher doidinha. Sim, se não a gente estava descrevendo do jeito que ela é. Só que além de uma abordagem objetiva de “Margarida Bonetti, tantos anos, e ponto final”. A gente estava descrevendo-a como uma pessoa e quando a gente vai além disso, fica mais impactante porque é mais real, né? A vida real causa esse impacto mesmo. Mas não tinha como a gente mentir, a gente esconder a pessoa que ela é. Muita gente veio falar aqui que nós a transformamos nesta figura caricata. Ela é essa figura caricata. A gente só a descreveu do jeito que ela é.

Muitas pessoas criticaram por ter trilha sonora, só que se a gente for ver, é um documentário em áudio. É a mesma coisa de uma série documental da Netflix que vai ter trilha sonora, que vai ter ganchos dos finais no capítulo para as pessoas continuarem assistindo. É a mesma coisa, só muda a plataforma. Eu fico meio nessa de dizer que podcast é uma mídia nova, porque não acho que seja. A gente fala muito sobre isso, né? Que todo ano as pessoas dizem “esse ano vai ser o ano do podcast”. Já está sendo muito tempo, né? Só que acho que as pessoas não têm tanto o costume de ouvir e quando escutam algo que não é um ‘mesacast’ de entrevista, elas estranham, estranham esse formato novo de se contar uma história. Eu acho que eu acho que é um pouco isso que você falou. Acaba, talvez, criando essa espetacularização, porque não é uma coisa que a gente está acostumada a consumir nesse formato, né? Então a gente acha estranho. Falam “Isso é jornalismo? Como assim? Isso? Isso é jornalismo é uma radionovela? O que que é?”.

Uma coisa que a gente fala também muito que é que a gente tem que tomar todo tipo de responsabilidade, mas a partir do momento que vai para o mundo a gente não tem muito como lidar e controlar a repercussão, sabe? Cada coisa vai se repercutir de uma forma. Eu estava falando hoje com o Chico [Felitti] de que é que é difícil para a gente até hoje entender o que fez “A Mulher da Casa Abandonada” virar um fenômeno, virar o que virou. Eu acho que é muito por essa coisa de ser caricato mesmo, de “Como assim essa mulher mora em Higienópolis, numa mansão, caindo aos pedaços? Que história bizarra!”. E acho que a gente, infelizmente, como um ser humano, ainda gostamos de um sensacionalismo. A gente pode dizer que não, mas quando tem cenas mais violentas ou descrições de violência, a gente é chamado ainda mais a atenção.

Acho que isso é realmente um debate da linguagem da comunicação, que vai longe. Por exemplo, no Ateliê, tivemos uma repercussão um pouco diferente. Também furou muitas bolhas. Eu acho que muita gente chegou até o “Ateliê” por causa da Mulher da Casa Abandonada. Estava esperando uma coisa meio MCA e quando percebeu que era algo mais sério no sentido de estar rolando agora um processo policial, não continuou sendo público. Por que querendo ou não, assim, claro, eu não, não, eu não quero. que você me entenda errado de dizer que o caso do Ateliê é mais sério, acho que é tão sério quanto, mas o da Mulher da Casa Abandonada tinha essa coisa de ser surreal, de ser surrealista, então gente fica muito mais chocado. E o Ateliê é uma coisa muito mais séria mesmo, de acompanhar uma denúncia, de acompanhar reuniões com advogados. Então, tem esse tom maior de seriedade nesse sentido. E também o fato de ter uma mulher denunciando também. Não sei se você acompanhou assim essa repercussão que muitas pessoas criticaram a mulher por ela ser uma mulher rica, o sotaque dela. Muita gente falando que ela não deveria ter ido a público, dizendo “Ai, que chata, não consigo ouvir, não consigo ter empatia”. É válido, válido no sentido de cada um tem o direito de gostar ou não, mas também acho que aí tem muito machismo no meio.

