As mídias sociais estão cada vez mais presentes na vida das pessoas e diversos produtos e espaços têm sido retratados e enxergados mediados por telas de celulares e smartphones. A arte não ficou para trás nesse processo de adaptação e recriação da experiência. A midiatização do universo artístico pode ser notada, por exemplo, na repercussão da exposição A Tensão, do artista argentino Leandro Érlich, no Instagram.
A exposição esteve em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Belo Horizonte, até 22 de novembro mas, mesmo que você não more na capital mineira, pode ter esbarrado com imagens das salas e cenas por meio de hashtags em mídias sociais. Embora, segundo o curador da mostra, Marcello Dantas, as fotos e vídeos das obras compartilhados não entreguem a mesma experiência de quem presencia as instalações, a midiatização da mostra interativa só teve pontos positivos e foi muito forte ao longo do período de exibição.
Arte, museus e mídias sociais
Abordar a midiatização da arte é também pensar nas evoluções humanas, as muitas mudanças de visão de mundo e prioridades que as sociedades enfrentam ao longo das gerações. Como esses avanços se relacionam com o processo de experiência da arte? De acordo com a museóloga e criadora do perfil no Instagram “Quantos museus existem na sua cidade?”, Tatiana Coelho da Paz, a arte é influenciada pelos mesmos processos de trocas de perspectivas, modificações e avanços que acontecem no corpo social.
Conforme dados das organizações HootSuite e WeAreSocial, o Brasil é o terceiro país no mundo que mais utiliza redes sociais, com um número total de usuários que ultrapassa 150 milhões. Diante desses números, Tatiana Paz acredita que o uso excessivo das mídias sociais na rotina das pessoas também contribui com a normalização o consumo da arte mediada por telas: “A arte também pode se colocar nesse lugar de criar uma outra forma de comunicação através da linguagem da internet”.
Já para a mestranda em Comunicação com foco em imagem, estética e cultura contemporânea, Luanda Campelo, a adaptação da arte para as mídias sociais não torna pior ou melhor a experiência. Na verdade, a pesquisadora acredita que se tratam de leituras diferentes, que oxigenam: “No caso, na área cultural, fomentam mais discussões sobre o público, museus e exposições”, ressaltou ela.
O ‘instagramável’ e o domínio do Instagram no universo artístico
Os brasileiros também formam a terceira nação que mais utiliza o Instagram, mídia social que faz parte do grupo Meta, assim como o Facebook e o WhatsApp. Gastamos, em média 14h por mês na plataforma, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da Índia. São cerca de 72 milhões de usuários da mídia social, números que, segundo Tatiana Paz, ajudam a entender como o Instagram mudou a paisagem cultural de museus e exposições de arte, fazendo com que entidades abraçassem esse processo de intensa midiatização como parte das experiências. Mas, para ela, esta é apenas uma nova forma de capturar visitantes, não o fim de abordagens mais tradicionais.
Nesse contexto, surge também o conceito de espaços e exibições instagramáveis, que, segundo Luanda Campelo, são aqueles espaços que têm potencial de “performar bem” ao serem publicados no Instagram. Ela explica que uma boa performance implica em muitas curtidas, compartilhamentos, e, principalmente, visibilidade no espaço digital.
Marcello Dantas, curador da mostra do CCBB, ressalta que existe, sim, uma audiência no mundo das artes que passou a se fidelizar através das mídias sociais. Ele destaca que isso não é algo desprezível, mas de grande valor, e essa é uma mudança em toda a sociedade, não sendo possível se prender ao que não é mais habitual:
A exposição A Tensão, de Leandro Érlich
A exposição A Tensão chamou atenção do público pelo dinamismo de suas instalações e pelo convite à interação. A mostra recebeu, em média, 700 visitantes por dia, segundo a gerente do CCBB, Gislane Tanaka, e o sucesso do acervo se expandiu para as mídias sociais desde os primeiros dias.
Desde a primeira instalação da mostra, o Salão de Cabeleireiro, de 2008, até a última – e mais comentada – a Piscina, de 1999, o público é inserido em uma experiência que consiste em interagir com a obra ou refletir sobre a realidade que ela representa. Em relação a isso, Marcello Dantas afirmou que a arte sempre vai digerir aquilo que o mundo produz.
A arte, quando vê uma mudança no comportamento das pessoas, ela com certeza interpreta isso – a fotogenia – e as obras contemporâneas estão levando isso em conta.
Marcello Dantas
A apresentadora Aline Aguiar, do telejornal MG1 da Rede Globo (foto), foi uma das diversas pessoas que publicou fotos interagindo com a obra Piscina e, devido à sua influência, despertou interesse dos seus seguidores na exposição. Segundo Dantas, só há pontos positivos para esse compartilhamento: “Por ter um protagonismo das pessoas na exposição, elas se apropriam do conteúdo e isso é muito legal mas, no fundo, o que estamos discutindo é a capacidade de ter atenção e de se conectar”.
Vale lembrar que, devido à pandemia, diversos estabelecimentos e instituições tiveram de fechar as portas para o público. Dessa forma, quando o retorno gradual aos espaços foi liberado pelos municípios, o curador acredita que a “fome ou sede” por arte foi visivelmente percebida.
Impactos da midiatização da arte
Um dos principais questionamentos acerca da midiatização da arte é referente ao envolvimento e percepção das pessoas quanto ao tema. A pesquisadora Luanda Campelo explica que na era de Instagram e Tiktok, muitas pessoas vão a museus para fazer fotos e vídeos de si mesmo naquele espaço. Isso leva a questionamentos sobre esvaziamento do valor artístico das obras mas, para Luanda, essa é uma questão que depende do que cada um considera como cultura.
