Na região central de Belo Horizonte, localizada na Avenida Augusto de Lima, há uma entrada – das seis – que dá acesso ao Mercado Central da cidade. Atravessando os caminhos estreitos, pode-se sentir o cheiro de especiarias, frutas frescas e queijos artesanais. O lugar, que atrai turistas e moradores locais em busca de experiências gastronômicas únicas, é também um ponto de encontro e convívio social e se consagra como um dos cartões postais mais icônicos da capital mineira.
Em um dos principais corredores, não muito longe da entrada, um balcão pequeno, com paredes decoradas em verde e branco, quase sempre está cheio. Durante a semana, você até consegue chegar no local sem tumulto, mas aos domingos pode enfrentar filas que invadem a fachada das outras lojas. Todos esses clientes estão em busca de um produto simples, mas que marca a vida de muitos belorizontinos há 85 anos: a Tradicional Limonada.
A simplicidade e o atendimento amigável são perceptíveis. Os produtos são de ótima qualidade e frescos, frutos da seleção cuidadosa feita pelos sócios. E, naquele balcão de pouco mais de um metro, é comum ver centenas de pessoas circulando, cada uma com suas histórias e suas vivências.
Como um produto tão trivial, com uma receita tão simples, faz sucesso por anos a fio em um dos pontos mais efervescentes de BH? Por muito tempo, o local sobreviveu apenas com a venda da bebida. No entanto, hoje, novos produtos foram adicionados ao cardápio e, é fato que a Tradicional Limonada é uma marca que está em constante transformação, unindo uma tradição quase centenária a uma identidade moderna e atualizada.
Raí Amorim, um dos donos da loja, contou a trajetória da empresa até sua chegada no Mercado central em 1980. Veja no vídeo a seguir.
@colabpucminas Voce conhece a Tradicional Limonada de BH? A gente entrevistou o Raí Amorim, um dos sócios do negócio. Confira! #belohorizonte #tradicionallimonada #gastronomia #jornalismodigital ♬ original sound – COLAB
Mais de 80 anos de história
Desde a sua criação, em 1938, pelo imigrante português Américo Lira Batista, também conhecido como Sr. Américo, a loja vem se consagrando por vender a melhor limonada da cidade. A receita portuguesa foi adaptada, em 1948, ao paladar mineiro. O autor da adaptação, conhecido como Vô Gabriel, foi o avô de Raí Amorim, atual proprietário, juntamente com seu irmão.
Foi no final dos anos 1940 que Vô Gabriel veio da Bahia para Belo Horizonte e, ao conhecer o Sr. Américo, se interessou pela ideia e passou a tocar o negócio como seu sócio. Algum tempo depois, ele comprou a loja e deu início ao seu negócio, agora incluindo sua família. Em 1978, a loja mudou-se para o corredor da avenida Amazonas e, em 1980, instalou-se no corredor da avenida Augusto de Lima, onde permanece até hoje.
Com o tempo, o comércio passou por diversas mudanças de localização e adaptações de cardápio, buscando atender à realidade do negócio e também da cidade. Porém, sempre manteve o mesmo espírito familiar e tradicional.
@colabpucminas Já conhece a história da Tradicional Limonada? Veja o vídeo e descubra mais sobre essa loja que conta com mais de 85 anos de história! #belohorizonte #jornalismodigital #jornalismocultural #mercadocentral ♬ original sound – COLAB
A loja faz parte do legado da família Amorim, com gerações de membros trabalhando para manter a tradição viva. Desde a infância, Raí cresceu ajudando seu pai e o tio na loja, mas foi seu tio, Antônio, que seguiu dedicando-se 100% ao negócio. E em 2016, os irmãos da nova geração passaram a comandar as ações do negócio da família, trazendo algumas mudanças que ajudaram a estabelecer ainda mais o legado da Tradicional Limonada na Belo Horizonte atual.
Tradição e modernidade lado a lado
Os irmãos Raí e Rodolfo Amorim hoje tocam o negócio, depois de 85 anos. Os jovens foram responsáveis por criar uma nova identidade, quando assumiram o controle em 2016. É uma marca que traz tanto público jovem quanto famílias mais tradicionais da capital mineira.
A limonada segue sendo o principal produto, mas a experimentação sempre fez parte da rotina para assim incorporar novos produtos e, quem sabe, criar novas tradições. Segundo Raí, esse é exatamente o segredo da manutenção de uma marca com mais de 80 anos: a inovação, sem deixar de lado a tradicionalidade.
Em 2012 foi implementado o bolinho de feijão que, para os clientes, é o par perfeito para a limonada. Os sabores de bolinho incluem camarão, carne de sol e frango com bacon. Raí conta que o alimento sempre foi tradição em Belo Horizonte, onde as mães faziam para os filhos venderem em dias de jogo nos estádios da capital.
Anos mais tarde, em 2016, mais uma novidade no cardápio: a Caip do Vô, em homenagem ao patriarca da família, Amorim, que faleceu aos 94 anos em julho de 2022. Para os apreciadores de drinks alcoólicos, agora a tradicional limonada também comercializa a boa e velha caipirinha. A bebida refrescante, do gosto do povo e em uma loja com grande validação na cidade, agora carrega um importante legado.
Veja a Caip do Vô no Instagram da Tradicional Limonada.
