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Daniela Arbex: filha do papel e voz da resistência

Série de perfis de jornalistas brasileiros elaborados na disciplina Apuração, Redação e Entrevista

“Um trabalho de qualidade incomoda, se não incomodasse não seria perseguido.” Essa foi a frase dita pela jornalista, escritora e documentarista Daniela Arbex durante palestra na PUC Minas no fim de abril. A autora, reconhecida por se dedicar à defesa dos direitos humanos, de fato provoca as instituições que estão envolvidas em suas obras, com investigações que envolvem desde a mineradora Vale até o Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais. Isso porque, em seus livros, ela faz diversas denúncias sobre os casos que escolhe abraçar. Daniela se considera filha do papel e voz da resistência, em alusão à carreira de 23 anos em jornal impresso e ao trabalho voltado a garantir visibilidade aos socialmente “silenciados”.

A expressão “qualidade” é repetida diversas vezes por Daniela, e é provavelmente a mais indicada para descrever seus trabalhos. Aos 49 anos, a jornalista se consagra como uma das maiores profissionais de sua geração. Isso é mostrado não apenas pela conquista de seus três prêmios Esso e também o americano Knight International Journalism Award, mas também por seus livros que são considerados referências quando se trata de jornalismo investigativo.

Sua primeira obra literária, Holocausto Brasileiro (2013), possuía, até o ano de 2021, mais de 300 mil exemplares vendidos. O best-seller foi considerado o Melhor Livro-Reportagem do Ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte (2013) e segundo melhor Livro-Reportagem no prêmio Jabuti (2014). O texto também inspirou produções audiovisuais, como o documentário da HBO que recebeu o mesmo título e a série Colônia, da Globoplay.

O poder da palavra

Daniela Arbex em palestra para a PUC Minas em abril sobre o papel do jornalismo na construção da memória coletiva do Brasil. – Foto: Pâmella Ribeiro

Formada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora em 1995, iniciou a carreira no jornal Tribuna de Minas, do qual foi repórter especial por mais de duas décadas. Mas antes disso descobriu, como ela diz, “o poder da palavra”. Foi em uma atividade da disciplina Jornal Laboratório, ainda na faculdade, que ela investigou um caso de corrupção envolvendo um professor de outro curso. Na ocasião, Daniela percebeu a influência que uma boa apuração e escrita poderiam ter.

Alimentada pela vontade de dar visibilidade aos silenciados, Daniela ultrapassa seu temor pelas retaliações que podem ser causadas pelas denúncias de suas reportagens e seus livros, a fim de alcançar um objetivo específico: apresentar o Brasil aos brasileiros. A autora afirma que esquecer é negar o passado, e que construir a memória é um dos compromissos essenciais do jornalismo de qualidade. Ela considera que essa seja uma das contribuições para combater o apagamento social e revelar o “Brasil profundo”, além de contribuir para que não se repitam no futuro os erros do passado.

A sensibilidade de Daniela

Ao acompanhar palestras e outras entrevistas da jornalista, é possível perceber que Daniela fala da família com um carinho especial, não apenas da sua, mas também dos familiares das vítimas das tragédias de que tratam seus livros. Ela conta que, antes de publicar as histórias, oferece a esses entrevistados o acesso ao conteúdo.

A primeira mãe que teve acesso à obra Todo Dia a Mesma Noite revelou que receber o livro foi como ter a filha de volta e, para Daniela, isso faz muita diferença para entender o papel do seu trabalho. Para a repórter, conciliar a vida profissional com a vida familiar é um grande desafio, principalmente durante o processo de apuração e escrita de um livro. Ela diz, ainda, que se sentir em falta com a sua família é muito dolorido e faz com que se questione se esse é, de fato, o caminho a se seguir, mas mesmo com tudo ela segue em seu papel de ser voz da resistência.

Sobre o último lançamento Arrastados, a autora afirma que é muito diferente de tudo que já havia feito. Por ter escrito a obra durante uma pandemia, depois de ter sido atravessada pela morte do irmão e ainda pelo tema se tratar de um caso muito recente em que as pessoas estão muito fragilizadas, esta obra foi uma das que mais a consumiu. Segundo ela “Todo livro é trabalhoso, é muito difícil você fazer um livro, esse foi mais ainda nesse sentido”.

Apesar disso, Arbex não deixou de concluir o trabalho, o livro se manteve em diversas listas de mais vendidos e foi alvo de várias críticas elogiosas. Assim, como em seus outros livro-reportagem, a jornalista foi capaz de atingir algo que para muitos parecia impossível: reconstituir a vivência dos que estavam no local no momento em que tudo aconteceu. E talvez essa seja uma das características principais do seu trabalho, se dispondo de várias fontes e pesquisas, Daniela consegue sempre retratar com precisão as histórias que conta, nunca deixando de lado a parte humana das tragédias que impede o esquecimento. Exemplo disso é a forma que se refere aos indivíduos afetados e suas famílias como “amores”.

À medida que os corpos iam sendo resgatados, o horror tomava conta de um país atônito. Para quem ainda procurava por seus amores, cada hora de espera aumentava o sofrimento.

Daniela Arbex no livro “Arrastados”
Foto: Arquivo pessoal / Disponível em: Daniela Arbex

A voz da resistência

Arbex ressalta que o seu dever de mostrar ao povo os acontecimentos que fazem parte do que somos hoje é muito mais importante do que os problemas pessoais que passa enquanto está produzindo algo. A autora diz que seu psicológico já foi bastante abalado pelas histórias que contou, chegando a ter queda de cabelo e aumento de peso. Mas, ainda sim, ela permaneceu com seu compromisso de impedir o esquecimento de acontecimentos importantes da história nacional.

Além disso, o lugar que representa como mulher em um espaço predominantemente masculino é algo desafiador para ela, mas que com o tempo foi se acostumando: “Eu acho que em tudo eu fui sendo preparada desde o começo. Para mim antes era um desafio dar palestras, ainda é desafiador, mas hoje eu me sinto mais confortável. A gente por ser mulher não estava acostumada a ter esse lugar de fala e destaque, por isso, no começo foi muito difícil para mim, em tudo, dar entrevista para televisão já que, como filha do papel, eu não tinha esse hábito, […] mas eu acho que é isso aí, a gente tem que marcar o nosso lugar[…]”.

Conteúdo produzido por Clara Tunes, Eduarda Oliveira, Julia Salim, Laura Seraphim e Paula Arantes na disciplina Apuração, Redação e Entrevista, sob a supervisão da professora e jornalista Fernanda Sanglard.

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