Acho que isso para mim mostrou muito realmente como o mundo reage quando é uma mulher denunciando uma violência que ela sofreu de um homem. A gente tomou muitos cuidados. A gente descreveu muitas cenas de violência, mas a gente tomou muito cuidado também para não expor as vítimas e não ir nesse tom sensacionalista. No 11º episódio, tem um ex-discípulo que narra uma violência que ele sofreu, ele começa a se emocionar ali no meio e todo mundo se solidarizou, falou que foi um dos melhores episódios. Então, calma lá. Foi um dos melhores episódios, porque foi um homem contando porque foi um homem chorando ali, então aquilo já traz uma emoção maior. Então a Mirella foi chata porque ela não se emocionou ou porque ela não chorou em nenhuma entrevista? Porque ela é uma mulher denunciando? Então isso me fez pensar muito nisso também, do tipo “E se a gente tivesse falado mais, usando mais esse tom sensacionalista, será que as pessoas teriam preferido? Será que teriam achado mais legal? E se a gente não tivesse focado nas violências e ter focado mais nesse processo de denúncia, que de fato é repetitivo?”. Pode ter ficado repetitivo, mas essa é a realidade. Você [o denunciante] tem que falar muitas vezes a mesma coisa. A gente também precisava disso, de falar que estavam outras pessoas entrando para o movimento de denúncia. As outras mulheres também tinham que falar o que elas estavam denunciando, que elas tinham vivido.

Em todo caso de violência que faz mais de uma pessoa violentada existe um padrão, então várias pessoas vão acabar relatando a mesma coisa. Isso do décimo primeiro episódio ter trazido um homem chorando e denuncie falando sobre a dor dele… por que as pessoas gostaram tanto disso? E por que criticaram tanto as denúncias da Mirella? Claro, as pessoas têm direito de gostar ou não, não é isso. A gente sabe disso. Quando a gente faz um trabalho de grande alcance assim, a gente vai para muita gente, vai ter muita gente que não vai gostar, é ao mesmo tempo também que a gente entende hoje, depois da MCA que opinião da internet não define se o nosso trabalho é bom ou não. É difícil, para mim também traziam muitas inseguranças porque foi o meu primeiro grande trabalho, né? A minha carreira só está começando. Eu me formei em 2019, depois já veio a pandemia. E aí eu comecei a trabalhar com o Chico ano passado, então esses estão sendo os meus grandes trabalhos. Eu queria dar uma coisa com muito impacto, com muita opinião pública envolvida e as pessoas opinam mesmo e, enfim, faz parte. Eu por exemplo, que narrei umas partes d“O Ateliê” com Chico, recebi críticas da minha narração, a minha voz que que hoje eu também vejo muito com um viés misógino também porque muita gente falando que a minha voz é de criança ou minha voz é infantilizada, que eu deveria narrar contos infantis! Isso não resume o nosso trabalho, sabe?

O Chico fala muito disso também. Podcast, qualquer produto não é que muita gente vai ouvir, vai ter uma parcela de pessoas que não vão gostar, então tudo bem, a gente não pode deixar isso impactar o nosso trabalho, de ficar muito mal. É isso que eu tenho repetido em outras entrevistas que eu dei, que acho que nós, como jornalistas, a nossa responsabilidade e o nosso papel é apurar o máximo o que a gente puder e fazer o trabalho com o máximo de responsabilidade que a gente puder fazer. Sendo com checagem, apuração e também com respeito e responsabilidade às nossas fontes. Ainda mais um caso desse de violência contra a mulher, em que a gente estava falando diretamente com vítimas ali que estão falando sobre isso pela primeira vez na vida delas. Então você, jornalista, também precisa ter esse processo de criar confiança e também de ser leal e responsável com as pessoas. Acredito que é isso que deixa a gente muito tranquilo em relação às críticas, até a gente saber que a gente fez nosso trabalho com responsabilidade. A gente apurou tudo o que a gente tinha que aprovar. Teve gente que não gostou, mas ao mesmo tempo, muita gente pára a gente na rua para parabenizar ou manda e-mail parabenizando e agradecendo, mulheres falando que, ouvindo o podcast, perceberam que estão em uma seita.