A pesquisadora destaca duas perspectivas principais: a moderna, na qual a arte era qualificada pelo quanto o espectador conseguia absorver da história; e a contemporânea que hipervaloriza o compartilhamento de imagens de si mesmo. “Se estivermos falando da cultura que preza o cultivo de si em moldes modernos, com certeza ir ao museu com intuito de fazer selfies seria um esvaziamento. Mas, se estivermos falando de uma cultura contemporânea, não necessariamente estaríamos falando de um esvaziamento”, afirma.
Outro ponto debatido é em relação ao consumo indireto da arte pelas fotos, que são publicadas nas mídias sociais. A museóloga Tatiana Paz explica que esse debate perpassa a ideia de que a arte está em um lugar inalcançável de purismo, não questionável. Para ela, o consumo direto não significa, necessariamente, maior envolvimento com a peça, pois essa conexão está ligada a como a obra te toca e independe do suporte pela qual é consumida.
Entendo que essa relação se constrói nas entrelinhas do processo da interação com a obra e não apenas com o fato de vê-la. A sensibilidade, o ser tocado, é subjetivo. É muito relativo presumir que uma imagem, que é reproduzida na internet, pode não causar um impacto no espectador tão potente quanto ver uma obra de perto.
Tatiana Paz
Porém, Luanda destaca que espaços culturais estão mais preocupados em aumentar sua visibilidade do que com demais questões. “Ser visível é a nova moeda do século XXI e os próprios curadores de museus têm percebido isso com muita clareza”, afirma. Professora de mídia sociais da PUC Minas, Lívia Borges de Pádua explica que, para gerar mais buzz, muitos lugares oferecem dicas de hashtags para incentivar o compartilhamento de imagens, estimulando mais pessoas a irem conhecer os museus.
Apesar disso, tanto Luanda, quanto Lívia e Tatiana não veem o processo de midiatização da arte como algo negativo. Luanda destaca que pode soar como nostalgia ficar apegado ao clássico e tradicional. Para ela o principal ponto da questão é as pessoas se atentarem ao quanto as mídias sociais ditam a vida atualmente. “A vida na tela, o ranking algorítmico, modificam profundamente nossa percepção de tempo-espaço, de passado, presente e futuro, como se a participação na vida fosse efetivada pela tela. Não vou entrar no mérito se isso é bom ou ruim, mas com certeza é, no mínimo, perigoso”.
Já Livia pontua como as redes sociais digitais podem promover a democratização da arte e dar visibilidade a culturas marginalizadas, enquanto Tatiana acrescenta que arte deve buscar formas de ser consumida e entendida pelas pessoas – e se as redes sociais digitais são uma forma para isso, então, elas devem ser abraçadas: “O importante nessa discussão é entender que deve existir uma comunicação de duas vias com o visitante, tem que se fazer entender e provocar, tem que dialogar para construir conhecimento e não ser unilateral. Tem que criar rupturas e provocar o público. A mídia tem um impacto nas relações sociais e nos relacionamentos e é uma parte importante do processo comunicacional”, enfatiza Tatiana.
A popularização de espaços especificamente instagramáveis
Em meio à popularização de exposições instagramáveis, muitos espaços culturais resolveram apostar exclusivamente nisso. Essa tendência se ampliou com a criação do conceito museu de selfies, que proporciona cenários coloridos e criativos para que as pessoas possam interagir tirando fotos para o Instagram.
A moda começou nos Estados Unidos e chegou ao Brasil em 2021 com o primeiro Museu da Selfie, em São Paulo. De acordo com a pesquisadora Luanda Campelo, a difusão desse conceito está ligada ao fato de que esses espaços satisfazem o desejo contemporâneo de certificar de certificar a presença em determinado lugar e figurar bem nas mídias sociais com aquela imagem.
Outro exemplo é O museu mais doce do mundo, que fez sucesso em Lisboa e desembarcou em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde mais de 80 mil pessoas visitaram. Para Luanda, o maior desafio para esse modelo de negócio é se manter interessante para o público, já que não há uma rotatividade de exposições, como acontece geralmente em demais museus. Ela explica que a saída é justamente ser um espaço itinerante como é o caso d’O museu mais doce do mundo. “Assim, eles conseguem sempre ser uma ‘novidade’ para o público daquele local, proferindo um gatilho de escassez nos espectadores”, afirma.
“Quantos museus existem na sua cidade?”
A museóloga e pernambucana Tatiana Coelho da Paz mudou-se para o Rio de Janeiro em 2018, com o objetivo de fazer mestrado em museologia e patrimônio. Na cidade maravilhosa, ela criou o projeto Quantos museus existem na sua cidade, por meio de um perfil no Instagram.
Ela, que sempre gostou de museus, não era uma visitante assídua. Já morando no Rio, passou a conhecer melhor as instituições da cidade e as pessoas que se interessavam por esses espaços. O seu acompanhante nas visitas culturais e amigo, Rômulo, que se tornaria co-criador do projeto, foi quem apresentou a ela o instituto Pretos Novos, museu cuja história de criação e resistência chamou a sua atenção. Logo após essa visita, Tatiana criou o perfil para publicar os museus que conhecia com seu colega.
Para Tatiana Paz, a intenção do projeto sempre foi impulsionar essas instituições e gerar na sociedade um olhar crítico em relação a elas. Desde o início das publicações no perfil, a museóloga já visitou 97 instituições em cinco estados brasileiros e no Distrito Federal. Além disso, a página acabou por promover uma rede cultural diversa, influenciando muitos produtores de conteúdo a criarem seus próprios espaços para divulgar a cultura local.
Matéria produzida por Anna Bracarance, Raíssa Braz, Tainara Diulle e Victoria Carvalho para a disciplina Laboratório de Narrativas Digitais do curso de Jornalismo na unidade São Gabriel da PUC Minas.
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