Se a vida te der limonada, faça clientes fiéis
É difícil conhecer algum belorizontino que não tenha passado um domingo sequer no Mercado Central. Sair com a família para comprar especiarias, comer quitutes das mais variadas e jogar conversa fora em um ambiente que é um mar de diversidade segue sendo um dos principais programas familiares nos domingos da capital.
“É uma missão muito gratificante e exige muita responsabilidade também. É manter uma tradição não só nossa, da nossa família, mas uma tradição de várias famílias de BH. É uma honra.”
Raí Amorim
A loja possui clientes fiéis, unindo avós e netos, mas também atrai novos públicos que visitam o mercado procurando conhecer as tradições de BH.
Solange e Willer Harmond estão nessa parcela recente do público. O casal, que vive em Belo Horizonte há 50 anos, conheceu a loja há pouco tempo e já se rendeu ao sabor da bebida e dos bolinhos de feijão.
“Somos de Belo Horizonte, sempre viemos aqui no Mercado Central fazer compras. Um dia decidimos vir aqui na Limonada, e hoje aqui estamos de novo.”
Solange Harmond, frequentadora da Tradicional Limonada
Apesar da descoberta recente do estabelecimento, o casal diz que pretende degustar mais vezes da Tradicional Limonada. A loja, que possui laços com diversas famílias da capital, ainda cria tradições e clientes fiéis mesmo depois de quase um século de existência.
Esse é o caso de Henrique Coelho, que visitou a Tradicional Limonada pela primeira vez em 1993, com seu pai. Desde então, sempre que pode, volta para se refrescar e relembrar estas memórias. Geraldo Magela também conta que, há mais de 40 anos, costuma frequentar o local em média de uma a duas vezes por semana.
O Festival Azeda
Confiar no acaso pode ser um tanto angustiante, mas coisas boas costumam acontecer sem aviso prévio. E a história do Festival AZEDA teve uma ajudinha muito boa do destino. Atualmente, a Tradicional Limonada é um dos patrocinadores do festival.
Confira um spoiler do festival no vídeo abaixo.
A cena cultural de Belo Horizonte sempre foi valiosa e os últimos anos têm provado que ela está cada vez mais plural, extensa e diversa. Depois de se reinventar durante a pandemia, o AZEDA, que surgiu a fim de fomentar o que há de mais brilhante na produção local, realiza, desde 2018, eventos que promovem a visibilidade, valorização e conexão entre artistas, produtores locais e o público da capital mineira. Procurando expandir, cada vez mais, as fronteiras da produção independente da cidade. Júlio Góes, um dos produtores do evento, que também é amigo de Rodolfo Amorim, nos contou um pouco dessa história.
“À princípio a gente pensou em fazer um festival, mas fazer um festival grande é muito trabalho e a gente não tinha nem experiência para fazer isso acontecer, sabe?”, relata Júlio.
Como boas ideias sempre se cruzam, a parceria do evento com a Tradicional Limonada, por ironia, surgiu de um jeitinho bem belorizontino: um bom papo em uma mesa de bar com alguns amigos e uma cerveja gelada. “Por acaso, o Rodolfo, que é um dos dos donos da da Limonada passou de carro, viu a gente desceu pra poder trocar uma ideia, tomar uma cerveja. (…) Ele super gostou da ideia e resolveu investir, né?! Falou assim: olha, massa demais, animo de colocar uma grana no primeiro, pode fazer lá em casa!”, conta Júlio.
A primeira edição
E assim aconteceu. A primeira edição, que levou o nome de Azedinho, aconteceu na casa da família da Tradicional Limonada. E foi nessa ocasião que lançaram a Caip do Vô, bebida que já foi citada diversas vezes ao longo da reportagem. Nada mais mineiro que essa junção do tradicional com o moderno. A última edição do festival aconteceu no dia 15 de abril, no Mira! BH e teve a participação de artistas que representam o que há de melhor na cena musical da cidade.
O palco foi ocupado por Ruadois, um coletivo de experimentação eletrônica composto pelos DJs Akila, Mirral ONE e UEU, que possuem uma extensa pesquisa no gênero UK garage, com ênfase no hip hop. Completaram o line up a cantora e compositora Augusta Barna, dona do EP “Cantora de Ruídos” e o álbum “Sangria Desatada”. Seu show incluirá os sucessos “Mineirim” e “Acaju”, que têm sido muito bem recebidos pelo público. Além disso, Sarah Samp e os DJs Linguini e Jô.
Por fim, a Tradicional Limonada mostra que, o segredo para algo tão trivial sobreviver por quase um século é a inovação aliada a tradição. Quem não gosta de uma limonada bem gelada em um domingo quente de verão? Foi assim, com base em um produto tão simples que, por 85 anos, a Tradicional Limonada se manteve como um dos locais mais tradicionais de Belo Horizonte, e que sempre conseguiu se reinventar sem abrir mão dos ícones e produtos mais antigos de sua marca. Quando passar pelo Mercado Central, não se esqueça de passar na loja e experimentar.
Galeria de fotos
Conteúdo produzido por Ana Pisani, Dara Russo, Isabella Cunha, Júlia Dara, Pedro Alves, Maria Laura Carvalho e Samuel Faria na disciplina Produção em Jornalismo Digital e Jornalismo Cultural, sob a supervisão da professora e jornalista Maiara Orlandini e a professora e jornalista Junia Miranda de Carvalho.
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