Com “O Ateliê”, a gente quis mostrar também que estávamos falando sobre uma seita ali no meio de São Paulo, mas a gente está falando de relações abusivas no geral. Que isso pode acontecer dentro de uma escola, dentro de um casamento, em relações familiares, em relações de trabalho. A gente recebeu, por exemplo, um e-mail de uma mulher falando que viveu uma situação extremamente parecida durante um casamento de 15 anos dentro da igreja com pastor, e que ela se identificou com a história. Então, essa foi a nossa intenção também, sabe? Falar o que é uma relação abusiva, como isso acontece, como esse padrão acontece, e para as pessoas entenderem que não, não é fácil sair de uma relação abusiva e também não é difícil entrar em uma. Uma das grandes questões era “Nossa, como essas pessoas letradas e com acesso a conhecimento caíram numa seita?”. Gente, infelizmente está todo mundo sujeito, porque não tem como prever. Isso que é importante, acho que o nosso papel como jornalista mexe é tipo trazer à tona e “Ó, se atente aos sinais. Se isso está acontecendo agora, pode piorar e pode acontecer um momento de você não conseguir sair mais dali!”.

Sobre a sua pergunta, eu acho que todo jornalista hoje que tenta fazer um trabalho assim, diferente do tradicional… não acho também que a gente é super, não vou falar isso que a gente tá inovando, não? Porque é uma ainda a gente tem esse risco de as pessoas não entenderem, não gostarem, criticarem. Eu acho que também aí entra em uma outra discussão do jornalismo, do que é jornalismo, que quer entretenimento. É válido você falar sobre uma denúncia e talvez trazer ao abusador fama? Qual é a outra opção: silenciar, não falar sobre, abafar o caso? Eu prefiro falar, levar a público. Se as pessoas vão entender isso de um jeito sensacionalista, achando que a gente está fazendo isso para ganhar dinheiro, para gerar entretenimento com a dor alheia… Nós como jornalistas temos que ter consciência do nosso trabalho e saber por que estamos fazendo aquilo. É importante. Claro, tem que ter uma coisa de ser emocionante, de pegar atenção, né? Isso faz parte também, senão as pessoas não vão se interessar. A gente entra em outro assunto, que é a gente também tem contas para pagar. Pessoas esquecem que jornalista precisa ganhar dinheiro. O nosso trabalho tem um custo, é caro de se fazer. É um trabalho às vezes que leva meses para ser feito. Acredito que grande parte do público esquece que, da mesma forma que existe na imprensa tradicional, existe o fator humano.

Acho que as pessoas, quando elas falam sobre jornalismo, elas falam sobre o Jornalismo, como se fosse uma entidade. Esquecem que os jornalistas são pessoas ali no front fazendo aquilo acontecer. Acho que é uma pergunta que envolve muitos fatores, mas o que eu sempre penso é: “vamos fazer o nosso trabalho com responsabilidade”. E se for para falar de um assunto importante, vamos falar. Eu prefiro falar a silenciar.

Você comentou que no episódio extra um homem se emocionou e as pessoas se sensibilizaram mais do que a Mirella durante 10 episódios completos. Ninguém o criticou por estar denunciando, as pessoas concordaram com a denúncia dele, mas a Mirella foi julgada.

Eu acho que as pessoas têm total direito de não gostar de alguém, de gostar e não gostar. O eu acho extremamente problemático é a pessoa ir a público descredibilizar uma mulher que está tendo coragem depois de anos de denunciar uma violência que ela sofreu. Por que tentar sempre descredibilizar uma mulher? Por que tentar encontrar motivos para não acreditar no que ela está falando? Não só nesse caso da Mirella, d’O Ateliê. Em todos os casos de violência contra a mulher, as pessoas tentam descredibilizar. Para mim, o que falam da Mirella no Twitter é a mesma lógica do “Por que que você estava com aquela roupa? Por que que você saiu tão tarde de casa sozinha? Por que que você bebeu?”, transformada em questões como “Como que você não percebeu antes? Como assim você pagava para apanhar?”. Infelizmente, é assim que funciona uma relação abusiva. Mulheres até hoje estão em casamentos de 20, 15, 30 anos em que elas apanham. Às vezes nem só questões de violência física, né? Em casos de violência psicológica, as pessoas também demoram para perceber e sair.

