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Autoestima: o outro lado do câncer

O tratamento contra o câncer pode ser agressivo, entretanto a mudança na fisionomia também é um fator que causa danos emocionais e psicológicos. A queda na autoestima pode levar ao isolamento social e desencadear diversos obstáculos para a saúde mental. O Instituto Nacional De Câncer José Alencar Gomes Da Silva (Inca) estima que, somente em 2021, resgistraram mais de 60 mil casos de câncer no Brasil. São milhares de vidas e histórias mudadas drasticamente a partir de um diagnóstico. Para além da complexidade e dos riscos envolvidos em alguns tratamentos, que estão relacionados com efeitos colaterais diversos, há ainda os efeitos psicológicos envolvidos com a carga emocional e mental que a acompanham o diagnóstico e o tratamento.

A quimioterapia, segundo o Inca, é: “um tratamento que utiliza medicamentos para destruir as células doentes que formam um tumor. Estes medicamentos se misturam com o sangue e são levados a todas as partes do corpo. Assim, destruindo as células doentes que estão formando o tumor e impedindo, também, que elas se espalhem pelo corpo”. O site revela que o tratamento possui diversos efeitos colaterais. Entre eles é possível citar anemia, enjoo, fraqueza, apatia e, talvez o mais conhecido, a queda de cabelo.

Dificuldades para reconhecer a própria imagem

Para o paciente, vai muito além de sentir um mal estar e raspar a cabeça: “Me incomoda me ver como uma pessoa doente”, revela Júlia Pessôa, jornalista e professora universitária que finalizou a quimioterapia recentemente, no dia 8 de novembro de 2021, e, no momento da entrevista, relatou estar se preparando para uma cirurgia de retirada de mama no dia 23 de novembro.

Júlia explica que o processo da quimioterapia é complexo, mas lidar com “um corpo novo” pode ser angustiante. O momento, por exemplo, de raspar os cabelos, foi uma escolha dela por se sentir desconfortável com a perda gradual. Entretanto, Júlia precisou passar por um processo de aceitação. “Cabelo, mais do que estética, é um lembrete da doença”, afirma.

Saúde mental, quimioterapia e pandemia

Além da perda de cabelo, muitos outros fatores contribuíram para essa “imagem de pessoa doente” que Júlia tanto temia, pois sua fisionomia se tornou mais frágil com a perda de peso e as várias cicatrizes por conta da necessidade de usar o cateter. Para ela, falar sobre o diagnóstico e o tratamento publicamente foi uma forma de ressignificar o processo.

A jornalista declara que procurou manter a rotina de trabalho em busca de normalização da rotina, já que estava em home office durante a pandemia. Júlia menciona ainda que continuou com seus trabalhos jornalísticos dentro do que suas limitações durante o tratamento permitiam: “Foi uma opção minha [continuar trabalhando]. […] Eu tive esse privilégio de escolher continuar trabalhando como freelancer em casa”, afirma.

Readaptação

Após finalizar a quimioterapia, entretanto, Júlia afirma ter aproveitado o momento para se divertir com a sua aparência. Dessa forma, reconectou-se com sua autoestima através de cortes de cabelo e experimentos com diferentes estilos. Sua mentalidade positiva e a sensação de alívio após a quimioterapia permitiram que focasse, então, em elevar sua autoestima. Mas ela ressalta: “O processo de olhar para trás e entender o caminho percorrido também é muito importante”.

A médica anestesiologista Luana Silva passou por processo semelhante. Após sofrer inicialmente com a mudança da aparência, veio o processo de aceitação. Segundo ela, a experiência de “retorno ao normal”, entretanto, foi uma sensação estranha, apesar de boa. “As pessoas elogiavam meu cabelo curto […], e eu resolvi aproveitar o novo penteado usando tiaras e presilhas”. A ressignificação do cabelo e do ganho de peso foi um processo primordial na recuperação da autoestima e no processo de encarar novamente sua imagem no espelho.

Atualmente, Luana acredita ser importante compartilhar suas experiências nas redes sociais. Mostrar para as outras pessoas, que passam pelo que ela já passou, que há esperança e que há câncer que tem cura.

Processo de “luto” com a autoimagem durante o câncer

Psicóloga e mestre em Educação, trabalhando há mais de 15 anos na área oncológica, Adriana Paes analisa que, no caso de Júlia, dentre milhares de outras pacientes em tratamento que também se sentem assim, é como um processo de luto. “Luto por uma imagem que já não existe”, acrescenta.

