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Estresse familiar intensificado durante a pandemia
Imagem meramente ilustrativa via Unsplash / Créditos: Nik Shuliahin

Como lidar com o estresse no convívio familiar?

Famílias buscam alternativas para enfrentar com afeto e companheirismo a carga psíquica causada pelo isolamento social

Um dos grandes objetivos de qualquer relação é manter uma convivência saudável, livre de estresse. Isso já era um desafio antes da pandemia, intensificou-se ainda mais com a necessidade do isolamento social que, para muitos, já soma mais de seis meses em Belo Horizonte (MG).

Conviver 24 horas, todos os dias, com as mesmas pessoas, por tempo indeterminado tem gerado ainda mais conflitos no ambiente familiar. Segundo pesquisa realizada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), os casos de estresse e ansiedade aumentaram em 80% após o início do isolamento social. A pesquisa foi realizada entre os meses de março e abril, com 1.460 de 23 estados do país.

Os grupos mais propensos a desenvolver doenças psicossomáticas durante o isolamento social, de acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), são as crianças e adolescentes, as mulheres, que, em geral, lidam com uma sobrecarga de afazeres, e os idosos.

A neuropsicóloga Alessandra Assumpção, coordenadora da especialização em Terapia Cognitivo-Comportamental da PUC Minas, ressalta outros grupos de riscos, como os profissionais de saúde, principalmente os que estão trabalhando na linha de frente ao combate a Covid-19 e pessoas que já possuem algum tipo de transtorno mental, podendo haver um agravamento dos sintomas.

“Também pessoas que têm histórico familiar ou pessoal com predisposição; e aquelas em  situação de violência, em especial, quem  tem que passar pelo isolamento social com o agressor; e pessoas com baixo suporte social”, elenca a neuropsicóloga.

Como superar o estresse? 

Criar redes de apoio é fundamental para o enfrentamento da situação. Segundo Alessandra Assumpção, é recomendável que se mantenha e aprofunde as relações saudáveis, mesmo que à distância.

Para o casal Paulo Henrique Silva Moreira, analista financeiro de 23 anos, e Gabriel Augusto dos Reis, estudante de medicina, 20 anos, moradores do bairro Estoril em Belo Horizonte, a rotina antes da pandemia era bem dinâmica e o que não faltava era assunto no final do dia.

Paulo lembra que o início da quarentena foi melhor, já que tinham novos recursos para desfrutarem, como cozinhar, assistir séries juntos e aproveitar o tempo livre, já que o tédio ainda não era tão presente. Já Gabriel diz que se sente melhor agora e que, apesar de ter saudades de sair de casa, já se acostumou com a nova rotina. Para o casal, o principal desafio foi identificar as rotinas diferentes sem julgamento.

“Dividimos o mesmo espaço, mas temos rotinas muito diferentes no dia a dia. Ele é mais flexível e eu tenho tarefas mais estabelecidas. No início, eu queria que ele cumprisse a mesma rotina que a minha”, conta Paulo Henrique. Ele diz não conseguir reconhecer nenhum aspecto positivo desse período em isolamento, enquanto Gabriel relata que seu nível de autoconhecimento tem sido elevado a cada dia. Agora ele consegue identificar muitas coisas sobre si mesmo que não conseguia antes.

“O maior aprendizado que esse momento me trouxe foi entender o outro, tirar a visão que temos do mundo e conseguir enxergar através da visão de outra pessoa. Com tanta convivência, agora eu consigo entender o mundo também através da perspectiva dele”

Gabriel Augusto

Desigualdades de gênero como fonte de estresse

Para mulheres, um dos principais problemas intensificados na convivência no isolamento é estabelecer e cumprir horários para começar e terminar as tarefa. Esse é o dilema de Sirlene Cardoso de Jesus, pedagoga, 44 anos, moradora do bairro Rio Branco, na capital mineira.

A mudança foi drástica na rotina da família, que ainda tenta se adaptar ao novo normal. Antes da pandemia, ela e o marido passavam em torno de 12 horas fora de casa. Agora, ela trabalha de casa e ele foi um dos milhares afetados pela crise econômica causada pela Covid-19, e acabou sendo demitido.