O que me chateia, como mulher, é as pessoas irem a público para falar “Não faça isso, está errada em denunciar, você está errada em trazer isso a público. Sinta vergonha mesmo. Você tem que sentir vergonha”. Eu sinto que é esse o tom. E ela [Mirella] mesma fala. Ela falou isso pra gente em vários momentos, que, sim, eles têm muita vergonha, que foi um processo até para denunciar. Foi muito difícil para entender, com pensamentos do tipo: “Que vergonha de ter feito isso, como que eu não percebi isso antes?”. Em todo mundo que esteve numa relação abusiva, eu acho que é a pergunta que mais ecoa: “Por que que eu não percebi antes? Por que eu demorei tanto para sair? Como que eu caí aqui? Como que eu deixei isso acontecer?” E quando uma pessoa toma coragem de falar que ela não tem essa culpa via denunciar, e aí vem uma enxurrada surrada de comentários cruéis, de pessoas comentando que estão rindo ouvindo o podcast… isso para mim é problemático. Você pode não gostar, mas comenta com seus amigos no bar. Critique o podcast, mas não critique a mulher que está tomando essa decisão.

O que acontece muito é que algumas pessoas confundem um podcast com uma série. O “Mulher da Casa Abandonada” retrata uma mulher de verdade, crimes reais, com uma denúncia em curso. Não é um personagem ou uma atuação de atriz que eles estão criticando, mas sim uma mulher tendo coragem de levar uma denúncia de violência pra frente.

Sim, acho que as pessoas esquecem isso mesmo, até no MCA. As pessoas indo na frente da casa fazendo dancinha e pintar a cara de branco, sendo que tem pessoas sofrendo com aquilo, que aquilo machuca outras pessoas e esqueceram completamente. Isso faz parte também do nosso trabalho. A gente tenta não ficar ruminando muito nisso e tal, a gente fica em paz, sabendo que fizemos o que tinha que ser feito. Se isso está ajudando alguém de alguma forma, cara, é o que vale para mim, sabe? Assim como no Mulher da Casa Abandonada, no final saiu [a notícia de que] o número das denúncias de trabalho análogo à escravidão tinha crescido 3 vezes depois do podcast. Isso é importante, sabe? Não as críticas que estavam na internet. A gente tenta muito levar isso pro mundo real, mesmo, até na hora de de receber críticas, pensando: “Qual é a realidade disso? Vamos voltar para a realidade”.

E você acha que como jornalista, existe algum tipo de assunto que não deveria ser levado a público como forma de denúncia ou é tudo válido?

Eu acho que tudo é válido, dependendo do jeito que você vai falar sobre aquilo. A gente tem que ter muita responsabilidade com o que a gente está fazendo e, exatamente sobre isso que você falou que são pessoas por trás, e também temos que ter muita certeza do que se está falando. Então, para não acontecer o que nem Escola Base, por exemplo, que foi um boato qualquer que destruiu a vida de pessoas. Então, por exemplo, n’O Ateliê, o fato de ter mais de uma pessoa denunciando fortaleceu é a denúncia jornalística. Claro que fortalece também judicialmente, mas como jornalista também é muito importante, porque é mais uma pessoa denunciando. Então a gente tá só no “Okay, esses fatos estão checados, não é só uma pessoa dizendo isso, são várias pessoas dizendo”. Uma pessoa dizendo já seria suficiente, mas tendo mais é importantíssimo.

Quando saiu “O Ateliê”, o Rubens [Espírito Santo] liberou uma carta falando que todos os alunos eram maiores de idade. A gente já tinha tido acesso a pessoas que eram menores de idade, mas quando “O Ateliê” foi ao ar, pessoas nos procuraram para dizer “Quando eu entrei lá, eu era menor de idade e eu fui assediada sexualmente lá dentro”. Outra coisa também que é muito importante é o fato de N’O Ateliê estar acontecendo uma denúncia policial, um inquérito, o fato dela [Mirella] também estar decidindo levar à polícia e termos recebido o convite de acompanhar esse processo. Volta naquela coisa que eu quero falar de assuntos relevantes, mas como eu vou falar sobre isso com responsabilidade, tanto de informação quanto com as pessoas que chegaram até mim? A gente também tem que zelar pelo nosso próprio cuidado, pela nossa proteção. Como jornalistas, a gente não pode acusar sem ter provas concretas de que aquilo aconteceu, não podemos ficar supondo as coisas. No Ateliê, o fato de elas estarem decididas a fazer uma denúncia foi importantíssimo, porque uma palavra fazia mais forte a palavra do outro, dificultando a guerra de narrativas com uma tentativa de desmentir do Rubens.