Adriana relata que não é possível retornar ao estado psicológico prévio ao diagnóstico do câncer. Talvez, de acordo com ela, possa ser melhor ou pior emocionalmente. O principal, em qualquer caso, é a necessidade de entender que há mudanças e que o tratamento psicológico precisa ter continuidade mesmo após a cura física. “É desenvolver a antifragilidade, um conceito de um autor chamado Taleb. Não se retorna ao que era antes diante de situações como esta”, comenta, “Na nossa cultura tão voltada para a eficiência, produtividade, beleza… tudo fica muito mais dificil”.

Efeitos colaterais do câncer, além dos físicos

A quimioterapia, por ser um tratamento tão agressivo, causa efeitos tanto físicos quanto mentais e sociais. Adriana esclarece que o tratamento causa dificuldades e alterações em todas as esferas da vida:

  • Biologicamente, pois as drogas utilizadas são muito tóxicas;
  • Psicologicamente, pois os pacientes precisaram desenvolver estratégias de enfrentamento para lidar com suas emoções e sentimentos;
  • Socialmente, por interferir na vida profissional (que, muitas vezes, precisa ser interrompida), em suas relações sócio-familiares, pois toda a nova dinâmica que o tratamento impõe impede de manter sua atividades sociais;
  • E, por fim, em relação à autoestima, há alterações, fazendo com que o paciente muitas vezes se isole de olhares críticos.

Outro tratamento que pode ter efeitos físicos e psicológicos é a radioterapia. Assim, pode causar perda de apetite e dificuldade para ingerir alimentos, cansaço, e reação na pele (como coceira, vermelhidão e queimadura.

Importância do apoio durante o tratamento contra o câncer

O isolamento de pacientes que se sentem desconfortáveis com a própria imagem não é descabido. De acordo com um bate-papo para a CBN, a ginecologista, obstetra, mastologista, integrante da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia e da Sociedade Brasileira de Mastologia, Fernanda Torras; a fundadora da ONG Mamas do Amor, Fernanda Chahin de Aguiar; e a fundadora e presidente da ONG Cabelegria, Mariana Robrahn, relataram que cerca de 70% das mulheres que passam ou estão passando pelo tratamento contra o câncer de mama são abandonadas pelos parceiros (maridos ou namorados).

Cerca de 70% das mulheres que passam ou estão passando pelo tratamento contra o câncer de mama são abandonadas pelos parceiros.

O apoio da família e pessoas próximas, além do suporte profissional, é parte importante no tratamento. A psicóloga Adriana revela que existem diversas abordagens do apoio psicossocial relacionadas à recuperação da autoestima. E que o apoio de familiares faz parte da jornada de encontrar novas formas de lidar com a doença e o tratamento.

Pacientes em tratamento, assim como Júlia, relatam sentir o afastamento de pessoas previamente próximas por não conseguirem lidar com a situação do tratamento. Júlia lembra que é importante ver as pessoas afetadas pelo câncer como uma pessoa em tratamento, ao invés de, como ela afirma ser uma ocorrência comum, uma associação direta com a morte.

Novas perspectivas e apoio de pessoas próximas

O processo desde o diagnóstico até após o tratamento não é traumatizante apenas para o paciente, também pode ser complicado emocional e psicologicamente para pessoas próximas.

Segundo Luana, 39, que concluiu o tratamento contra o câncer de mama no início desde ano, além da própria mente, era importante garantir que os efeitos dos procedimentos não afetassem ou gerasse algum tipo de trauma em seu filho, Lucca, que tinha apenas 1 ano quando ela recebeu o diagnóstico, em março de 2020.

“Eu decidi raspar a cabeça com ele do meu lado assistindo”, explica. Luana entendeu que a cena da mãe, que sempre teve os cabelos longos, “aparecendo” careca talvez fosse melhor aceita e menos impactante para o filho pequeno se ele presenciasse a transição. “Ele achou aquilo legal! Ficou passando a mão na minha cabeça depois [de raspar]”, lembra.

Apesar do momento de descontração com o filho, Luana conta que teve sérios problemas com a autoestima: “Eu não tinha vontade de olhar no espelho.” O processo de isolamento foi, de certa forma, facilitado com a quarentena. Ela afirma que sua aparência era motivo para desânimo.

“Hoje em dia eu consigo me olhar no espelho e, apesar dessas alterações, me sentir bem”, Luana comenta ao lembrar que a experiência com o tratamento e a doença a permitiram ter outra perspectiva em relação às cobranças e julgamentos relacionados à aparência: “Ah, engordei um pouquinho? Beleza! Hoje em dia, eu tenho cabelo branco e está tudo bem.”

Marianna Ferry

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