Jovem jornalista narra sua luta na busca pela representatividade dos povos tradicionais brasileiros na Comunicação
Ariene Susui, 26 anos, é a primeira indígena mestre em Comunicação no Brasil. Ativista desde os 14 anos, pertence ao povo Wapichana, da comunidade indígena Truaru da Cabeceira, que fica a 65 quilômetros da capital Boa Vista, em Roraima, no Norte do país. Convidada a integrar o Grupo de Transição (GT) de comunicação do governo Lula em dezembro de 2022, ganhou protagonismo como representante dos povos indígenas na área.
Ela conta que, na adolescência, percebia não haver representatividade nas mídias tradicionais, e, quando havia, era estereotipada, com uso de termos genéricos – como “índios” – e em contextos marginalizados – eram vistos como violentos. Até a maioridade nunca havia morado fora de Truaru, e só se alimentava do que era produzido na comunidade, por meio da pesca e da agricultura. Não cogitava prolongar os estudos para além do ensino médio, pois acreditava que não fosse uma possibilidade. Até que uma professora da escola em que ela estudou, contou-lhe sobre o Processo Seletivo Específico Para Ingresso de Estudantes Indígenas (Psei), um vestibular da Universidade Federal de Roraima (UFRR), que ocorre meses antes do regular. Assim, surge o sonho de se tornar uma comunicadora e lutar pelo fim das narrativas de preconceito que perseguem o seu povo.
Jornada Acadêmica
Mais uma vez, a gente tem a oportunidade de estar inserido no sistema, de colocar nossos povos como protagonistas nesses espaços
Ariene Susui
Com um certo frio na barriga, ora de medo ora de empolgação, Ariene chegou em Boa Vista para cursar o tão sonhado Jornalismo, área escolhida para, quem sabe um dia, poder ver um âncora indígena na TV. Talvez por ouvir as vozes de seus líderes chamando-a para a luta do Movimento Indígena aos 14 anos, ou o fato de ter nascido em um espaço-tempo onde ser indígena significa também ser ativista, precisou enfrentar olhares preconceituosos de alguns estudantes e professores que consideravam-na incapaz de ter sucesso devido à sua origem.
Na Universidade, presenciou o quanto esse campo menosprezava seus parentes. Ao olhar para as fontes, percebia que os indígenas eram sempre colocados como personagens e nunca como especialistas, ainda que a pauta fosse sobre eles, “nós não precisamos que ninguém nos dê voz, nós somos nossas próprias vozes e podemos escrever sobre nós, podemos nos fotografar e ter nossas próprias narrativas”, afirma.
Ariene se formou e tornou-se coordenadora do Departamento de Comunicação do Conselho Indígena de Roraima (CIR). Ajudou a fundar a Rede de Comunicadores Wakywai (“Nossa Notícia” na língua Wapichana) , projeto antigo do CIR que foi colocado em prática no período pandêmico, no qual monitorava os casos de covid e repassava para as comunidades mais distantes. “Essa rede servia para dizer que os povos indígenas, lideranças, estavam morrendo pela covid, e levar essa informação era fundamental para salvar vidas” – relembra.
O lugar do indígena no jornalismo tradicional
Concluiu o mestrado pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação (PPGCom) da UFRR com a pesquisa “Comunicação indígena em Roraima e a criação de novas territorialidades digitais: rede Wakywai, resistências e saberes amazônicos”. Além de expressar alegria por essa conquista, ela destaca: “a mensagem que eu deixo aos comunicadores indígenas é de que esse espaço é nosso”. Seu desejo é ajudar na luta do seu povo, na visibilidade e nas narrativas, e vê-los sendo pautados da forma como são, “e a maior dificuldade é ter essa narrativa nas grandes mídias”, escreveu em um depoimento para a revista Piauí.
Tarisson Nawa, jornalista e antropólogo, além de parente e amigo de Ariene Susui, também comenta sobre a importância da representatividade indígena no jornalismo: “Você vê um médico indígena sendo fonte especialista? Não. Você vê geralmente os indígenas sendo personagens e isso mostra que o jornalismo nos coloca em lugares inferiores ainda. Reforçam esse lugar de inferioridade”. Ele reitera sobre a indispensabilidade da representação adequada dos povos tradicionais para a superação de estereótipos, preconceitos, equívocos e da própria folclorização.
Protagonismo indígena em expansão
Hoje, Ariene atua como jornalista independente com foco na Amazônia e já escreveu matérias para o Sumaúma, revista Piauí, GreenPeace, Repórter Brasil, Nexo, entre outros sites. Em seus artigos de opinião, reportagens e entrevistas, a ativista combate a desinformação e reafirma seu lugar como resistência ao ocupar um espaço importante na comunicação brasileira. “Ocupar os territórios digitais é importante para mostrar quem somos nós e para defender nossos direitos e territórios”, conta em depoimento à Amazônia Real.
Em 2022, recebeu um convite importante para integrar o Grupo de Trabalho de Comunicação na equipe de transição para o novo governo do presidente Lula. Compartilhou com os demais membros, pautas como: o direito à comunicação, democratização da informação e atenção para a Amazônia e as realidades dos povos que habitam o local, debateu sobre suas inquietações e colocou a região como eixo central. “[Eu desejei] então, levar essa bandeira, principalmente num contexto quando a gente tem uma comunicação nesses espaços ainda muito marginalizada, por se tratar da Amazônia.
Porque o mundo fala sobre ela, mas as pessoas pouco conhecem de fato quem é que vive e mora na Amazônia“
Ariene Susui
A jornalista segue lutando pelos povos tradicionais através das suas matérias, publicações nas mídias sociais e politicamente, através da participação no Acampamento Terra Livre (ATL), que ocorre todo ano no mês de abril, por exemplo. Ariene não é mais aquela adolescente que vivia em um mundo onde não havia representatividade indígena, mas uma comunicadora ativista que continua caminhando para, um dia, visualizar um mundo onde o indígena não precise lutar pela vida e onde a diversidade é tão comum quanto o nascer do sol.
Apesar da dificuldade e apesar de tudo, não foi fácil e nunca será fácil para nós, mas resistir sempre foi a nossa bandeira de sobrevivência.”
Ariene Susui
Conteúdo produzido por Ana Luiza Soares, Caroline Vitória, Emanuele Lage, Júlia Barreto, Livia Marques e Maria Clara Sá na disciplina Apuração, Redação e Entrevista, sob a supervisão da professora e jornalista Fernanda Sanglard e do estagiário docente Marcus Túlio.
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