É muito importante tomar cuidado e realmente checar o que você está falando, o que está investigando. É ter certeza mesmo pra também não se colocar em risco: o próprio jornalista e outras pessoas que podem ser prejudicadas por alguma denúncia.

Em relação ao episódio que o Rubens aparece, no qual você e o Chico visitaram o Ateliê do Centro, como foi para você, tanto como jornalista quanto a Beatriz, depois de ter visto todas aquelas denúncias, todas as histórias, ter visto o Rubens Espírito Santo cara a cara? Você consegue separar o seu lado jornalístico com o seu pessoal?

Cara, eu acho que eu consegui separar bem, mas vamos lá. Primeiro, que é muito impactante estar frente a frente com um homem não é uma pessoa que a gente ficou ouvindo por meses os crimes que ele cometeu, tanto quanto jornalista, como mulher. Já tinha entrevistado muita gente, pessoas que o conheciam há muito tempo, então, antes de conhecer, eu já sabia muito sobre ele. Estar frente a frente com ele foi assim: “Caraca, essa pessoa existe, é real o que está acontecendo”. É intenso. Como jornalista, tem o lado de ser um marco na minha carreira também, porque eu nunca tinha feito um nível de entrevista desse, com uma pessoa que está sendo acusada de agressão. Em uma hora de entrevista eu cresci muito em muitos aspectos, de entender como fazer uma entrevista séria nesse nível, de como me portar numa situação dessa. Acho que não tem como não falar também dos momentos que ele me assedia verbalmente? Acredito que é aí que eu respondo se eu consegui separar a Beatriz jornalista da Beatriz mulher ou não. E aí é uma coisa que a gente aprende ali, na prática também, mas que eu fiquei feliz com a minha postura: eu continuei muito séria. Para os jornalistas, estar nessa posição é continuar sério. A minha única saída foi continuar séria fazendo as perguntas que a gente tinha que fazer, independente do que ele estava falando.

É “doido” porque, depois que o episódio saiu, muitas pessoas me mandaram mensagens de apoio, de falar que elas ficaram muito tocadas pelo jeito que ele falou comigo. Ali na hora foi tão absurdo para mim ouvir aquelas coisas que eu tive que me segurar para não dar risada, por não acreditar que aquele cara estava ouvindo o que ele mesmo falava. Foi uma entrevista muito maluca, né? Ele responde todas as nossas perguntas com mais perguntas, sem o que levava para o campo teórico e de suposições, ele não conseguia responder perguntas simples e diretas, do tipo: “Você agrediu ou não agrediu alunas? Sim ou não?”. Não respondia. Ele foi meio desprezível em muitos momentos com dois gravadores na frente dele. Ao mesmo tempo que para nós como jornalistas aquilo foi excelente. Foi muito importante porque ele não conseguiu disfarçar que ele estava sendo quem ele é, né? Ele falava “Não vou responder nem que sim nem que não”, mas o tempo todo ele estava respondendo que sim, ele é essa pessoa.

Então, claro, é desconfortável, não é legal, mas ali na hora foi tão surreal, foi tão assim, “Continua que eu quero ver até onde vai chegar”, que passou muito batido para mim. As pessoas me perguntaram se eu me senti desconfortável, e cara, não me senti desconfortável porque eu acho que eu nem entendi, na hora, a gravidade do que ele estava falando assim? Eu acho que meio que passou batida assim era e era tanta coisa absurda que ele falava atrás de coisa absurda. Eu já esperava na real, até falava isso pro Chico, a gente conversava e eu já comentava: “Chico, eu acho que em algum momento ele vai tentar me humilhar, me tratar diferente por eu ser mulher” e dito e feito: ele me tratou diferente. Teve um momento que ele até fala: “Eu vou convidar você e a sua amiga”. Eu não estava ali numa posição de amiga do Chico. Estava ali como uma jornalista profissional entrevistando ele. Tem uma hora que ele pergunta quanto que eu pago na minha terapia, se eu faço, com comentários em tons sexuais, então é, acho que eu tive um gostinho assim do que é ser mulher e entrevistar pessoas que sentem que tentem que estão no poder. Com o Chico, óbvio, ele também foi audacioso e se colocava nessa posição de superioridade, mas comigo eu acho que ele se impôs mais no sentido de tentar me constranger e me diminuir. E com Chico ele quis disputar um poder. Acredito também que, por eu ser uma mulher jovem, o exato tipo de pessoa alvo do Rubens, ele tentou me intimidar.