Sirlene se divide entre dois empregos: na parte da manhã, é pedagoga na prefeitura de Contagem e, à tarde, é professora de educação básica em Belo Horizonte. Ela desabafa o quanto tem sido pesado trabalhar em dois lugares, ao mesmo tempo em que equilibra, juntamente com o marido, a rotina da filha de seis anos, e coordena a distância a rotina da casa da mãe, que é idosa e sofre de diversos problemas de saúde. 

“Tem dias em que o estresse chega a causar ânsia de vômito, tontura e dores de cabeça. Meu marido me ajuda falando para eu respirar. Eu nunca tive isso, nunca tinha tido crise de ansiedade antes”.

Sirlene Cardoso de Jesus

Ao relatar as crises de ansiedade, Sirlene diz que melhorou na medida em que se desligou das notícias ruins sobre a Covid-19. Apesar disso, diz que não dispensou a possibilidade de procurar ajuda clínica, mas que até para isso o tempo tem sido curto.

Se há pontos positivos? Ela reconhece que tem aprendido a lidar melhor com a filha e que também passou a conhecer melhor os vizinhos do condomínio, onde mora há quase dez anos. “Por ficar tanto tempo fora de casa antes da pandemia, eu não sabia sequer o nome da maioria dos moradores”, confessa.

Estresse e saúde mental na pandemia 

Muitos fatores podem gerar um acúmulo de estresse durante a pandemia. O medo de contrair a doença, o mercado de trabalho incerto, o luto pelos entes queridos, a nova rotina em casa são alguns deles. O cansaço emocional pode evoluir para um quadro mais grave de ansiedade ou depressão, por exemplo.

Criar redes de apoio é fundamental para o enfrentamento da situação. Segundo a neuropsicóloga, Alessandra Assumpção é recomendável que se mantenha e aprofunde as relações saudáveis, mesmo que à distância.

“O compartilhamento de emoções e pensamentos, em contextos seguros possibilita que o sujeito seja ouvido e acolhido, e que as emoções sejam validadas. Outro fator positivo é poder perceber que os outros também estão vivenciando dificuldades e que muitas emoções e pensamentos são semelhantes entre as pessoas”.

Alessandra Assumpção

Atendimentos interrompidos e consultas virtuais 

A pandemia traz ainda o agravante de ter serviços de saúde mental interrompidos devido à impossibilidade do atendimento presencial. A alternativa encontrada por muitos psicólogos são as consultas online.

Segundo o Conselho Federal de Psicologia (CFP), de março a abril, 39.510 profissionais solicitaram a adoção do atendimento remoto. A psicóloga Christiane Rocha, uma das que passaram a atender remotamente, diz que há pacientes que preferiram não continuar o tratamento de forma online, mas que a maior parte continuou, e novos também surgiram.

“No início, as consultas foram estranhas. Todos dias há desafios no novo formato, mas a adaptação veio com a experiência”, conta. Sobre a garantia de segurança nas consultas virtuais, Christiane diz que cabe ao profissional proporcionar um ambiente confortável e acolhedor e que tudo depende da confiança na relação psicólogo-paciente. 

Além de atendimentos em seu consultório, Christiane também trabalha em uma clínica social em Belo Horizonte. Ela explica que é necessário olhar, em especial, para a população que não tem condições de pagar por um tratamento de saúde mental, principalmente em um momento em que muitos perderam suas fontes de renda.

“Não podemos resumir o cuidado mental a quem pode pagar por ele”

A promoção de saúde mental em tempos de crise deve ser uma das preocupações do Estado. Ampliar as políticas públicas para o cuidado mental é garantir que o SUS esteja preparado para acolher as pessoas em momentos como esse”,  diz Christiane.

Já Alessandra além de destacar a necessidade de mais propostas coletivas que visem a promoção da saúde mental, também ressalta a importância de se preparar os profissionais da rede pública. “O aumento de profissionais qualificados é fundamental para os serviços de saúde que consigam atender a demanda que surgirá pós-pandemia”, conclui.

Por Isabela Lana e Tainara Diule, monitoras de jornalismo do Colab.

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