E ele inventa, né? Porque ele fala na carta aberta que a gente não deixou claro o tom do podcast e o tom da entrevista. E a gente deixou claro desde o começo. Claro que em nenhuma entrevista nesse nível você [jornalista] vai dizer de início para pessoa “Fulano, preciso falar com você porque tem 30 pessoas te acusando de agressões, inclusive agressões sexuais”. Não. Você tem que ter essa sensibilidade de ir aos poucos e abordar aos poucos o assunto, porque senão a pessoa se assusta. E nós estamos fazendo tanto trabalho que a gente precisa de respostas, não é? Então, quando eu entrevistei, por exemplo, as ex-namoradas e os ex-amigos do Rubens, eu abordava esse assunto aos poucos. Eu não vou chegar já falando “Então, o cara que você foi casada por 10 anos abusou de mulheres jovens”. É muito chocante, então você precisa ganhar uma confiança ali, o que para mim é o básico de qualquer conversa. O nosso trabalho como jornalista também é muito isso, da gente conseguir fazer a pessoa se sentir confortável com a nossa presença.

Foi uma entrevista muito séria. Para mim, como uma pessoa em início de carreira, foi incrível acompanhar. Fiquei muito feliz mesmo de poder acompanhar isso com o Chico ali. O Chico conduziu mais a entrevista do que eu; eu fiz perguntas também, mas ele que conduziu. E eu aprendi muito sobre como me portar, de como reagir a essas posições do entrevistado, saber como reagir quando o entrevistado decide parar a entrevista. Coisinhas que você vai aprender na prática mesmo. Então pra mim, como jornalista, foi extremamente importante.

Estar ali dentro [do Ateliê] também foi uma loucura assim, tanto que eu costumo falar que, além de entrevistar o Rubens, estar no Ateliê para mim talvez foi mais intenso do que entrevistá-lo no sentido de mexer comigo pessoalmente. Com o Rubens eu já imaginava que ele teria esse jeito grotesco, audacioso e misógino. Mas estar dentro do lugar e ver os discípulos se movimentando de um jeito muito robozinho esperando ordens mexeu comigo. Foi bem impactante, porque já não restava dúvidas do que acontecia lá dentro. Infelizmente, são pessoas 100% sequestradas emocionalmente por essa pessoa que entrou na cabeça delas. Ver pessoas assim da minha idade que têm a vida controlada por esse cara há tempos.

Beatriz Trevisan | Arquivo Pessoal

Durante a entrevista, eu também fiquei com um pouquinho de medo porque a gente estava trancado lá dentro, né? Mas deu tudo certo. Fiquei muito feliz de ter feito parte disso, como jornalista e como mulher. Acho que foi um super aprendizado, de ver realmente como homem de situação e posição de poder, na cabeça deles, lidam com mulheres. Para mim, foi só uma prova de como isso funciona.

Você comentou que chegou até vocês depois da publicação do Ateliê histórias de pessoas que se conheceram em relacionamentos abusivos ou até mesmo em seitas. Alguém que esteve no ateliê teve conhecimento do podcast só depois da publicação em veio falar com vocês?

Sim, tivemos essas pessoas, tanto que já saíram ou que ainda estão no Ateliê. O ateliê fechou, não existe mais no espaço físico, mas o Rubens ainda tem fiéis ao redor dele. É difícil de se desligar de uma relação desse tipo. É uma dependência emocional muito grande para as pessoas entenderem instantaneamente o que está acontecendo. A discípula mais antiga está lá há 15 anos já, então é muito tempo para aí, uns 3 meses, a sua ficha cair. Não é assim. Essa menina que eu comentei com você, que ele citava que era menor de idade, veio falar comigo depois que o podcast foi ao ar falando que esteve lá em 2016/2017, que frequentou o Ateliê por alguns meses e foi assediada. Recebemos o contato de muita gente que esteve no Ateliê em várias épocas diferentes, pessoas mais velhas que conheceram o Rubens em 2010, em 2000, vieram falar com a gente e sempre confirmando o mesmo padrão, as mesmas coisas. O Chico Felitti até fala que esse foi o caso que ele investigou mais concreto e mais padronizado, porque ninguém nega o que aconteceu. As pessoas podem negar que aconteceu com elas, mas viram acontecendo

Muita gente [entrou em contato] mesmo e familiares também de pessoas que estão lá e vieram falar com a gente. E é isso que a gente sabe. O Ateliê não existe mais, o Rubens saiu do apartamento que morava em São Paulo e agora ainda tem fiéis. Ele precisa dar depoimento na polícia, mas não foi na primeira data marcada, e agora vamos remarcar. Mas o processo está se desenrolando

É uma responsabilidade muito grande que vocês acabam admitindo.

É muito grande. E pessoas também que tomaram essa coragem de denunciar a partir do podcast, de entrar na denúncia. Esse que eu comentei do 11º episódio, foi isso. Assim, ele acredita que ele vai entrar como testemunha, né? E ele veio depois que o podcast foi ao ar. Depois da carta que o Rubens publicou, o denunciante decidiu que ele precisava desmentir o que o Rubens disse, então ele topou falar com a gente. Em off, mas topou. Muita gente veio falar com a gente que a gente nem não colocou no podcast nem nada, mas que só comprovou a nossa pesquisa, a nossa investigação.

Pensando em aspectos técnicos agora do podcast, porque você foi a produtora do Mulher da Casa Abandonada e no Ateliê você foi produtora e narradora junto com Chico, certo? Só que a gente sabe que tem uma galera atrás da produção. No aspecto técnico mesmo dessas produções, como que funciona a divisão de tarefas, como que vocês organizavam isso?

Cara, eu acho muito legal essa pergunta também porque as pessoas ainda acham que fazer podcast é muito simples, né? Que é só você ter um microfone e pronto, está feito. A gente lançou esse como independente, com o plano de apoio. A gente criou um grupo no Telegram e a uma pessoa fez uma continha lá e disse “Pelas minhas contas aqui,já temos 10 mil reais. Vocês acham que já conseguem fazer mais um podcast?” Eu li aquilo e dei risada pensando “Nossa, ‘gata’, você que custou 10 mil reais fazer esse podcast, que a gente ficou um ano investigando, que o Chico foi para Londres?Baratinho!”. É um valor muito maior, e muita gente não tem noção de como funciona. Eu acho legal também falar que se a gente for ver podcasts maiores, assim como da Globoplay, e a gente for ver os créditos, são muitas pessoas. É uma equipe bem grande. O nosso também são várias pessoas, mas é um trabalho bem independente, né, principalmente o “Ateliê”.

Uma coisa que eu tenho aprendido muito trabalhando com Chico é sobre esse mercado audiovisual. Eu acho que as pessoas ainda desvalorizam muito podcast, apesar do tanto de visualizações que tem, o tanto que as pessoas consomem. Não sei se você conhece o Não Inviabilize, da Deia Freitas. A Déia, quando começou, ficou 3 anos como um podcast independente, fazendo sem grana nenhuma e apostando nessa. Agora, ela ganha muito dinheiro, sendo o podcast que tem mais visualizações e downloads do Brasil. Mas mesmo assim, tem muita gente produzindo muita coisa boa que o grande público não dá valor, sabe? Porque as pessoas não querem.

A produção de um podcast é uma coisa que exige muito trabalho, muito tempo de pesquisa, ainda mais podcast narrativo, que é preciso uma equipe, você precisa de uma pessoa só para pesquisa. No Ateliê, hoje, temos uma equipe de 6 pessoas, mais ou menos. Eu e Chico trabalhamos mais juntos, mais com a mão na massa, por sermos ambos produtores. Aí, precisamos de um editor. Precisamos também contratar um ator para narrar uma entrevista em que uma entrevistada não quer aparecer a voz. E aí vai o dinheiro. Tem mais uma assistente de produção, precisa alugar estúdio, precisa fazer uma arte de capa, precisa ter alguém que vai cuidar das redes sociais, de vídeos. Então, são muitas pessoas ali que acontece nesses bastidores, mas ali no dia a dia estamos mais eu e o Chico, entrevistando as pessoas e fazendo aquilo ser uma realidade.

O Chico, ele também é um furacão. Ele já tem muita experiência na área, então ele sempre tem muitas ideias boas e entrevistando alguém é espetacular. Então acho que por isso que também está muito ali no meio, porque precisa muito dele, né? Ele tem um jeito só dele de entrevistar. Eu escrevo também alguns roteiros. A gente edita junto, mas é realmente um trabalho feito a várias mãos. Se não fosse o trabalho conjunto com outras pessoas, não viraria realidade. Não tem como a gente também fazer só nós, precisa de mais gente porque é um trabalho. É pesado no sentido de ter muita carga, é muita coisa para se fazer. O mercado audiovisual precisa valorizar mais o podcast e entender que não é barato de se fazer e que para fazer um bom trabalho também não vai ficar barato, sabe?
E que precisa dar chance para as pessoas também. Para mim, foi uma super honra narrar com o Chico. Assim foi um prazer para mim narrar porque admiro Chico como narrador desde antes de trabalhar com ele. Não sei se você chegou a ver, mas eu conheci o Chico porque eu o convidei para a minha banca de TCC. Acompanho o trabalho dele há tempos e foi um prazer. A equipe vira uma rede de apoio e todo mundo aprende a fazer de tudo um pouquinho, é um trabalho feito em várias mãos.

Muito se fala sobre ideias para Chico Felitti para os próximos podcasts. E eu queria saber se tem alguma coisa nova vindo por aí ou se são planos futuros.

Nossa, na semana que vem está aí um podcast novo, mas não vai ser um super crime investigativo, é isso? Na verdade, a gente vai voltar para histórias da vida comum, porque é isso. Assim como eu falei no começo da entrevista, o nosso negócio é contar histórias de pessoas reais, e falar sempre de crime é muito extenuante assim, né? Muito pouco desgastante emocionalmente porque é uma coisa muito séria, e cansa. Não tem essa de separar o trabalho da vida real. Você está falando sobre aquilo todos os dias o dia inteiro, em muitas situações eu me emocionava, eu chorava. Eu só falava disso, tinha até dó dos meus amigos e antes desses eu fazia o “Além do Meme” também, que era muito incrível sobre historinhas de pessoas que viraram meme, que aconteceu com elas. O Chico tem esse perfil também, de falar muito sobre coisas leves que a gente acha que é assim, insignificante, mas pra mim é onde está o maior brilho, assim da vida.

Então agora a gente vai lançar um podcast que chama “Gente! Pessoas comuns em dias extraordinários”. E vai ser basicamente isso: pessoas na vida real, é com histórias formidáveis. Por exemplo, a gente vai contar a primeira vez que uma criancinha que conheceu um cavalo, que era o sonho da vida dele; ou o dia que que uma vovó que até viralizou na internet, que é super fã do Lula, viu a posse do presidente; o dia que a mulher conheceu a Lady Di quando ela era um bebezinho, quando ela veio ao Brasil, ela pegou crianças com HIV no colo e a gente encontrou a mulher, que foi uma das crianças que ela pegou no colo. Sobre pessoas comuns em dias malucos. A vida é cheia de emoções. A vida como é, cheia de momentos lindos, é cheia de momentos raros no dia a dia. Então eu acho que a gente [eu e o Chico] quer voltar um pouco para isso, respirar um pouco.

Também estamos já trabalhando em um outro podcast de crime também, mas ele também vai ter uma coisa mais até cômica, uma coisa meio maluca e caricata. E tem mais um outro podcast de crime também que pode vir mais pra frente. Mas da semana que vem é esse (Gente!) que acho que todo mundo vai amar, que está muito bonito mesmo. E particularmente é o que eu mais gosto.

Confira a entrevista completa no mais novo episódio do ColabCast:

Giovanna de Souza

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